As ideias que partilhamos neste ensaio
jamais servirão propósitos de culpabilizar qualquer pertença racial (branca,
negra e as demais), apenas ajudar a compreender os significados das suas
existências
Gabriel Mithá Ribeiro
Não quer continuar na
pele de idiota? Então destrua toda e qualquer insinuação sobre a sua pertença a
uma seita potencialmente racista, isto é, identificada com o crime,
uma vez que da sua mancha racial você jamais se livrará e, quem sabe, já a
transmitiu ou transmitirá a filhos, netos, bisnetos, por aí adiante. Mamadou
Ba, Joacine Katar Moreira, Isabel Moreira, Fernanda Câncio, Boaventura de Sousa
Santos, Chico Buarque e todos os antirracistas encartados de Portugal, Brasil,
restante Europa, Estados Unidos da América ou mundo são irrelevantes. O seu
inimigo é você, é a sua consciência branca.
Não duvidemos que a
consciência digna do nome é simplesmente humana, universal, não tem cor. Todavia,
há décadas que a sua foi tomada de assalto e pintada de consciência
branca, sinônimo de consciência pesada, e é você quem tem
estado encarregue de preservar e abrilhantar a pintura. Aos antirracistas
basta-lhes a sugestão da existência da consciência negra, antônima
da sua, a consciência leve. Fazem-no a toda a hora e em toda a
parte – no ensino, literatura, imprensa, cinema, música, conferências,
arruadas, debates, encontros, protestos – e você quebra, não consegue resistir
ao papel de contraparte.
Se não sabe, o Brasil alcançou
o nirvana no início do ciclo glorioso da governação do Partido dos
Trabalhadores, o PT, quando, em 2003, imaginando-se na época da escravatura,
instituiu 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra. Nesse
campeonato de cores, no entanto o supremacista antirracista é o camaleão, a
pele branca que se autoconvence possuidora de uma sofridíssima consciência
negra capaz de fazer inveja aos negros mais negros de pele. E se algum
destes se atreve a recusar o estatuto de vítima será denunciado, pelo camaleão,
de inverter a ordem natural das raças, pele negra com consciência
branca.
Em 1949, George Orwell
imaginou um mundo distópico que chegaria em 1984. Acabou
ultrapassado pelos absurdos da realidade em número, gênero e grau a ponto de,
entre 2010 e 2013, eu ter necessitado de uma longa terapia para tornar a minha
consciência incolor, simplesmente humana. Foram três anos em que me submeti a
uma aturada pesquisa pós-doutoral sobre o racismo.
Li o que havia para ler de
grandes e pequenos especialistas. Porém, porque a vida vivida nunca repousa,
incluí na minha autoterapia o dever de confrontar as teses acadêmicas escritas,
por isso estáticas, com a vida concreta de pessoas comuns, sempre dinâmica.
Durante cerca de sete meses fiz o que se chama trabalho de campo,
distribuído pelos anos de 2010 e 2011. Calejado pela experiência anterior com
as teorias sobre o colonialismo que descartavam a vida vivida
pelos negros colonizados comuns, sabia que a ciência universitária é exímia em
produzir ilusões muitíssimo mais armadilhadas do que Orwell alguma vez teria
sido capaz, e a ciência do racismo encabeçava a lista das
suspeitas.
Trata-se de um saber
científico cujas patentes estão reservadas apenas a uma subespécie
racial, a branca progressista de esquerda, que não apenas usurpa a
representatividade das demais subespécies raciais brancas, como ainda usurpa as
diversas sensibilidades genuínas de negros, índios, mulatos, mestiços,
japoneses, indianos, árabes, por aí adiante. Ciência sobre todas as raças quase
só elaborada e, seguramente, tutelada e instigada por uma subespécie de apenas
uma das raças não constituirá a definição mais-que-perfeita de racismo?
Por isso, caro leitor, só a si
compete avaliar as duas conclusões inabaláveis a que cheguei. Uma, o racismo
foi um fenômeno histórico que teve relevância social inquestionável num dado
contexto temporal. Outra, com o fim da discriminação racial formalmente
instituída nos Estados Unidos da América, do nazismo, da colonização europeia,
da guerra fria e do apartheid sul-africano deixou de ser possível comprovar
empiricamente a persistência do fenômeno e, desse modo, o racismo deixou de
existir.
Como, na atualidade,
não é mais possível comprovar a persistência de fronteiras raciais, as nossas
sociedades são equiparáveis a um sujeito que a cada dia agrava a ambição de
derrubar o muro de Berlim, se necessário pela violência, fazendo por ignorar
que esse mesmo muro foi derrubado há três décadas, em 1989.
Não é mais possível colher
evidências empíricas que assegurem, na atualidade, a existência de lógicas
raciais discriminatórias com um sentido claro, isto é, que responsabilizem uma
das partes e inocentem a outra. De resto, o racismo ou está dentro das
instituições, em particular as tuteladas pelo Estado, como os órgãos de
soberania, ensino, justiça, polícia, repartições públicas, transportes, sendo
visível na cor da pele exclusiva ou racialmente hierarquizada dos seus
funcionários e servidores, ou não está. Um Estado tem de ser necessariamente
assim para ser justo, mas deixa de o ser quando impõe à força esse mesmo modelo
à Sociedade atropelando a liberdade, a autonomia ou as escolhas subjetivas
desta. Não hesite em designar essa tentação de totalitária, criminosa.
Houve um passado histórico em
que as fronteiras raciais eram muito claras. O sintoma era a rejeição social de
casamentos fora da identidade racial dominante que se confundia com outros
interditos sociais, como matar, violar ou roubar. Tempo histórico em que não
havia dúvidas que era a identidade branca que discriminava, pela rejeição e
pela punição, e que a identidade negra era a discriminada. Não é de somenos ter
em conta que a última não tinha acesso livre a instituições e meios de
autodefesa e de promoção social formais e informais, legais e ilegais, justos e
injustos, próprios ou patrocinados por terceiros.
Como, na atualidade, não é
mais possível comprovar a persistência de fronteiras raciais com tais
características, as nossas sociedades são equiparáveis a um sujeito que a cada
dia agrava a ambição de derrubar o muro de Berlim, se necessário pela
violência, fazendo por ignorar que esse mesmo muro foi derrubado há três
décadas, em 1989. Daí que a alienação antirracista constitua uma das
manifestações mais perturbantes da patologia social da relação com o tempo
histórico.
