quinta-feira, 7 de agosto de 2025

O nome é Judiciarismo

Rafael Nogueira

A frase de Luís Roberto Barroso, presidente do STF, é reveladora: “Quase tudo pode chegar ao STF, do IOF à queima da palha da cana.” O protagonismo do Supremo seria “único no mundo”, disse ele em tom comemorativo. Isso acende um alerta.

Barroso fez a confissão pública de um projeto de poder que avança há mais de uma década. O nome é Judiciarismo.

Judiciarismo é uma forma degenerada de regime, nascida da hipertrofia de um segmento de um dos poderes em detrimento dos demais. No Brasil, é conhecida a doutrina segundo a qual o Judiciário não deve apenas interpretar a Constituição, mas conduzir a sociedade em nome dela, mesmo sem ela pedir.

Com a derrocada moral e funcional do sistema político, em 2013 abriu-se um vácuo de autoridade. A revolta popular era o clamor por representação, ordem e justiça. Cada poder passou por reformulação. E parte do Judiciário viu ali uma oportunidade: ocupar o lugar da política e assumir a tutela do país.

A Lava Jato foi o instrumento que fez com que a corrupção fosse, enfim, perseguida. Mas é acusada de excessos que, mesmo que não o sejam, ou que se justifiquem à luz do desafio que tinha à sua frente, envolveram intensamente política e mídia, preparando o terreno para abusos posteriores. O Supremo viu a brecha, aproveitou sua posição privilegiada no jogo de poder e passou a assumir protagonismo, proatividade e exposição midiática estranhas ao seu espírito.

O Supremo empolgou-se: ora redentor moral da nação, ora legislador informal, ora censor ilustrado. A Constituição deixou de ser limite e virou alavanca. A toga, antes provocada para se pronunciar, armou-se com espada e foi para a arena.

Barroso é o principal ideólogo dessa mutação. Em sua visão, o juiz constitucional deve funcionar como “vanguarda iluminista”, não apenas garantindo direitos, mas “empurrando a história”. Uma concepção messiânica da magistratura, em que a legitimidade decorre não do sufrágio, mas da consciência do intérprete da Constituição.

O que temos hoje é um Judiciário que não apenas julga — ato que lhe parece tedioso — mas determina quem pode falar, concorrer, existir publicamente. Um poder que não aceita limites nem críticas, que se vê como a encarnação do Estado de Direito, embora atropelando o devido processo, reinterpretando leis, prendendo sem julgamento e censurando sem constrangimento.

Quando um ministro declara que “quase tudo” pode ser decidido por ele e seus pares, está reivindicando poder absoluto. Diz que nada escapa à Corte, nem ao seu ativismo, nem ao seu papel legiferante. E que a sociedade deve, ao fim, curvar-se a ela.

Nada mais coerente, portanto, do que o que lemos ontem: um jantar entre ministros do STF e autoridades do Executivo foi encerrado com uma frase atribuída ao chefe do Executivo: “O governo fará o que ele [Moraes] preferir.” Assim se fecha o círculo: o juiz governa. E o governante executa a vontade judicial. A inversão da ordem republicana é completa, e assumida.

Esta é a democracia que querem nos impor.

Democracia de verdade supõe pluralidade, alternância, contestação. Supõe poderes que se controlam e, acima de tudo, o direito do povo de decidir por si.

O judiciarismo faz o oposto: em nome de bens ditos superiores, retiram-se a liberdade, a propriedade, por vezes, até a vida. A mesma Corte que se diz garantista permite inquéritos infindáveis, prisões sem sentença, punições por opinião e exclusões políticas por suspeita moral.

Barroso não está errado ao dizer que o STF ocupa um lugar “único no mundo”. Apenas confunde singularidade com virtude. O Supremo brasileiro é único porque é excessivo, desproporcional, descontrolado. Em nenhuma democracia liberal madura se admite grau semelhante de interferência judicial.

Chega da ilusão de que a democracia está sendo protegida. Ela está sendo sabotada. Proteger a democracia hoje é reequilibrar os poderes, restaurar os direitos, soltar presos que jamais deveriam ter sido presos, investigar abusos togados, reconduzir o STF ao seu lugar.

Supremo forte não é o que governa, mas o que julga dentro de seus limites. Juiz justo não é o que molda a sociedade à sua imagem, mas o que se curva à lei comum. Constituição viva não é a que justifica tudo, mas a que limita todos.

Enquanto houver um homem preso sem sentença, uma ideia censurada sem motivo, um candidato banido por convicção, não há Estado de Direito. Há Estado de Exceção.

A única resposta é o restabelecimento imediato das liberdades. Isso não é atacar o Judiciário. É salvá-lo. E ele, a nós — e ao país.

Título e Texto: Rafael Nogueira, O Dia, 6-8-2025 

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Um comentário:

  1. "Nas últimas décadas, tudo se agravou e vivemos hoje num verdadeiro totalitarismo muito mais implacável que o nazismo ou o comunismo, para os espíritos verdadeiramente livres e críticos. Vivemos, na verdade, numa pseudodemocracia e pseudoprogresso onde ou nos homogeneizamos ou somos exterminados de várias formas."
    João Brás

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