Ao tornar-se um agente político de
influência, Felipe Neto tem todo o direito de falar o que bem entender. O bom
jornalismo, no entanto, precisa ser responsável e confrontá-lo com a História
Ana Paula Henkel
Bruno Garschagen, consagrado
cientista político e autor de dois best-sellers, Pare de
Acreditar no Governo e Direitos Máximos, Deveres
Mínimos, define o fascismo pela máxima de seu líder, Benito Mussolini
(1883-1945), criador do movimento autoritário que deu origem ao Partido
Nacional Fascista: “Tudo no Estado, nada fora do Estado e nada contra o
Estado”. Garschagen, colunista aqui na Revista Oeste, explica que o
fascismo, assim como o comunismo e o nazismo, também impôs um modelo
autoritário e totalitário de partido único, tendo em seus pilares ideológicos o
desprezo pela democracia e pela liberdade, devendo o Estado estender-se a todos
os âmbitos da vida dos indivíduos.
Quando, em 1919, Benito
Mussolini inaugurou o Fasci Italiani di Combattimento, o precursor de seu
partido fascista, ele não estava inventando a ideia de autoritarismo violento,
mas dando um nome a mais um terrível tentáculo dos movimentos tirânicos da
História. Sob sua liderança, esquadrões de militantes atacavam, espancavam e
matavam outros italianos e, mais tarde, depois de se tornar o governante
autoritário da Itália, ele se aliou a Hitler e à perseguição da população
judaica local, entre outros crimes.
Nesta semana, o criador de
vídeos para crianças e adolescentes Felipe Neto, hoje ferrenho opositor do
atual governo, foi o entrevistado de um programa que já foi referência
jornalística no passado. Até aí, tudo normal, gosto não se discute. Com enorme
influência nas redes sociais, o rapaz tem, como qualquer outro cidadão, o
direito de expressar opinião sobre suas escolhas políticas. O problema, no
entanto, está quando um influenciador digital, com milhões de seguidores em
suas plataformas, obviamente inteligente e capacitado em sua área de atuação,
resolve opinar sobre temas sérios e verbaliza, por exemplo, que todos os que
apoiam o atual governo são fascistas. Perplexos, assistimos, sem nenhum
questionamento por parte da bancada de jornalistas que o entrevistou, a 58
milhões de brasileiros serem chamados de fascistas em rede nacional — repito,
sem nenhuma indagação por parte dos profissionais da imprensa presentes.
Felipe Neto também
repetiu uma das falácias mais adoradas pela esquerda, a de que a meritocracia é
uma ficção liberal.
Foi um mantra marxista
reiterado também sem nenhum contra-argumento pelos entrevistadores. Quando
o youtuber foi convidado a comentar o espectro político a que
pertenceria, o novo ídolo da esquerda e de militantes travestidos de
jornalistas explicou que ele se posiciona “entre Ciro Gomes e Amoêdo”. Ou seja,
Felipe Neto, o novo representante da intelectualidade política que não gosta de
Jair Bolsonaro e de seu governo, gosta mesmo é da mão pesada do
intervencionismo estatal e do Estado conduzindo todas as manifestações
econômicas, mas também do liberalismo econômico com um Estado mínimo, enxuto e
com políticas de mercado aberto. Creio que, se pudéssemos comparar a declaração
da posição do rapaz no espectro político a uma posição geográfica no mapa, ele
estaria tipo entre o Alasca e a Patagônia. E, se rir, você é um fascista.
Todo e qualquer governo, sem
exceção, precisa de nossa vigília constante. Fato. E não é porque a atual
administração se aproxima mais do liberalismo econômico com a brilhante equipe
de Paulo Guedes que devemos ignorar suas falhas e erros de rota em qualquer
pasta. No entanto, fechar os olhos para boa parte do atual jornalismo que
insiste em um terceiro turno para as eleições de 2018 é fechar os olhos para o
próprio sistema democrático que Felipe Neto e suas cheerleaders da
imprensa tanto insistem em dizer que está sendo atacado.
A crítica aqui, e
isso deve fazer parte de nossa vigilância, não é apenas ao rapaz que ganha
milhões de reais imitando bichinhos e quer falar bobagens sobre política.