Caro leitor, se
consegue lidar com as duas teses de sentidos opostos – o racismo existiu e o
racismo deixou de existir – passou no primeiro teste de saúde mental. Tem tudo
para ser capaz de desadjetivar a sua pesada consciência branca transformando-a
apenas em consciência. Só essa é humana, isto é, universalmente
válida. É ela que lhe imporá que passe a exigir aos outros aquilo que exige a
si mesmo. Não se iluda. Não há outro caminho para vivermos com dignidade e em
paz.
Tenho de lhe pedir que
concilie um outro contraste. Uma grande vigarice pode resumir-se a um somatório
de meias-verdades. É por isso que só pode aceitar como válido qualquer juízo de
valor sobre a sua pertença racial quando os julgamentos resultarem da
confrontação entre, por um lado, a inserção das minorias negras nas sociedades
brancas e, por outro lado, a inserção das minorias brancas nas sociedades
negras. A sua sociedade só será um inferno para as minorias se você e os seus,
uma vez tornados minorias nas sociedades originárias dessas minorias que o
contestam, sentirem que vivem próximo do paraíso racial.
E se você não deve ser
generoso na esperança de uma retribuição, também não deve ser generoso na
certeza de uma humilhação. Freud defendia que o princípio amarás o próximo
como a ti mesmo é capaz de não ser boa ideia quando esse próximo não
partilha os mesmos princípios morais que você. Será muito mais avisado seguir o
princípio da realidade: Ama o próximo como o próximo te ama a ti.
Era a cura de Freud para O Mal-Estar na Civilização (1930). A
sabedoria não envelhece.
O personagem
Meursault, d’O Estrangeiro, acabou condenado à morte não tanto por ter
assassinado um árabe numa rixa, em Argel, mas sobretudo por não ter chorado no
velório da sua mãe. Em 1942, o romance de Albert Camus era ficção. O racismo
atual ultrapassou-a em realismo.
Sugiro-lhe até um exercício
especulativo. Sendo branco, sentir-se-ia seguro se se encontrasse solitário, ao
anoitecer, e tivesse de atravessar um bairro negro de uma metrópole africana,
por exemplo, de Joanesburgo, na África do Sul?
Sendo negro, sentir-se-ia
seguro se, em idênticas circunstâncias, tivesse de atravessar um bairro
branco de Estocolmo, na Suécia? Em qualquer das possibilidades, na
eventualidade de uma ocorrência desagradável que o obrigasse a procurar
proteção no posto da polícia próximo, é capaz de imaginar o que lhe sucederia?
É capaz de imaginar como
reagiria a comunicação social se você relatasse essa experiência pessoal que o
perturbou, ofendeu ou agrediu e que não é possível ignorar que teve um conteúdo
racial?
Veja agora se considera
razoável deslocar o conceito de racismo do seu tempo
histórico, do século XX, para o atual tempo histórico e social, o século XXI,
uma vez que esse conceito pressuporá para sempre a culpabilidade da pertença
racial branca na sua relação com a negra, quando esta também alimentou um ciclo
histórico de violência manifesta anti-branco, conforme clarificarei no ponto
seguinte. Se você for branco e acabar com as tripas de fora ou levar um tiro na
nuca, ou se você for branca e acabar violada – claro que a justiça atuará, tal
como se você for negro ou negra. Mas não finja que não sabe, como eu, que no
primeiro caso não se incluem as agravantes raciais na punição do ato criminoso.
Mesmo em autodefesa e fazendo algo menos grave no cumprimento de uma missão,
por cima se for filmado no ato, se você for branco e o acusado conte com uma
pesadíssima agravante de ofensa racial, mais não seja por via do linchamento
social na imprensa, mesmo antes de qualquer tribunal o dar como culpado.
O personagem Meursault, d’O
Estrangeiro, acabou condenado à morte não tanto por ter assassinado um
árabe numa rixa em que se envolveu, em Argel, mas sobretudo por não ter chorado
no velório da sua mãe, atitude que ofendeu gravemente os costumes da época. Em
1942, o romance de Albert Camus era, naturalmente, ficção. O racismo atual
ultrapassou-a em realismo.
Concluamos este ponto noutra perspectiva.
Desde finais do século XIX o uso da palavra escravatura foi
dando lugar ao uso da palavra racismo. Apesar da persistência de
elementos comuns entre um e outro fenômenos, as pessoas da época foram
inteligentes em perceber que tinha ocorrido uma transformação histórica
fundamental no mundo ocidental, a abolição da escravatura negra. Essa
transformação implicava adaptar o pensamento à realidade vivida através da
renovação do vocabulário, pressuposto chave da preservação da sanidade mental,
da fuga à alienação. Em pleno século XXI fazemos o inverso, insistimos em não abrir
mão da palavra racismo. Acha mesmo que ainda vivemos no tempo do
nazismo ou do apartheid?
Todavia, como as identidades
raciais não desaparecem, apenas reinventam os seus significados no decurso do
tempo, só será possível compreender o que elas significam, na atualidade,
recorrendo a designações que não partam comprometidas com uma forte carga
histórica, entretanto desaparecida. É a possibilidade de gerar abordagens
justas, neutras, sérias, fidedignas, promotoras da verdade, da paz e da
concórdia. Na sequência da minha autoterapia, sugeri as expressões relações
raciais ou relações inter-raciais no lugar do
defunto racismo.
Nelson Mandela quando ainda exercia como advogado: acha mesmo que ainda vivemos no tempo do apartheid? |
O racismo teve princípio,
meio e fim
Como o feudalismo, os impérios
europeus, a inquisição, a escravatura negra ou o iluminismo, o racismo foi um
fenômeno histórico que teve um princípio, um meio e um fim. Inclusive, o
racismo faz parte do rol de fenômenos históricos e sociais suicidas, aqueles
que a partir de um certo momento vão ganhando uma carga de imoralidade
irreversível sempre agravada, mesmo quando antes eram legítimos.
Não foi apenas a natureza
subjetiva do fenômeno que foi exorcizada na consciência do mundo ocidental a partir
do momento em que o racismo foi perdendo legitimidade moral, social, política,
civilizacional, sendo que o que hoje existe é substantivamente distinto do
passado e resume-se à autodefesa de diferentes identidades raciais ou étnicas
situadas todas num mesmo plano moral (negros, asiáticos, árabes, índios,
brancos, ciganos, por aí adiante). Existem também factos históricos objetivos
que marcam o princípio do racismo (o final da escravatura e os inícios da
dominação colonial europeia efetiva de África, no século XIX), o meio do
racismo (a derrota do nazismo, em 1945, que inverteu o ciclo de tolerância à
discriminação racial) e o fim do racismo (em 1994 com a dissolução formal do
apartheid na África do Sul).
