Em Portugal, o estado de esgotamento do regime democrático vai seguramente  dificultar soluções sistémicas que assegurem o melhor funcionamento possível das  instituições, indispensável em 2011 para o cumprimento dos objectivos que as  circunstâncias nos impõem. Isto é perceptível a vários níveis: no  enfraquecimento da soberania nacional, na confirmada debilidade institucional,  no descrédito da política e numa incipiente fractura social que não augura nada  de bom.
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| Maria José Nogueira Pinto | 
A possibilidade de a alternativa a Sócrates e de o seu governo saírem do  próprio Partido Socialista é duvidosa. Não porque os socialistas não avaliem os  danos emergentes desta governação na credibilidade do partido e no delapidar do  seu património ético e ideológico, mas porque no PS, tal como nos partidos em  geral, a democraticidade interna funciona mal e se houve coisa que Sócrates  conseguiu foi implantar a sua clientela em toda a máquina do Estado. Contudo,  nas actuais circunstâncias, mudar a liderança e o Governo sem recurso a eleições  podia ser um ganho.
Há quem contraponha a este cenário o de eleições antecipadas seguidas de um  megabloco que incluiria o PS, o PSD e o CDS-PP, isolando os comunistas e a  extrema esquerda. Diz-se que só uma base parlamentar com esta amplitude  sustentará a duríssima execução das medidas orçamentais e dos prováveis PEC que  se seguirão. Num registo de normalidade, que já não é o nosso, talvez esta  leitura fizesse sentido, mas hoje avoluma-se a percepção generalizada - justa ou  injusta - de que a democracia se transformou numa partidocracia entrincheirada  na defesa das suas prerrogativas e benesses. E que campanha, que progra- ma  eleitoral, que discurso podiam unir estas três forças num momento em que não há  nada para dar a ninguém? 
Resta a possibilidade de um governo de "Salvação Nacional" de iniciativa  presidencial, uma espécie de task force, tecnicamente excelente, política quanto  baste e sem base partidária, composta por pessoas competentes e de reconhecido  mérito de direita e de esquerda, não associáveis aos erros e omissões da  governação mais recente, sem terem de ir a votos, fazer promessas inúteis ou  desgastar-se na barganha eleitoral. Uma espécie de FMI português, capaz de nos  apertar o cinto até ao último furo sem estrangular o nosso orgulho nacional.  Também esta via parece improvável porque o Presidente da República - qualquer um  - tem de esgotar as outras fórmulas antes de poder adoptar esta, a qual também  só poderá funcionar com uma base parlamentar sólida.
A "política" com que o giro político e a produção mediática se entretêm, e  que tem consistido na construção e desconstrução constante de cenários, atingiu  já o nível de um thriller. Só que agora não bastam cenários que arrumem ou  desarrumem as hostes em parada e é preciso perceber o efeito que começam a  produzir no cidadão comum perplexo, indignado, angustiado. É sabido que as  formas e fórmulas da democracia - um regime que é apenas o menos mau - são  sempre postas à prova em momentos de crise e frequentemente sem êxito. O estado  anémico do nosso regime só pode, pois, ser altamente preocupante a par de uma  sociedade civil pouco resiliente e onde o número de vítimas cresce diariamente.  
As formas das coisas que hão- -de vir parecem-me assustadoras. Os  portugueses, na sua maioria alheados da política após mais de três décadas de  democracia, acordam agora para uma dura realidade que dificilmente percebem e  aceitam; generaliza-se o discurso da diabolização dos políticos, tratados como  uma categoria homogénea de oportunistas e ladrões, discurso demagogicamente  alimentado por muitas vozes irresponsáveis; as instituições são vistas como  territórios tomados de assalto por parasitas; as grandes fortunas, lícitas ou  ilícitas, surgem como a origem de muitos males e associadas, através de todo o  tipo de corrupção, aos próprios órgãos de soberania. 
É preciso manter a esperança, sem dúvida. Mas para que ela frutifique é  preciso, antes, ser lúcido quanto às formas do que há-de vir.
Maria José Nogueira Pinto, Diário de Notícias, 11-11-2010
 
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