Joaquim Miranda Sarmento
O Doutor Centeno sai agora porque quer
disfarçar o péssimo estado em que deixa as contas públicas.
A saída do Doutor Centeno [foto] de
ministro das Finanças ocorre no momento menos feliz e oportuno, salvo se de
facto tudo estava combinado para ele ser o próximo Governador do Banco de
Portugal. A única razão para a sua saída neste momento prende-se com o timing
de substituição do Governador. Se for o caso, é lamentável.
O país enfrenta a crise
económica, financeira e orçamental (e social) mais terrível das últimas
décadas. A quebra do PIB em 2020, estimada entre 7% e 12% do PIB, é, mesmo no
cenário mais benigno, o dobro da diminuição do PIB de 2012, o pior ano de crise
até agora. Mesmo a quebra de 7%, uma previsão bastante otimista – como tive
oportunidade de explicar na passada sexta-feira a propósito dos números que o
Governo apresenta na alteração ao OE –, representa uma quebra do PIB igual à
verificada entre 2009 e 2013, em que, em termos acumulados, o PIB caiu quase
8%. Ou seja, num ano, o PIB cairá pelo menos tanto como no somatório de cinco
anos da última crise.
Em cima disso, o Governo
acabou de apresentar uma alteração orçamental e um programa que é na prática um
novo Orçamento. É certo que sem uma linha de rumo e um objetivo definido,
limitando-se a um conjunto desgarrado de medidas. Mas do ponto de vista
orçamental temos um exercício totalmente diferente do que foi projetado no
início deste ano.
Mas se a pior crise de sempre
e um novo orçamento não fossem motivos suficientes para estranhar o timing de
saída do Doutor Centeno, soma o facto de que sai de Presidente do Eurogrupo
numa altura em que a resposta Europeia à crise, onde o nosso governo joga todas
as fichas e esperanças, está ainda longe de estar decidida e com muito trabalho
e negociação pela frente.
A entrevista do ainda ministro
das Finanças, na passada quinta-feira à RTP, foi lamentável. Disse o Doutor
Centeno que só ficou como ministro das Finanças por causa da presidência do
Eurogrupo. Deu razão ao que foi dito na campanha eleitoral do ano passado: ele
estava a prazo, queria abandonar o Executivo, e ficava até final do 1º semestre
com o objetivo de concluir o Eurogrupo e depois saltar para o lugar de
Governador. Mostrou que pouco ou nada lhe importa o interesse nacional. Que
acima desse interesse está a sua vaidade pessoal e a sua ambição.
É fácil brilhar quando os
ventos e marés são de feição. Nos últimos 4 anos, o Doutor Centeno apresentou
um “milagre orçamental” que eu procurei, aqui no ECO e noutros fóruns, mostrar
que era ilusório, conjuntural e pouco credível.
Começou logo no programa de
Governo. Quem se recordar do “relatório para a década” do PS em 2015 (e de todo
o pensamento econômico do Doutor Centeno enquanto acadêmico), poderia perguntar
o que levou o Doutor Centeno (e já agora o Professor João Leão) a entrar num
governo que deixou cair as 4 grandes medidas que eram preconizadas no programa
do PS (coordenado pelo Doutor Centeno e onde o Professor João Leão estava).
Essas medidas, que eram na
opinião do PS em 2015 absolutamente vitais para a economia Portuguesa, não
foram implementadas, tendo ficado na “gaveta” devido ao acordo da “geringonça”:
Redução da TSU para empresas;
Redução da TSU para trabalhadores;
IRS negativo como compensação pelo não
aumento do salário mínimo e o regime conciliatório – uma maior flexibilidade na
contração e legislação laboral, permitindo acordos ao nível das empresas e não
por setores.
Depois, no primeiro orçamento
que apresentou (o OE2016), o ministro Centeno foi duramente criticado pela
Comissão Europeia, tendo que refazer o documento. Mesmo assim, nenhuma
instituição independente (CFP, UTAO, Comissão, FMI) acreditava no objetivo do
défice orçamental. Todas essas entidades apontavam para um défice acima dos 3%.
O Doutor Centeno fez o oposto do que tinha colocado no papel e aprovado no
Parlamento (seria sempre assim nos restantes OE, mas neste isso foi mais
notório). Atingiu um défice de 2%, mas ao qual é preciso somar as medidas
excecionais tomadas em agosto/setembro de 2016 (PERES, venda F-16, etc) que
totalizaram 0.5%, bem como a quebra do investimento e o brutal aumento das
cativações. Sem estes efeitos, o défice acabaria por ter sido na ordem dos 3%.
A consolidação orçamental do
período 2016 a 2019 foi um exercício frágil e conjuntural. Em 4 anos, o défice
nominal passou de 3.1% (em 2015, sem “one-offs”) para um superavit de 0.8% (em
2019, também sem “one-offs”). Uma melhoria de quase 4 p.p. do PIB num cenário
de crescimento económico e com uma política monetária muito expansionista do
BCE, com taxas de juro zero ou negativas. Recorde-se que entre 2011 e 2015, num
cenário de recessão e de crise profunda no Euro, o défice nominal passou de 9%
para 3%.