Portanto, o fim do racismo foi
factual, não algo que um dia terá de acontecer. Além da sucessão das
independências africanas, entre finais dos anos cinquenta e meados dos anos
setenta, cujo âmago comportava uma profunda transformação ao nível das relações
raciais entre brancos e negros da qual todo o mundo foi testemunha, no último
bastião histórico do racismo, a África Austral, as minorias brancas foram
violentamente expulsas ou intimidadas, pelas esmagadoras maiorias negras, em
toda a região que, recorde-se, até então era a mais próspera do continente, equivalente
à Europa Ocidental no contexto da Europa no seu conjunto, com os regimes
dominados por minorias brancas segregacionistas, a África do Sul e a Rodésia
(Zimbabwe), a desempenharem papel econômico equivalente ao da Alemanha ou do
Reino Unido no hemisfério norte.
O fim do racismo foi
factual, não algo que um dia terá de acontecer. Além da sucessão das
independências africanas, no último bastião histórico do racismo, a África
Austral, as minorias brancas foram violentamente expulsas ou intimidadas, pelas
esmagadoras maiorias negras.
A minoria branca foi
violentamente expulsa, sem direito a retaliações minimamente proporcionais, de
Angola, Moçambique e Zimbabwe e, na África do Sul e na Namíbia, perdeu o
controlo do Estado que garantia os seus privilégios e, com isso, alguns
segmentos brancos foram remetidos para situações de miséria e, em geral,
tornaram-se alvos de uma violência criminal impensável no contexto histórico da
dominação racial branca. Não interpretar essa conjuntura de violência racial consequente
anti-branco como o ponto final definitivo do ciclo histórico em causa significa
conferir legitimidade moral ao direito de vingança eterna dos novos agressores
para prosseguirem rumo ao genocídio branco. É esse barril de pólvora que a
indolência dos ocidentais, de intelectuais a indivíduos comuns, vai
alimentando.
Se você, caro leitor, acha que
o Império Romano não desapareceu, o absolutismo monárquico está bem vivo,
inclusive em Portugal, no próximo domingo pode assistir a um auto-de-fé no Terreiro
do Paço e aproveitar comprar um escravo negro para lhe limpar a vivenda a baixo
custo, ou que a primeira guerra mundial ainda está por terminar, os nazis têm
sede no café da esquina ou Luanda aguarda instruções diárias da metrópole, do
Presidente do Conselho, em Lisboa – nesse caso desisto de argumentar. Você vive
no universo paranoico do racismo.
Como tenho esperança na sua
sanidade mental, assumo que as minhas suspeitas sejam infundadas.
As grandes teses dos
vigaristas sistêmicos
Apresento-lhe agora uma súmula de teses de tal modo alojadas no nosso inconsciente e consciente social que desistimos, não ousamos, somos incapazes de contra-argumentar. Daí que eu sinalize, desde logo, as consequências das respetivas teses para instigar em si o respeito por si mesmo, quem sabe ajudá-lo a tornar-se num adulto racial. Se assim for, ganhará você e ganharão todos os outros, sejam maiorias ou minorias raciais.
1ª Tese – Se a
minoria negra e cigana evidenciam maiores índices de abandono e insucesso
escolar comparativamente à maioria branca é por causa do racismo desta. Contra
ela, carrega-se nas expressões intimidatórias ‘racismo sistêmico’ ou ‘racismo
institucional’ [também válidas para as teses seguintes]. Logo, a
escola em que os ocidentais acreditavam discrimina, razão para se imporem
reformas ‘ad aeternum’.
Consequência – Destruição da qualidade do ensino, o que prejudica todos, mas com maior gravidade os segmentos sociais mais carenciados de uma escola de qualidade, entre os quais as minorias negra e cigana.
Consequência – Destruição da qualidade do ensino, o que prejudica todos, mas com maior gravidade os segmentos sociais mais carenciados de uma escola de qualidade, entre os quais as minorias negra e cigana.
2ª Tese – Se a
minoria negra e cigana manifestam índices de criminalidade superiores aos da
maioria racial branca é por causa do racismo da última. Logo, é preciso
deslegitimar a crença e confiança na autoridade e na ordem que garantem a
funcionalidade das mais variadas instituições (família, ensino, justiça, órgãos
de soberania, empresas, por aí adiante). O pretexto são os abusos e a violência
policial supostamente racializada.
Consequência – Destruição dos fundamentos da ordem social, o que prejudica a vida social no seu conjunto, mas com maior severidade os segmentos sociais desfavorecidos que tendem a viver mais expostos à insegurança e à violência social e criminal, como as comunidades negra e cigana.
Consequência – Destruição dos fundamentos da ordem social, o que prejudica a vida social no seu conjunto, mas com maior severidade os segmentos sociais desfavorecidos que tendem a viver mais expostos à insegurança e à violência social e criminal, como as comunidades negra e cigana.
3ª Tese – Se a
minoria negra e cigana evidenciam maiores dificuldades em ser social e
economicamente empreendedoras é por causa do racismo branco. Logo, é preciso
corrigir o inconsciente supremacista branco impondo-lhe a discriminação
positiva das minoras raciais para ser possível promovê-las socialmente.
Consequência – Destruição da universalidade do princípio moral da autorresponsabilidade que garante a funcionalidade das sociedades, o que prejudica todos, em particular os segmentos brancos remediados e desfavorecidos que terão legitimidade acrescida para se sentirem injustiçados por se juntarem ressentimentos raciais às anteriores razões socioeconômicas, o que agrava tensões e conflitos sociais.
Consequência – Destruição da universalidade do princípio moral da autorresponsabilidade que garante a funcionalidade das sociedades, o que prejudica todos, em particular os segmentos brancos remediados e desfavorecidos que terão legitimidade acrescida para se sentirem injustiçados por se juntarem ressentimentos raciais às anteriores razões socioeconômicas, o que agrava tensões e conflitos sociais.
4ª Tese – Se a
minoria negra e cigana tendem a concentrar-se em bairros suburbanos cujos
ambientes sociais e patrimônio urbanístico se degradam continuadamente é por
causa do racismo branco, uma vez que pessoas como você, caro leitor, fazem o
que podem para evitar viver, com as vossas famílias, num bairro degradado.
