domingo, 27 de setembro de 2020

[As danações de Carina] Quase

Carina Bratt 

Para Luiz Fernando Veríssimo a quem atribuíram um ‘Quase’, que ele jura, de pés juntos, nunca escreveu. 

Não fosse por ele, o QUASE, eu não estaria mais aqui. Acho que em lugar nenhum. Ao menos, respirando, sorrindo, curtindo e vendo a vida em toda a sua totalidade e plenitude, beleza e graça, formosura e elegância. Não fosse por ele, Meu Deus!... 

Não fosse por ele, o QUASE, com a sua velhacaria e altivez, sua percepção e esperteza, sua dedicação e carinho, agora, neste momento, eu estaria sozinha, solitária, vagando feito uma peregrina desmiolada nos trópicos malditos. 

Certamente, para variar, com o coração em frangalhos, batendo descompassado, desvairado numa espécie de arritmia tresloucada, como uma palpitação desconexa, sem saber o que fazer, que atitude tomar, e pior de tudo, por qual caminho seguir e o mais importante ainda: como ir em frente, avançar, seguir, seguir, seguir e seguir... 

Exatamente seguir. Eis o ponto. Seguir, caraca, para onde?! Foi e quero crer nisto. Foi por ele, foi por ele sim, pelo QUASE, num raro momento de conformação interior que consegui me manter em pé. 

Algo, reconditado em meu interior, que deveria ter se apagado, permaneceu inalterado, intocadamente camuflado. Em nenhum momento se melindrou, nem se feriu, como aquela florzinha virgem, ainda não totalmente socializada pelo frescor de outras plantas do imenso jardim que floresce e cerca a nossa primavera de modo particular. 

Todas nós temos uma primavera eterna em nossas vidas. Apenas, por questões outras, pela miopia catastrófica da nossa cegueira, não conseguimos divisar ou entrever, perceber e descortinar de uma vez para sempre, como seria o certo e o justo. 

Por assim, euzinha entrava e saía, saía e entrava, numa espécie de labirinto intrínseco e despropositado. Me via alvoroçada, desordenada, confusa e balburdiada, literalmente acorrentada num semiescuro seguindo como uma 'nômada', sem destino certo, sem saber para onde ir, tipo um barco sem rumo, à deriva, prestes a ser engolida por um mar raivoso. 

O mar é um eterno ser tristonho, como uma pessoa idosa que vive a choramingar. Furioso e malvado, o mar em seu oceano de águas, espanca as pedras do litoral que bloqueiam o seu passar. Daí viver se lastimando para o sol radiante e o luar feérico, dizendo que não se acalmará jamais. 

Neste tom de cores as mais variadas que enfeitam meu agora mítico, confesso, não fosse por ele, repito, não fosse por ele, o QUASE prestimoso e amável, diligente e benéfico, eu continuaria encarcerada aos meus medos e ansiedades, voragens e fobias, pavores e receios, deixando de perceber, o mais importante: atrás de mim, logo ali, ao meu alcance (bastava me virar). Havia um milagre. 

E eu não perdi tempo. Me virei. Sem pestanejar, me virei e estava, ou melhor, percebi que havia às minhas costas, um mundo envolvente, calmo, tranquilo, espetaculoso, me esperando, me aguardando, me vigiando, de braços abertos, apesar dos meus escuros tenebrosos e dos meus pavores e assombramentos, fraquezas e sobressaltos. Eis o milagre celebrado em todo o seu arrojo e, bravura, galhardaria e generosidade.  

Não canso de repetir e o farei infinitamente enquanto vida tiver. Foi por ele, por ele foi quase perdida a lembrança de tudo, incluindo a magia de eu ter regressado um passo à retaguarda. Foi por ele, sem sombra de dúvidas, que estanquei meus passos, por ele me virei e a minha estrada voltou a ser como dantes. 

Asfaltada por novos sonhos, ‘cobrida’ por quimeras ainda não vividas; pavimentada por esperanças e devaneios; idealidades e afigurações que nem eu mesma pensava existirem dentro de meu âmago. 

De repente, como um pássaro aprisionado que o destino abriu a portinha da gaiola, eu escapei de todos os malefícios, de todos os dissabores e acorri pressurosa num mavioso voo esguio. Graças ao QUASE. 

Descobri, em todas nós, meninas e mulheres, jovens e não jovens, mais hoje ou amanhã, ainda que demore o depois, não importa. Seremos beneficiadas pelo QUASE. Sempre haverá um à nossa espreita, esperando o momento certo de nos levar para cima, de nos fazer aflorar para a vida plena. 

Devemos esquecer o sombrio ‘Quase morri; o feioso quase caí na besteira de fechar a porta para a felicidade; o lastimoso quase desisti de meus sonhos; o insondável quase fui à ruína da minha vida inteira; o degradante quase me atirei da ponte buscando a morte num suicídio agourento, cruel, danoso, inevitável e decisivamente letal...’. 

O suicídio a meu entendimento, é visto pelos fracos como uma luz muito forte e intensa, todavia, acesa no fim de um túnel imaginário. Quando tudo parece sombrio, devemos pensar no QUASE como uma dádiva inesperada, uma porta secreta de escape, como uma rota de fuga que se fez materializada. 

‘QUASE fui, o QUASE, entretanto, me salvou.’ Em resumo, o QUASE para mim, ou melhor posto, para nós, para todas nós, deve ser sempre encarado como um alento, uma bafagem de robustez um misto de sonhos e realidades, entusiasmos e animações, com fartos recheio de alegrias e júbilos, euforias e exultações. Me empolguei tanto com o QUASE que quase me esqueci de colocar um ponto final. Pronto. Ponto final. Domingo que vem, eu volto. 

Título e Texto: Carina Bratt, de Vila Velha, no Espírito Santo. 27-9-2020

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2 comentários:

  1. Muito lindo prezada Carina. Realmente essa palavra 'quase", é a chave de tudo.

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  2. QUASE É ALGO QUE NUNCA ACONTECEU.
    Desculpa-me CARINA.
    Eu não acredito em acidentes nem incidentes sem o factor erro humano.
    O tal de QUASE se acontece deixa de sê-lo.
    Então o QUASE jamais se completa seja para o bem seja para o mal, aliás um quase mal se torna um bem inesperado, mas um QUASE bem torna-se uma frustração.
    Você QUASE enalteceu o QUASE....
    fui...


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