quarta-feira, 13 de maio de 2020

Nova Direita Europeia, Trump e Bolsonaro: o renascido mundo ocidental

Gabriel Mithá Ribeiro

As sequelas do ciclo histórico bipolar EUA/URSS (1945/1991) bipolar EUA/URSS (1945-91) continuam entranhadas nas sociedades e no mundo. São elas que demarcam as fronteiras entre sistemas sociais, culturais, políticos ou econômicos, por um lado, que mais se aproximaram da moral social de tradição ocidental onde a estabilidade e a prosperidade se consolidaram e, por outro lado, que mais se aproximaram da moral social modelada pelos soviéticos onde a instabilidade e a falta de prosperidade se tornaram salientes.

Os povos do mundo ocidental estão a ser pioneiros a tomar consciência de ser esse o maior desafio do mundo pós-Guerra Fria. O ponto de partida foram as vitórias eleitorais sucessivas da nova direita na Europa do Leste e na Europa Central, a primeira zona do mundo a ser contaminada pela distopia progressista desde o início da Guerra Fria dado o avanço territorial do poder imperial comunista (1945), mas também a primeira a reagir logo após o colapso da URSS (1991).

A atitude reativa dos povos dessas regiões da Europa incidiu na recuperação e renovação de dois núcleos sequestrados durante a dominação soviética: as suas raízes civilizacionais seculares judaico-cristãs e os seus não menos seculares sentimentos de pertença às suas identidades nacionais.

A Europa Ocidental, por seu lado, censurou e tentou travar os primeiros passos daquele que está hoje transformado num amplo movimento de reencontro do mundo ocidental com a sua própria dignidade civilizacional.

A renovação democrática do rumo da história iniciada no leste europeu contrariava o internacionalismo ditatorial do império soviético que persiste latente na Rússia atual, atitude reativa que foi sendo estendida a outras tutelas supranacionais. Entre os alvos começaram a sobressair a ONU, organização que preserva os ideais progressistas impositivos da extinta URSS e, embora com um ponto de partida ideológico plural, a União Europeia (UE) nascida no pós-Guerra Fria do Tratado de Maastricht (1993).

A última deu continuidade à Comunidade Econômica Europeia (CEE), 1957-1993), porém, distinguindo-se da antecessora quer por ter alargado  a todo o continente passando a incluir também os países que tinham estado debaixo da influência soviética, quer sobretudo por ter enveredado por uma atitude centralista impositiva, agora sediada no coração da Europa, entre Bruxelas, Estrasburgo e Frankfurt.

Rígidas nos seus excessos burocráticos e de normatividade legislativa, política, econômica ou de modelo de sociedade, as tutelas da EU foram agravando de modo continuado a sua postura à revelia das diferentes sensibilidades dos povos.

A coesão do continente imposta dos poderes políticos tutelares para o senso comum, de cima para baixo (tal como havia acontecido com o império soviético a leste então sediado em Moscovo), explica a incapacidade do projeto europeu em ultrapassar a fase embrionária que mantém o seu ideal numa dimensão artificial, desafio que para ser ultrapassado implica que a UE possua no seu âmago uma orientação civilizacional especificamente europeia e ocidental, gerada de baixo para cima.

O último tipo de construção identitária é o que explica a sustentabilidade do movimento político reativo iniciado nos anos noventa do século XX, e a sua consequente resistência no tempo e alargamento progressivo por toda a Europa. O fenômeno mantém-se endêmico, tendendo a aprofundar os seus impactos em conjunturas de maior insatisfação dos povos autóctones por razões substantivas.

As últimas vão de sucedendo e sobrepondo. Umas resultam do avanço do terrorismo islâmico em solo europeu a partir de 2004 (Espanha) na sequência dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, ameaça à Europa ainda por resolver. Outras foram espoletadas pelas dificuldades financeiras de alguns estados que aderiram à moeda única, os estados da zona euro, na sequência da crise internacional iniciada em 2007-2008, em particular por causa das reações de desresponsabilização política e social manifestadas pelos países afetados (Irlanda, e sobretudo Grécia e Portugal), atitude resguardada por relatórios internacionais e discursos no mesmo sentido de líderes influentes da UE ou da ONU, uma crise cujas causas estruturais também continuam latentes.

Se o crescimento do sentimento de insegurança entre os europeus e os abalos nas ambições econômicas do seu projeto comum apontavam para núcleos sensíveis da vida coletiva que suscitavam dúvidas legítimas, as mesmas agravaram-se num domínio ainda mais sensível, o dos sentimentos de pertença identitária dos europeus associados à descrença na capacidade de controle das fronteiras externas da UE.

As fragilidades destas foram sendo postas à prova quase todos os dias a céu aberto por vagas imigratórias não-europeias ilegais e indesejadas que se acentuaram a partir de 2015, situação que se foi controlando nos anos recentes, porém, tal como as anteriores, ainda sem uma resposta consistente.

A última crise teve o significado peculiar de ter sido enfrentada, na sua fase inicial, por atitudes das tutelas políticas nacionais e internacionais da EU que disputavam entre si quem melhor legitimava e legalizava a ilegitimidade e ilegalidade a que o senso comum europeu assistia na comunicação social quase em direto.