Logo, nem sequer o deixam questionar o apoio financeiro dos poderes públicos à
construção, rendas ou manutenção de certas áreas habitacionais de que você não
beneficia, apesar do seu esforço individual e familiar, o que inclui o peso das
obrigações fiscais.
Consequência – O modo como se procede atenta contra o princípio social da continuidade entre os sacrifícios pessoais e familiares necessários para se obter e manter uma habitação própria e os sacrifícios coletivos necessários para se obter e manter bens públicos, como o autocarro que os indivíduos comuns utilizam, a escola que frequentam ou o hospital que resolve os seus problemas de saúde, posto que a degradação do patrimônio privado contamina diretamente a degradação do patrimônio público. Nestas e noutras circunstâncias, as primeiras, principais e mais sólidas provas de civismo são dadas na vida individual, familiar e privada. Antes do estado ou de qualquer outra entidade educar os indivíduos, é dever de cada um destes e respetivas famílias educarem-se a si mesmos. A palavra ‘sociedade’, no sentido social ou empresarial, significa isso mesmo.
Consequência – O modo como se procede atenta contra o princípio social da continuidade entre os sacrifícios pessoais e familiares necessários para se obter e manter uma habitação própria e os sacrifícios coletivos necessários para se obter e manter bens públicos, como o autocarro que os indivíduos comuns utilizam, a escola que frequentam ou o hospital que resolve os seus problemas de saúde, posto que a degradação do patrimônio privado contamina diretamente a degradação do patrimônio público. Nestas e noutras circunstâncias, as primeiras, principais e mais sólidas provas de civismo são dadas na vida individual, familiar e privada. Antes do estado ou de qualquer outra entidade educar os indivíduos, é dever de cada um destes e respetivas famílias educarem-se a si mesmos. A palavra ‘sociedade’, no sentido social ou empresarial, significa isso mesmo.
5ª Tese – Se as
sociedades maioritariamente negras são dominadas pela má governação, corrupção,
miséria e criminalidade esse é o resultado da escravatura, do racismo, da
exploração, da opressão e de outros males do passado causados pelos europeus
que alegadamente destruíram a harmonia das sociedades ancestrais africanas.
Logo, doutrinam-se as sociedades ocidentais a assumirem culpas próprias e
alheias.
Consequência – Aniquila-se a dignidade identitária do Ocidente, fonte inevitável de tensões, animosidades e conflitos sociais que, a prazo, agravam as dificuldades de aceitação e integração das minorias e corrompem-se os pressupostos que equilibram o sistema internacional.
Consequência – Aniquila-se a dignidade identitária do Ocidente, fonte inevitável de tensões, animosidades e conflitos sociais que, a prazo, agravam as dificuldades de aceitação e integração das minorias e corrompem-se os pressupostos que equilibram o sistema internacional.
Esse tipo de teses pode ser
multiplicado. Importa ter em conta que os ideólogos do antirracismo partem das
consequências observáveis para as causas explicativas dos fenômenos. Isso é
lógico. Patológico é afunilar obsessivamente a explicação de fenômenos
derivados de uma longa história milenar complexa no monodogma do racismo. Está
mil vezes comprovado que a simplificação e manipulação grosseiras do passado,
com consequências na orientação das políticas públicas, fazem com que estas
consumam recursos humanos e materiais avultados proporcionais ao grau de
destruição institucional e social que causam.
A inteligência desceu do
céu para criar o racismo na terra
Sempre que admitirmos que brancos e negros manifestam atitudes e comportamentos com tendências distintas, temos necessariamente de admitir que no seu âmago estão maneiras de pensar coletivamente partilhadas. Estas transmitem-se de geração em geração, de século em século, de milênio em milênio a partir das relações quotidianas habituais no interior de cada identidade social.
Se durante milênios os povos
viveram separados, no presente os que deles descendem tenderão a pensar e a
comportar-se de maneiras distintas. Acontece que essa construção social do
conhecimento é de tal modo sólida, de tal modo determinante no inconsciente e
consciente coletivos, que pode resistir por gerações e séculos a fenômenos
migratórios, voluntários ou forçados (como a escravatura), ou ao impacto de
grandes transformações históricas (como a colonização europeia efetiva ou as
independências africanas). Se nada é estático no pensamento humano e,
consequentemente, nas atitudes e nos comportamentos quotidianos, a renovação é
bem mais lenta do que os engenheiros sociais julgam.
Se durante milênios os povos viveram separados, no presente os que deles descendem tenderão a pensar
e a comportar-se de maneiras distintas.
Compreender brancos e negros
ao longo do seu percurso histórico milenar permite entender as tendências
diferentes dos resultados escolares nas sociedades atuais acolhedoras de
imigração multirracial, resultados que tendem a ser favoráveis nuns casos
(populações brancas e asiáticas) e desfavoráveis noutros (populações negras ou
comunidades ciganas). No mundo ocidental, reduzir isso a um sistema de ensino
racialmente discriminatório, ou racista sistêmico, atenta contra o
mais elementar bom senso.
Claro que as comunidades
minoritárias de matriz histórica originária (muito) distinta acabam por se
adaptar, pelo menos em parte. Mas não se podem compensar milénios de diferenças
históricas apenas na transição de pais para filhos ou pouco mais. É ainda claro
que quanto maior o peso demográfico das comunidades imigrantes com ascendência
civilizacional distinta da dos autóctones do mundo ocidental, tanto maior a sua
propensão para a guetização e, desse modo, tanto mais retardado, difícil e
conflitual será o processo de integração social dessa imigração que passará,
necessariamente, pela sua adaptação bem-sucedida a um sistema de ensino moldado
pelas características civilizacionais da sociedade acolhedora.
Na tradição judaico-cristã, a
milenar transição da matriz ancestral originária para a contemporaneidade teve
início há cerca de trinta e cinco séculos com o povo hebraico e, mais tarde,
entrou na Europa há vinte e um séculos ou, se incluirmos a tradição filosófica
grega clássica, há cerca de vinte e seis séculos, assim como avançou pelo mundo
árabe há catorze séculos. Por seu lado, as sociedades da África Subsaariana
mantiveram a sua autonomia civilizacional de matriz ancestral até ao século
XIX, até à ocupação colonial europeia efetiva, e apenas no século XX iniciaram
o processo consequente de transição da ancestralidade para a contemporaneidade
de tipo ocidental.
