Gazeta do Povo
Há muito o Supremo Tribunal Federal deixou de ser apenas uma corte constitucional. Nos últimos anos, assistimos a uma transfiguração progressiva: a toga converteu-se em instrumento de protagonismo político, e a prudência – virtude que deveria ser regra nas cortes superiores – cedeu lugar à compulsão por interferência. Mas o episódio recente envolvendo a operação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro – determinada pelo ministro Alexandre de Moraes na sexta-feira (18) – ultrapassa todas as marcas conhecidas de desmedida institucional, sobretudo por seus efeitos macroeconômicos e internacionais, acirrando ainda mais a animosidade entre o Brasil e os Estados Unidos em meio a disputas tarifárias.
A operação contra Bolsonaro, ao ser justificada com base em uma tarifa
imposta pelos Estados Unidos, inaugura um precedente perigoso: o de
atuação política, travestida de exercício de altanaria institucional, no campo
da relação entre Estados, interferindo no jogo diplomático brasileiro da
maneira mais imprudente possível. Tendo assumido desde há muito, repita-se, um
papel político – o que não lhe cabe de maneira alguma –, o mínimo que se
esperaria do STF, na pessoa do ministro Alexandre de Moraes, seria alguma
capacidade prudencial. Assumir o risco de um agravamento das sanções
americanas, nesse momento delicado, não faz nenhum sentido.
O Brasil não precisa de
heróis de toga nem de salvadores da pátria. Precisa, com urgência, de
lideranças com responsabilidade, moderação, abertos ao diálogo – e com um
patriotismo verdadeiro, que começa por não entregar a própria nação à fogueira
da vaidade institucional
O encadeamento dos fatos revela o grau de degeneração da racionalidade estatal. Em 9 de julho, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, impôs uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, justificando a medida com base na degradação das liberdades civis no Brasil. Citou expressamente as ordens “secretas e ilegais” de censura emitidas pelo Supremo a empresas norte-americanas de mídia social, bem como o tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, descrito por ele como vítima de uma “caça às bruxas”.
Ainda que as críticas de Trump
sejam justificáveis – e os brasileiros conhecem bem o grau de disfuncionalidade
a que chegou a corte superior nacional –, é preciso reconhecer: o confuso
plano, que mistura medidas econômicas com políticas, equilíbrio da balança
fiscal e sanções, através da imposição de tarifas exorbitantes às exportações
brasileiras, com uma fundamentação factualmente equivocada, foi uma decisão, no
mínimo, infeliz do presidente americano. E a resposta brasileira tampouco se
orientou pela razoabilidade, optando pelo confronto vaidoso e pouco pragmático
do governo federal – e, agora, do próprio STF.
Na decisão que determinou
medidas cautelares contra Bolsonaro, Alexandre de Moraes citou expressamente a
tarifa anunciada por Trump como indício da existência de uma suposta
“conspiração internacional”, articulada por Bolsonaro e seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, com o objetivo de “atentar contra a
soberania nacional”. A argumentação de Moraes é, antes de tudo, juridicamente
extravagante. De que crime estamos falando? Qual o tipo penal? Como se está
aceitando uma tal arbitrariedade? Por mais que muitos julguem moralmente
inaceitável a busca de sanções econômicas contra o próprio país por parte de
outro nação, essa atuação, de natureza política, não é ilícita.
Tomar a imposição de uma
tarifa por parte de um chefe de Estado estrangeiro como “confissão” de crime
cometido por cidadãos brasileiros no exterior ultrapassa qualquer limite
admissível de inferência legal e de inovação inconstitucional no campo penal. O
que Moraes chama de “flagrantes atos executórios” são, na verdade,
manifestações políticas públicas – legítimas em qualquer democracia – de
autoridades eleitas por milhões de brasileiros, no exercício da liberdade de expressão e do direito à articulação
internacional.