Ele tem esse direito. Convém
destacar, todavia, os absurdos ditos e a vulgarização da história que deveriam
ser questionados por qualquer jornalista com um mínimo de honestidade. O rapaz,
voz da razão quando o assunto é videogame, é agora também uma variável política
porque repete o sofisma preferido dos inimigos do atual governo de que o atual
presidente e seus eleitores são fascistas. Isso é grave.
Além de usar insultos
históricos com sua rasa ideologia, Felipe Neto, sagaz para monetizar com um
público jovem, é mais uma peça na criação do tipo de histeria que leva a um
clima de resistência violenta. A chamada “intolerância do bem”. A doentia
comparação com o fascismo funciona em dois sentidos: eleva os oponentes
políticos a criminosos homicidas que merecem punição extrema — e, de quebra,
pode pavimentar o caminho para “justas” quebras institucionais
antidemocráticas; afinal, “precisamos tirar o fascista do poder” — enquanto
reduz monstros históricos reais a pouco mais do que pequenos fanáticos
partidários.
Os agentes da política torpe e
irresponsável que usam exatamente incautos como Felipe Neto, alguém que apenas
aprendeu a repetir as platitudes da demonização de seus opositores nesse jogo,
não querem democracia. Desejam apenas enfraquecer o potencial de seus
oponentes. A relação com a política para essa gente é mera apreciação do poder.
Nada mais.
Atestar que
oponentes políticos e seus apoiadores são fascistas não é retórica nova.
Felipe Neto é bem grandinho e
deveria saber que aqueles que abusam da ausência de senso de proporção, ou do
desprezo histórico pelas palavras, desprezam também as reais vítimas dos
verdadeiros fascistas. Precisamos ter coragem para quebrar a espiral do
silêncio e apontar as consequências desse jornalismo doente, que amplifica
invencionices vis, colabora com a infantilização da sociedade e estimula
discursos vazios e nocivos. E mais: solidifica os danos do uso irresponsável
das palavras.
Diante desses novos agentes
políticos que serão alçados a bastiões da intelectualidade moderna pela
esquerda, fica mais evidente que o espectro político-ideológico a que pertencem
não está interessado na real democracia ou nas justas críticas. Suas teorias
não param de pé e não deram certo em lugar algum do mundo, e a relação que
desenvolvem com essas influentes figuras é apenas de poder e exploração. Os
que, por oposição ou birra política, aplaudem declarações como as de Felipe
Neto apenas nos mostram o total afastamento da realidade, inacessível para
quem, numa abstração mental, não oferece nada no campo das ideias e se agarra
apenas ao ataque ad hominem.
O que assusta não é
apenas um jovem e inexperiente rapaz falar bobagens sem pensar nos distúrbios
que elas possam gerar, mas constatar o silêncio por parte da imprensa.
O programa que já recebeu
ex-presidentes, chefes de Estado, embaixadores, pensadores e juristas
consagrados não questionou a banalização da história nem declarações sem
fundamento.
A liberdade, palavra sagrada
no pilar da fundação da Revista Oeste, é vital também na
comunicação e no direito de nos expressarmos. No jornalismo, no entanto, ela
precisa estar atrelada à verdade. Por aqui, na Oeste, tenho certeza
de que seguiremos o brilhante pensador contemporâneo Thomas Sowell, um norte na
honestidade intelectual. Sowell diz: “Jornalistas não podem servir a dois
mestres. Se assumem a tarefa de suprimir informações ou morder a língua em nome
de alguma agenda política, estão traindo a confiança do público e corrompendo a
própria profissão”.
Não questionar o uso do termo
“fascista” ou “nazista” para designar qualquer um que não reze cinco vezes ao
dia ajoelhado em direção a uma foto de Lula ou Ciro Gomes, nem seja contra o
atual governo, é criminalizar todos aqueles que ajudaram a construir os valores
de liberdade da civilização ocidental. Liberdade, inclusive, para falar
bobagens.
Título e Texto: Ana Paula
Henkel, revista Oeste, 22-5-2020, 10h41
Em 2012 eu disse: "A generalização é a arma dos idiotas que não têm argumentos para defender um ponto de vista".
ResponderExcluirEsse rapaz é mais um que comprova a minha tese.