Equiparável ao percurso dos
povos de tradição budista ou hindu, a milenar tradição monoteísta iniciada
pelos judeus, depois retomada e reinventada pelos cristãos e islâmicos, fez os
povos transitarem do politeísmo animista (da adoração de vários deuses
materializados em objetos exteriores ao sujeito, como animais, forças da
natureza, pedras, imagens) para um ideal conceptual de Deus único (omnisciente,
omnipresente, omnipotente) que, por natureza, vive no interior do sujeito, isto
é, com o monoteísmo a representação da divindade sofreu uma profunda
transformação. Passou de objetos materiais para uma ideia radicalmente abstrata
que, além disso, complexificou a relação mental e emocional entre a
incomensurável divindade propriamente dita, o Deus do céu, e a materialidade
dos seus messias enviados à terra, chamem-se eles Abraão, Moisés, Jesus Cristo
ou Maomé.
Ao longo dos seus muitos
séculos de existência, essas tradições religiosas monoteístas reveladas foram
fundamentais no desenvolvimento, nas respetivas sociedades, do pensamento
abstrato, conceptual ou intelectual também porque essa concepção de divindade,
desde a génese, manteve-se umbilicalmente filiada à natureza transcendental da
palavra escrita, à adoração do livro sagrado, fosse o Antigo Testamento, a
Tora, o Novo Testamento, o Alcorão ou a Suna.
Ainda que os povos dessas
tradições religiosas mantivessem por séculos, em maior ou menor grau, níveis de
literacia e de escolarização residuais, a religião monoteísta revelada
espoletou neles o pensamento abstrato associado à sacralização e ao esforço de
compreensão da palavra escrita, uma e outra fundamentais na crença na universalidade
da condição humana (somos todos filhos de um mesmo Deus) e no
desenvolvimento da consciência humana (esse Deus vigia-me em toda a parte a
tempo inteiro) que, depois, se foi sedimentando e evoluindo ao longo de
séculos, mantendo os judeus a primazia nesse percurso histórico.
Mesmo quando as sociedades se
laicizam, essas tradições não desaparecem, reinventam-se, uma vez que nenhuma
sociedade é gerada do nada, antes vai transformando o velho num novo original e
o novo num velho original.
Se descontarmos as
diásporas de escravos que anteciparam, de algum modo, o processo à medida da
sua conversão ao cristianismo, até pelo menos aos inícios do século XX, as
crenças tradicionais africanas circunscreviam o olhar sobre o sagrado ao
pensamento concreto.
Por seu lado, as tradições
africanas, que condicionam a identidade racial negra, seguiram uma lógica
profundamente distinta em todo esse período milenar, o que se reflete
necessariamente nas tendências dos resultados escolares atuais. Se descontarmos
as diásporas de escravos que anteciparam, de algum modo, o processo à medida da
sua conversão ao cristianismo, até pelo menos aos inícios do século XX, as
crenças tradicionais africanas circunscreviam o olhar sobre o sagrado ao
pensamento concreto. Aquele estava associado ao culto de objetos, a uma ideia
material da divindade exterior ao sujeito, ao culto dos antepassados da
linhagem enterrados na terra comunitária.
Em termos metafóricos, existe
uma diferença profunda no desenvolvimento do pensamento entre aqueles que
procuram, geração após geração, um sentido para o seu destino no incomensurável
céu onde está o seu Deus abstrato e aqueles que procuram, também geração após
geração, o mesmo porém olhando para a terra concreta onde repousam os seus
antepassados. É pouco provável que os últimos desenvolvam o pensamento
abstrato, assim como é pouco provável que desenvolvam a autoconsciência da
complexidade e universalidade da condição humana, com todos os aspetos morais,
filosóficos, científicos, sociais, econômicos, existenciais a ela associados
que foram instituindo, ao longo de muitos séculos, o mundo ocidental.
Além disso, sendo o ensino
organizado em torno da escrita e do cálculo abstrato, uma tradição
civilizacional milenar que não as desenvolveu não consegue sacralizar a relação
com o livro ou com o pensamento abstrato e, portanto, a apetência para o
investimento pessoal e familiar em atividades intelectuais que as sociedades
contemporâneas valorizam tende a ser menor. Mais. Tudo isso implicou a
progressiva complexificação dos idiomas, característica que as identidades
negras não desenvolveram por si mesmas até perfilharem, desde o século XX, os
idiomas ocidentais dos antigos colonizadores, mais uma vez um processo em que a
diáspora negra escrava se antecipou.
Claro que isso comprova que
indivíduos, comunidades e povos descendentes de tradições politeístas animistas
não-escritas até ao passado recente possuem todas as condições para renovar e
reinventar as suas heranças milenares no presente e no futuro. Todavia, em
termos de adaptação coletiva, não se pode apagar por decreto antirracista, em
favor dos africanos, diferenças no domínio do pensamento com consequências nas
atitudes e comportamentos quotidianos entre o que se iniciou há cerca de um
século e o que, no caso dos judeus, teve início há mais de três milênios (a
sucessão de prêmios Nobel não é acidental) e, no caso dos ocidentais, há mais
de dois milênios.
Portanto, o insucesso escolar
de certas minorias dificilmente pode ser, direta ou indiretamente, explicável
através do racismo sistêmico ou racismo institucional.
De resto, o esforço notável dos docentes e dos sistemas de ensino ocidentais no
último meio século em favor das minorias raciais é merecedor de todos os
elogios, e rogo para que se fartem de críticas, de estudos sociológicos e de
abusos ideológicos e políticos viciados nos seus pressupostos.
A morte brutal de George Floyd desencadeou manifestações de protesto em todo o mundo |
O branco é mau, é polícia,
o negro é bom, é ladrão: o inconsciente não engana.
Caro leitor, por ter sido trabalhosa e longa, a minha autoterapia racial foi recheada de detalhes, mas o rol de recomendações amigas que lhe faço já é longo e este ensaio tem de ter um fim, pois nem o racismo foi eterno. Tratemos de um último aspeto, o olhar sobre as minorias raciais como vítimas e sobre as maiorias raciais do mundo ocidental como agressoras.
O óbvio é que as tendências da
violência e da criminalidade negra ou cigana, comparativamente à branca,
subvertem categoricamente essa apreciação. A contradição entre a manipulação de
discursos e imagens e os dados estatísticos objetivos, por seu lado associados
à sensibilidade quotidiana de senso comum, são de tal ordem que a dissonância
cognitiva gerada chega e sobra para a recusa liminar da vigarice sistêmica
antirracista.
