
Cada vez mais, Portugal, tragicamente iludido por se quedar na Europa, conduz-se como se fosse um Paraguai qualquer. Independentemente daquilo que a geografia mostra ou a história nos ensina, hoje, o País revela uma irrefreável vocação terceiro-mundista.
As finanças estão mal, todos o sabemos, mas o caminho em que resvalamos é bem mais largo do que o carreiro das matérias económicas.
Há mais de vinte anos que somos governados em nome da serenidade e através de uma obsessão pela concórdia nas decisões públicas. O regime, após algumas doenças menineiras, assentou a sua autodefesa no paradigma da indiscutibilidade do consenso como instrumento que tudo podia. Criou-se o padrão de nunca querer fazer ondas perante os crescentes desmandos públicos, instalou-se a confusão, pouco democrática, entre a diversidade de opiniões e as divisões negativas e insuperáveis. Aos poucos, fez-se a sublimação do unanimismo quanto às questões exibidas como essenciais do regime. O mero esforço de discussão daquilo que era tido como inquestionável arrastava a possibilidade do anátema sem retorno.
Cientes dessas regras do jogo, os políticos acomodaram-se e a nossa sociedade desinformada e pouco participativa imitou-os, aliviada. Ninguém mais ousou inovar em campo algum por onde se espraia a governação. Os velhos dogmas foram sendo repetidos tautologicamente, num ritual mecânico e inconsequente. Governos de cores políticas diferentes aplicaram teimosamente receitas iguais mesmo quando estas já transbordavam antecipadamente a desgraça - desde a Expo'98, ao Euro 2004, às parcerias público-privadas, ao plano de barragens caro e pouco proveitoso, às auto-estradas do "lá vem um" e que não levam a lado nenhum, à irresponsabilidade dos submarinos, à criação de uma vasta clientela de subsidiodependentes, à loucura do TGV, ao crescimento desmesurado da administração.
Os poucos que refutavam estes trilhos eram apelidados de "tremendistas" eivados de má-fé ou de pessimistas militantes. Os órgãos de controlo do Estado, desde essas pomposas inutilidades denominadas presidentes da República até às entidades que vigiam as derrapagens públicas, limitaram-se a avisos ténues e sibilinos, quando não alimentaram os piores equívocos.
Chegámos onde estamos por culpa nossa, e não de qualquer tempestade gerada noutras paragens e à qual somos alheios (esta apenas dilatou os males que já cá estavam). Fomos e somos mal governados e aceitamos o facto com uma quietude bovina.
Foi o mito da "serenidade" que nos trouxe até aqui e é a inacção em que estacionámos que nos está a impedir de rompermos com este rumo.
Carlos Abreu Amorim, Diário de Notícias, 22-12-2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-