Ao dar esse passo, Moraes não
apenas aprofunda uma crise já grave, como também adiciona combustível a uma
disputa com os Estados Unidos que ameaça corroer uma das relações comerciais
mais relevantes para o país. A tarifa de Trump é, sem dúvida, desproporcional,
imprecisa e prejudicial. Mas ela se dirige a uma percepção clara: a de que o
Brasil já não assegura os valores liberais básicos que sustentam a democracia
ocidental. E essa percepção é alimentada dia após dia pelas próprias
autoridades brasileiras. Ao atrelar a ação judicial contra Bolsonaro à
retaliação americana, Moraes dá mais razão às críticas de Trump ao mesmo tempo
em que transforma uma sanção externa em gatilho para perseguição política
interna.
Enquanto Brasília guerreia
consigo mesma e com o mundo, o país real apodrece à margem, jogado aos leões. A
diplomacia brasileira, que deveria servir de ponte entre interesses e culturas,
foi reduzida a palco de confrontos ideológicos e ressentimentos geopolíticos. O
governo Lula, em vez de adotar uma reação firme e proporcional – sem
subserviência, mas com foco na defesa dos interesses nacionais –, prefere
dobrar a aposta no confronto inútil, claramente influenciado pela percepção de
que pode obter ganhos eleitoreiros com seu posicionamento, o que, em algo dessa
envergadura, é sumamente vil.
Já o STF age como se os
limites constitucionais fossem meros obstáculos administrativos, a serem
superados por uma suposta missão de “recivilização” – uma ilusão que já custou
caro à estabilidade institucional e que, agora, custará também em termos econômicos
e diplomáticos. Nesse cenário cada vez mais distópico, há ainda o risco de que,
diante do impasse e da retórica oficial, a população brasileira sucumba à falsa
ideia de que as ações do STF – como a operação contra Bolsonaro – são legítimas
e necessárias, especialmente por serem apresentadas como uma reação às tarifas
americanas, quando a verdade é bem distinta.
No fim, não são Trump, Moraes
ou Lula que pagarão a conta. Pensar que Trump recuará da tarifas seria
ingenuidade – uma resposta americana é mais do que provável, e ela virá para
azar dos brasileiros, mais uma vez abandonados à própria sorte, relegados à condição
de espectadores impotentes, condenados a arcar com os custos de decisões
tomadas por elites voluntariosas cada vez mais distantes da nação que juraram
servir.
O Brasil não precisa de heróis
de toga nem de salvadores da pátria. Precisa, com urgência, de lideranças com
responsabilidade, moderação, abertos ao diálogo – e com um patriotismo
verdadeiro, que começa por não entregar a própria nação à fogueira da vaidade
institucional. A política do "quanto pior, melhor" pode servir aos
cálculos de certos grupos, mas é trágica para o país.
Título e Texto: Editorial, Gazeta do Povo, 18-7-2025
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“Estou, onde sempre estive, sem recuar um centímetro: ao lado da liberdade e de meu país”
Meu Deus, quem é essa desgraça? Parece uma bicha mal acabada... de onde saiu essa urubu sem cabelo?: Jabuticabas nele...
ResponderExcluirCarina Bratt, de São Paulo, Capital
Um dos maiores erros do sistema é acreditar que a condenação de Bolsonaro e seu núcleo teria a capacidade de acabar com a direita brasileira. Bolsonaro é uma consequência, não a causa do movimento. A repressão apenas deixa mais evidente o colapso do sistema.
ResponderExcluirO Bolsonaro está mostrando a coragem que o Motta e o Alcolumbre perderam junto com a vergonha na cara.
ResponderExcluir@HugoMottaPB é frouxo e covarde junto com @davialcolumbre!!
Há uma crise sem precedentes instalada no país, e ainda pergunto como
ResponderExcluir@HugoMottaPB e @davialcolumbre agem como se fossem figurantes na República? Cancelem o recesso. Vamos ouvir o que 513 deputados e 81 senadores têm a dizer. Ou fechou a lojinha mesmo?