Assinalo que as atitudes e
comportamentos disruptivos referidos são também salientes nas sociedades do
continente-mãe negro, África, e cresceram de modo exponencial quanto mais os
africanos, após as independências, se distanciaram dos padrões morais e
civilizacionais impostos pelos antigos colonos europeus brancos. Não me reporto
apenas às guerras civis pós-coloniais e à sua crueldade desumana que os
bem-pensantes escamoteiam, mas também à violência social e criminal que se
propagaram na vida quotidiana como nunca acontecera na era colonial anterior.
Se é indesmentível que, na
atualidade, as identidades brancas, de matriz ocidental, e as identidades
negras, de matriz africana, reagem com tendências distintas no respeito pela
dignidade humana e no respeito pela propriedade individual, importa buscar as
razões nas respetivas tradições civilizacionais milenares, no sentido de se
compreender se estas sedimentaram ou não sedimentaram no senso comum interditos
morais na relação de indivíduos e comunidades com a vida (não matar) e
com a propriedade (não roubar), dois referentes fundamentais na
regulação das sociedades que dependem acima de tudo do inconsciente e do
consciente individual e coletivo.
Na sequência da tradição
judaica, com o advento do cristianismo no mundo ocidental os indivíduos
passaram a ser representados como propriedade de Deus e, por isso, a
escravatura entre cristãos tornou-se ilegítima. Esse avanço moral reforçou a
tradição clássica ateniense que fundou o ideal de democracia a partir de
princípio da igualdade entre os cidadãos que, embora não tivesse suprimido a
escravatura, gerou um olhar mais digno sobre a condição também humana do
escravo que, nos séculos seguintes, o cristianismo haveria de confirmar.
Assim sendo, a sedimentação da
crença cristã na idade média (séculos V-XV) não só reforçou o ideal do respeito
pela condição humana do outro com o qual se partilhava a fé e o quotidiano (a
regra monástica beneditina de interdição dos banhos aos monges, a não ser em
condições excecionais, sinalizou a sacralização do corpo humano e o princípio
da inviolabilidade do mesmo), como desviou o ideal de propriedade do indivíduo
para a posse da terra renovando a tradição do poder territorial romano, porém
suprimindo a legitimidade escravatura enquanto prática recorrente. Daí ter
surgido o feudalismo que colocava a posse da terra no âmago da regulação da
vida profana (a parte humana da alma era da exclusiva responsabilidade do
sagrado, o que favoreceu a autonomia institucional da igreja), sistema do qual
derivou o princípio do estado territorial nacional centralizado de tipo
europeu.
Portanto, o ideal de
propriedade e dos demais sistemas de produção da riqueza passaram a incidir
acima de tudo na posse da terra e, através dela, sobre a força de trabalho, e
não mais diretamente sobre o indivíduo na qualidade de filho do Deus de todos.
A questão da
inquisição ou a da escravatura negra, tal como mais tarde a questão do racismo,
foram ultrapassadas porque traduzidas em avanços morais e sociais irreversíveis
em resultado das pressões internas das próprias sociedades ocidentais.
Com os Descobrimentos e a
Expansão Europeia iniciados nos séculos XV-XVI, a escravatura teve um novo
impulso, mas incidindo sobre o outro desconhecido, sobre o diferente, o
não-cristão, o negro. Todavia, a tradição judaico-cristã e filosófica não se
desfez, pelo contrário. Daí que em todo o período histórico que se sucedeu, o
Ocidente nunca deixou de viver em tensão entre os valores morais universais de
matriz judaico-cristã e filosófica civilizacionalmente sedimentados e a vida
prática quotidiana, incluindo as atividades econômicas, que em determinados
aspetos contradizia esses mesmos valores, constituindo a inquisição e sobretudo
escravatura negra os mais moralmente embaraçosos.
Segundo Dinesh D’Souza, foi
justamente porque a tensão entre a moral abstrata e as práticas concretas nunca
foi resolvida, e por existir essa consciência religiosa e intelectual, que a
renovação dos sistemas sociais e políticos no mundo ocidental se tornou
extraordinariamente dinâmica e fértil, sem paralelo em relação a quaisquer
outras civilizações suas contemporâneas. Com isso, a questão da inquisição ou a
da escravatura negra, tal como mais tarde a questão do racismo, foram
ultrapassadas porque traduzidas em avanços morais e sociais irreversíveis em
resultado das pressões internas das próprias sociedades ocidentais.
Caro leitor, abusei da
sua paciência para que possa avaliar, por si mesmo, por onde anda o racismo sistêmico ou racismo institucional quando se discute
a violência e o crime na atualidade detectáveis no engodo carnavalesco,
espraiado numa comunicação social dominada por cabeças-de-vento, que joga as
culpas no polícia branco quando, de facto, está a condenar toda a civilização
ocidental de tradição milenar branca para se poder escamotear a natureza da
civilização africana de tradição milenar negra. Nada mais eficaz do que trocar
o lugar moral do polícia, o lugar da autoridade e da ordem, pelo lugar imoral
do criminoso, o lugar do instigador da anomia social e da inviabilidade da vida
coletiva tranquila, decente, próspera, civilizada. Independentemente de estarem
envolvidos brancos, negros, ciganos ou quaisquer outras pertenças raciais ou
étnicas, espero que você passe a rejeitar liminarmente tamanha vigarice
antirracista.
A identidade negra deriva de
uma outra tradição milenar inconfundível. Até à colonização europeia efetiva de
África, em finais do século XIX, a longuíssima tradição africana persistiu no
ideal de estado social ou de poder social, isto é,
o poder incidia diretamente sobre as pessoas, o que as remetia para o rol do
ideal de propriedade, constituído a posse e exploração da terra um atributo
relativo ou secundário, daí que a tradição de fronteiras territoriais fixas não
se tenha desenvolvido em África.
Quando a tradição milenar do
exercício do poder não distingue os objetos (as coisas) dos sujeitos (os
indivíduos), com muito maior facilidade os últimos são representados como
negociáveis, isto é, vender alguém com quem se partilha atributos identitários
na qualidade de escravo não constitui, necessariamente, um atropelo moral. Esse
constitui um referente civilizacional fundamental que diferenciava a tradição africana
da tradição ocidental à entrada do século XX.