Mas como foi obtida a descida
de 4 p.p. do PIB de défice entre 2016 e 2019? A tabela abaixo desmistifica o
“milagre orçamental do Doutor Centeno”. Cerca de ¾ da redução do défice nominal
resultou da política monetária do BCE (entre redução da despesa com juros e
aumento dos dividendos e IRC do Banco de Portugal temos 2 p.p. do PIB), além da
redução do investimento público (menos 0.4 p.p.) e aumento da carga fiscal
(mais 0.6 p.p. do PIB).
Ou seja, dos quase 4 p.p do
PIB de redução do défice nominal nos 4 anos do ministro das Finanças Centeno, 3
p.p. resultam destes efeitos. E isto numa conjuntura econômica de crescimento,
de “boom” do turismo e imobiliário, que permitiu um aumento da receita fiscal
muito significativo. O tempo das “vacas gordas” serviu, como no passado sempre
que é o PS a governar, para aumentar a despesa corrente primária (DCP), para
aumentar a máquina do Estado. Entre 2015 e 2019, a DCP passou de 70.7 biliões
(milhares de milhões) para 78.6 biliões. Mais 8 biliões de euros de despesa com
o Estado.
No que diz respeito à consolidação
estrutural, os resultados são ainda piores. O défice estrutural (o défice
nominal sem as medidas “one-off” e sem o efeito do ciclo econômico – quando a
economia cresce há mais receita e o défice é menor, quando a economia cai há
menos receita e o défice é maior – os chamados “estabilizadores automáticos”)
tinha passado de 8% em 2011 para 2% em 2015. Uma redução do défice estrutural
de 6 p.p. do PIB em 4 anos.
Nestes últimos 4 anos, entre
2016 e 2019, o défice estrutural passou de 2% para 0.5%. Ou seja, apenas
melhorou 1.5 p.p.. Mas como já vimos atrás, só em redução de juros temos 1.6
p.p do PIB. Ou seja, sem fazer nada, a melhoria do défice estrutural está
explicada.
Isso é ainda mais visível na
evolução do saldo primário estrutural (ou seja, o défice estrutural sem os
juros). Portugal passou de um défice primário estrutural de 5.7% em 2011 para
um superavit primário estrutural de 2.3% em 2015. Ou seja, em 4 anos, uma
melhoria de 8 p.p. do PIB! Mas desde 2016 o indicador praticamente estagnou. Melhorou
apenas 0.3 p.p. do PIB. Curiosamente o valor do aumento dos dividendos e IRC do
Banco de Portugal.
O Doutor Centeno sai porque
não quer ser posto à prova nestes momentos difíceis. Quer que fique dele a
imagem de alguém que equilibrou as contas públicas. Só que o fez num contexto
quase sem paralelo, de crescimento econômico e de taxas de juro zero ou
negativas. Mesmo assim, para alcançar um ligeiro superavit, precisou de cortar
o investimento público para mínimos históricos, deixar degradar os serviços
públicos como nunca sucedeu e aumentar a carga fiscal para máximos de sempre.
Como escrevi aqui no ECO há
cerca de um ano, a gestão econômica e orçamental deste governo pode ser
sintetizada nesta analogia:
·
Imaginem uma empresa que passou por uma crise
terrível (2008-2014), muito pouco competitiva, com “prejuízos” todos os anos e
altamente endividada. Após esse período, essa empresa apanha um período de
algum crescimento econômico e dividendos de uma participada que lhe permite
subir a receita. Simultaneamente, vê os seus custos de financiamento reduzir-se
por via de uma descida das taxas de juro nos mercados. E o que faz essa
empresa? Aproveita essa bonança e folga financeira e reestrutura-se, de forma a
ser mais competitiva e simultaneamente reduzir o seu endividamento? Não, pelo
contrário, usa essa margem e aumenta os seus custos operacionais fixos!
O Doutor Centeno sai agora porque quer disfarçar o péssimo estado em que deixa as contas públicas.
Título e Texto: Joaquim Miranda
Sarmento, ECO,
15-6-2020
"(...) salvo se de facto tudo estava combinado para ele ser o próximo Governador do Banco de Portugal." Mas há alguém com um dedo de testa que não tenha percebido logo em 2015 que este pavão oportunista tinha já acordada a nomeação para o Banco de Portugal? O que me choca não é que alguns partidos estejam em contra-relógio a tentar legislar para que este descaramento não aconteça. O que me choca é que eles não o tenham feito há muito mais tempo. [Ah, pois, era Centeno que assinava os cheques para as clientelas eleitorais desses partidos - está explicada a falta de pressa desses partidos.]
ResponderExcluirEu não dou para o peditório de São Mário Centeno
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