A disputa resumia-se a apurar quem mais, entre os líderes europeus, era capaz de responsabilizar os próprios europeus num momento em que estes se sentiam fragilizados na sua segurança e, pior, ameaçados nas suas identidades.

No caso dos povos ocidentais como não acontecia desde o final da Segunda Guerra Mundial e, no caso dos povos do centro e do Leste, os traumas ainda estão próximos da carne viva (1939-45/1945-91).

Em tal contexto, a vitória do Brexit em 2016, o referendo que deu início ao processo de abandono formal do Reino Unido da EU, ficou transformada no sintoma inequívoco de que o movimento reativo iniciado no final da Guerra Fria se estava a sedimentar também na Europa Ocidental.

De agora em diante seriam segmentos crescentes das sociedades europeias no seu conjunto, de Leste a Ocidente, a procurar respostas renovadas para os desafios do continente cujo pano de fundo tem sida a ausência de uma moral social partilhada entre os poderes políticos tutelares (nacionais e supranacionais) e o senso comum, domínio essencial à viabilidade de qualquer projeto coletivo nunca sequer discutido com abertura democrática no âmbito europeu.

É o que explica a ineficácia das respostas do centralismo da EU aos desafios sucessivos que o continente vem enfrentando e está forçado a ter de enfrentar no longo futuro.

Na sua autonomia, as ambições dos velhos povos da Europa tendem a apontar para horizontes cada vez mais ambiciosos. Não apenas apontam para mudanças nos equilíbrios políticos instituídos desde o final da Segunda Guerra Mundial em que os povos entregaram democraticamente a gestão do poder ao centro-direita (democratas-cristãos) e ao centro-esquerda (sociais-democratas/socialistas), tendência agora reajustada pelo reforço crescente do suporte eleitoral a uma nova direita nascida no pós-Guerra Fria desembaraçada da reverência aos resquícios do pensamento soviético, marca que por si só torna a Europa política mais coesa ao aproximar a Europa Ocidental da Europa Central e da Europa do Leste, uma versão do Make Europe Great Again, mas também, e bem mais substantivo, porque as ambições apontam para uma renovação civilizacional sustentada em aspectos como a moral social ou os fundamentos históricos e culturais das diferentes identidades europeias tendo em conta aquilo que define cada uma delas, mas não menos aquilo que comungam em nome de um sentimento de presença europeia partilhado que não se dissolva em universalismos progressistas.

Na transição da fase embrionária do novo ciclo histórico pós-soviético (a nascida nos anos noventa do século XX) para a fase sedimentação (a que está em curso desde 2016 com o Brexit) foi essencial a coincidência de um conjunto de condições conjuntas, a definição tautológica de conjuntura. Foram elas que projetaram o fenômeno de forma inopinada no sistema internacional por causa das transformações ocorridas no outro lado do Atlântico.

Entre o velho mundo europeu ocidental e o que foi seu filho, o Novo Mundo, existe uma partilha do que é substantivo nas identidades nacionais, como a matriz religiosa judaico-cristã, as línguas nacionais, as pertenças raciais e étnicas dominantes ou influentes, as tradições culturais, os tipos de sociedade, as formas de governação, entre outras características e interesses comungados.

No mesmo ano em que se votou pelo Brexit no Reino Unido, o grande impacto veio da vitória eleitoral de Donald Trump (2016) que lhe garantiu a presidência dos Estados Unidos da América (2017), a superpotência que funcionou como antítese da ex-URSS, sendo que o novo presidente norte-americano recuperava a frontalidade dessa atitude.

Pouco depois, Jair Bolsonaro conquistava a presidência do Brasil (2018-19) e aproximava o país mais relevante da América do Sul do movimento iniciado na Europa de Leste há mais de duas décadas.

Entretanto, têm prosseguido avanços no mesmo sentido por todo o mundo ocidental, o que inclui ainda a Austrália e a Nova Zelândia, para além de Israel.

Não existe memória histórica de tamanha coesão gerada a partir das raízes identitárias de um conjunto alargado de sociedades na sua autonomia, um fenômeno amplo sustentado na alma de povos. É por isso que ele persiste no tempo (por mais de duas décadas) e tem continuado a propagar-se no espaço nesse período (Europa, América do Norte, América do Sul, Oceania, Israel.

Não se trata de um conjunto de epifenômenos isolados, antes de um amplo movimento histórico e civilizacional ascendente por também possuir um interdito fundamental, referente-chave na vitalidade e força de qualquer i8dent5idade social i8ndependentetemente da sua amplitude: a rejeição~~ao9 das sequelas do ideário soviético que invadiram os sistemas sociais, políticos, culturais, institucionais o0u a história do mundo ocidental.

Enquanto tais sequelas existirem não é provável que o movimento perca a sua capacidade mobilizadora, desde que invista com clareza numa moral funcional.
Título e Texto: Gabriel Mithá Ribeiro, do livro “Um Século de Escombros   - Pensar o futuro com os valores morais da Direita”, páginas 42 a 45.
Digitação: JP, 12-05-2020

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