Bonga, senhor da guerra africano da segunda metade do século XIX do vale do rio Zambeze, ainda pendurava as cabeças dos seus inimigos mortos nas estacas que demarcavam a sua aringa, algo impensável no Ocidente à época, mesmo no contexto de guerras civis violentas em que a condição humana foi maltratada, como a norte-americana (1861-1865).
Não é por acaso que o início
da presença efetiva de europeus em África teve duas consequências. Fazer
transitar o princípio do estado social ou do poder
social africano para o princípio, há muito sedimentado no Ocidente,
do estado territorial centralizado. Foi isso que levou à demarcação
de fronteiras territoriais pelas potências europeias colonizadoras, ainda que à
época, entre finais do século XIX e inícios do século XX, talhadas a régua e
esquadro com o significado que isso teve, porém o princípio ficou. A segunda
consequência foi o fim definitivo da escravatura negra porque foi renovada a
ideia de estado, por seu lado filiada ao propósito da cristianização
progressiva dos africanos, ambos incompatíveis com aquela prática.
Daí resultou um substancial
impulso moral e civilizacional para África e para as suas tradições, mesmo que
a escravatura tivesse sido substituída pelo trabalho forçado que, na
substância, não era diferente das corveias da idade média e demais obrigações
impostas aos camponeses pelo regime feudal. E mesmo que a definição de
fronteiras tenha provocado alguma instabilidade, isso não quer dizer
necessariamente que antes reinavam a paz e a concórdia entre os
africanos. Roma e Pavia não se fizeram num dia.
Neste momento, o estimado
leitor já pode antecipar que essas explicações irão desembocar na refutação de
acusações segundo as quais a violência e da criminalidade salientes em certas
minorias derivarem do racismo praticado pelas populações
brancas ocidentais.
Ideais de respeito pela
condição humana e pela propriedade individual conquistados por determinadas
tradições civilizacionais num passado muito recente explicam atropelos
facilitados dos interditos morais que protegem esses objetos de atitude na vida
quotidiana, quer nas sociedades africanas, quer nas diásporas negras que dela
derivam. Daí resultam, desse modo, diferenças ainda substantivas hoje comparativamente
a tradições das populações autóctones da Europa e respetivas diásporas destas
nas Américas ou na Oceania.
Os impactos da
distopia marxista-leninista acabaram por ser mais acentuados em tradições e
segmentos sociais nos quais a noção de propriedade individual e do dever de
respeitá-la, enquanto valor moral e civilizacional, era mais recente, mais
frágil e instável, como é o caso das identidades negras fixadas no mundo
ocidental.
Como se a propensão mais
saliente para a violência e para o crime em determinadas identidades raciais
não fosse, em si, um desafio de monta derivado de heranças milenares, a forte
propagação da distopia marxista-leninista, ao longo do século XX, agravou o
problema por causa da instigação da rejeição social da legitimidade da propriedade
individual da tradição ocidental em nome da defesa, estranha a essa mesma
tradição, da propriedade coletiva dos meios de produção que, por seu lado,
também era estranha à milenar propriedade comunitária dos africanos, uma vez
que esta funcionava umbilicalmente filiada ao respetivo universo
mágico-religioso ancestral, o que é o contrário da sentença marxista: a
religião é o ópio do povo.
Os impactos da distopia
marxista-leninista acabaram por ser, naturalmente, mais acentuados em tradições
e segmentos sociais nos quais a noção de propriedade individual e do dever de
respeitá-la, enquanto valor moral e civilizacional, era mais recente e, por
isso, mais frágil e instável, como é o caso das identidades negras fixadas no
mundo ocidental. Mesmo na África-mãe essa distopia rompeu com o que lá existia,
por um lado, com a tradição da propriedade comunitária africana tradicional e,
por outro lado, com a herança colonial europeia da propriedade individual de
mercado. Em qualquer dos casos, a desregulação social instigada pelas crenças
esquerdistas tem sido desastrosa com sintomas bem vivos no presente. Nada
melhor do ofender a mais elementar inteligência alheia passando as culpas para
o racismo dos brancos e para o Ocidente.
Nesta perspectiva, a pobreza e
a discriminação não constituem as causas da frágil integração social e falta de
prosperidade de certas identidades raciais minoritárias acolhidas no mundo
ocidental, antes consequências da incapacidade dessas mesmas comunidades em
gerirem o ideal de condição humana e o ideal de propriedade seguindo os padrões
morais sedimentados no Ocidente, e que determinam o funcionamento das suas
sociedades. Na substância, o ideal de propriedade e de justiça comunitário (por
falta de tradição de submissão a um poder territorial centralizado) colocam a
comunidade cigana num patamar que pode ser equiparável ao negro-africano, mas o
meu conhecimento neste caso é limitado.
Como tenho insistido, as
identidades sociais não são estáticas no decurso do tempo, transformam-se, o
que certamente ocorrerá com a identidade negra. Porém, insisto, também não se
ultrapassam tradições e diferenças históricas que persistiram ao longo de
milhares de anos num mero par de gerações.
Mas é por essa razão que será
fundamental que estes assuntos sejam discutidos com abertura no espaço público,
como eu faço consigo neste momento, caro leitor. Certamente terá consciência de
ser quase impossível que tal seja eficaz enquanto insistirmos em recorrer à
carga afetiva negativa da palavra racismo, palavra que dificilmente
deixará de ser um poderoso instrumento de silenciamento da liberdade de
pensamento e de debate público, o que impede a busca genuína e persistente da
verdade que faz de nós seres humanos decentes. Todos perdemos. Mestiços,
negros, brancos e todos os outros para que uns quantos brinquem ao antirracismo.
Inferno pior será difícil.
Claro que a violência e a
criminalidade têm outras explicações e consequências associadas às tradições
africanas que remetem para os ideais de dignidade humana e de propriedade.
Reporto-me às consequências desumanas de certos rituais ancestrais ou da
feitiçaria (como a excisão genital feminina ou o assassinato de albinos), às
experiências de coletivização forçada do mundo rural pós-colonial que
desembocaram em guerras civis violentas, à deslegitimação e usurpação agressiva
da propriedade dos antigos colonos brancos que fez disparar, a prazo, corrupção
ou a criminalidade e esta, por seu lado, explica o aparecimento na África
pós-colonial de linchamentos populares, entre outros fenômenos. Mas isso são
contas de outro rosário.
A mim e a si resta-nos o dever
de rejeitar liminarmente a vigarice sistémica antirracista justamente
porque as ideias que partilhamos neste ensaio jamais servirão propósitos de
culpabilizar qualquer pertença racial – branca, negra ou as demais –, apenas
ajudar a compreender os significados das suas existências e os desafios com que
se confrontam na atualidade. Podemos e, sobretudo, devemos fazer muitíssimo
mais e muitíssimo melhor pela verdade e dignidade de todos. Conto consigo, caro
e paciente leitor!
Título, Imagens e Texto: Gabriel
Mithá Ribeiro, Professor, investigador e ensaísta, doutorado em Estudos
Africanos, Observador,
27-6-2020, 0h06
Relacionados:
Muito bom ensaio... que tive de ler uma segunda vez. Mais próximo de uma tese universitária, em detrimento de uma linguagem mais descodificada e coloquial. Como já foi referido por outros comentadores, a "densidade" e extensão do ensaio, poderão levar alguns a desistir de ler na íntegra - o que é uma pena.
ResponderExcluirO racismo existe!
ResponderExcluirSimples assim.
Eu acho que existe racismo, mas não do tamanho que pregam, é relativismo.
ResponderExcluirOutro dia trabalhador branco detido por 8 policiais apanhou feito cachorro absurdamente de um policial negro.
Um segurança de loja negro morreu assassinado por negros nos estados Unidos.
Aqui no Brasil fizeram mulatos e negros se declarem pardos.(coisa petista)
O que aconteceu nos Estados Unidos fez um convescote de reclames mundo afora, que jamais teriam por negros em suas terras.
Acho que põem muita gasolina sobre brasas.
Os maiores traficantes de escravos foram tribos africanas em eterna luta de castas.
Os negros vieram paras as américas como tal e hoje são livres para o que quiserem até para matar e destruir a civilização ocidental.
Queriam mater judeus negros na África, Israel foi buscá-los.
Contem quantos negros são milionários nos esportes.
Gostei!
ResponderExcluircd
FUI LER OUTROS TEXTOS DO MESMO AUTOR, INSTIGADO POR ESTE QUE ME PARECEU CONFUSO E PREJUDICADO PELA NÃO ISENÇÃO.
ResponderExcluirEM QUE PESE , O PATENTE INTELECUTUALISMO DO AUTOR E SUA MILITÂNCIA.
O AUTOR MANIFESTA UMA OPINIÃO SEM ISOLAR-SE, E CONFUNDE ESQUERDA E DIREITA, COM CONCEITOS RACISTAS.
COLOCA-SE COMO EXEMPLO INDEVIDO QUANDO O RACISMO É ESTRUTURAL, TEM O PRECONCEITO COMO UMA MANIFESTAÇÃO EXCLUSIVA DE RACISMO, O QUE NÃO É.
PRECONCEITO É MUITO MAIS AMPLO, ENQUANTO RACISMO MUITO MAIS GRAVE, PORQUANTO CRIME PREVISTO EM LEIS DA MAIORIA DOS PAISES!
O AUTOR AO VER - SE PRETERIDO EM POSTOS, PARA O QUAL TERIA SE PREPARADO INDEPENDENTE DE RAÇA ,CONFUNDE, ACREDITANDO QUE O FATO DE SER DE DIREITA FOI DECISIVO.
DEBITA RACISMO A IDEOLOGIAS DE ESQUERDA,QUANDO A HISTÓRIA COMPROVA QUE ESTE SEMPRE FOI ,EMBORA NÃO EXCLUSIVAMENTE, PREDOMINANTE ESTRTURALMENTE EM GOVERNOS DE DIREITA.
ENTENDE QUE QUE RACISMO É UMA DOUTRINA OU SISTEMA POLITICO BASEADO EM DIREITO DE UMA RAÇA (CONSIDERADA PURA OU SUPERIOR) DE DOMINAR OUTRAS.
E O COMENTÁRIO DO COLEGA ROCCHA, PERDOE-ME POR CITA-LO, REVELA-SE PARCIALMENTE RACISTA QUANDO DIZ; “Contem quantos negros são milionários nos esportes.”.
ISTO NADA TEM A VER COM NEGROS!
O CORRETO SERIA;
Contem “quantas pessoas são milionários nos esportes.”.
ABS.
Meu comentário enaltece o esporte, visto que os melhores times europeus estão repletos de negros, vindos de exprovíncias da África.
ExcluirDiscuto com meu filho sobre a proficiência negra nos esportes.
Tanto que no atletismo, box, basquete e futebol são quase imbatíveis.
Teem deficiências nos esportes que não exigem muita estrutura muscular e mais agilidade.
Tênis, apesar das irmãs negras americanas, natação, atletismo aeróbico, xadrez, tênis de mesa, ginástica e outros que exigem menos massas musculares.
Você quase não os vê no hóquei.
Os negros tem mais massa muscular e pulmões ou resistência física.
Natação é para corpos magros e longilíneos.
Finalizando NEGRO OU NEGROS NÃO É OFENSA, É RAÇA, PRETO E BRANCO NÃO É COR.
UM É AUSÊNCIA DE COR E O OUTRO A UNIÃO DE TODAS AS CORES BÁSICAS.
É ASSIM QUE ENTENDO.
P.S. NEGRO É RAÇA PURA, ASSIM COMO ARIANO.
ExcluirMongoloide (raça amarela): povos do leste e sudeste asiático, Oceania (malaios e polinésios) e continente americano (esquimós e ameríndios).
Caucasoide (raça branca): povos de todo o continente europeu, norte da África e parte do continente asiático (Oriente Médio e norte do Subcontinente Indiano).
Negroide (raça negra): povos da África Subsaariana.
Os outros dois grupos de linhagem humana poderiam ser:
Australoide: sul da Índia (drávidas), negritos das Ilhas Andaman (Oceano Índico), negritos das Filipinas, aborígenes de Papua-Nova Guiné, aborígenes da Austrália e povos melanésios da Oceania.
Capoide: tribos Khoisan (extremo sul do continente africano).
ALIÁS ATÉ PODE CORRIGIR-ME a raça é negroide e a que chamam de branco caucasoide.
O RESTO É MISTURA E FORMA ETNIAS.
Aliás eu sou um jumento feito de caucasiano, negroide e mongoloide da tribo caigangue.
Foram necessários 42 anos para que um "BRANCO" GANHASSE OS 100 METROS RASOS EM 2010 Christophe Lemaitre primeiro e único Branco abaixo de 10 segundos.
ResponderExcluirA biologia pode ter os seus limites, mas não pode estar ausente da discussão.