Ucho Haddad
De frequentador
da zona a crítico dos juros altos, José Alencar está a caminho da canonização
![]() |
José Alencar. Foto: AD |
No Brasil, a exemplo do que
ocorre em boa parte do planeta, exigir coerência no mundo político é a mais
hercúlea das tarefas. Quiçá não seja uma empreitada completamente impossível.
Quando um político passa para o outro lado da vida, se é que isso de fato existe,
suas mazelas chegam à sepultura muito antes do cadáver. O mau vira bom, o
desonesto vira honesto, o implacável vira um coitado. Sem querer duvidar da sua
honestidade, esse cenário já recobre a morte de José Alencar Gomes da Silva,
vice-presidente da República nos dois mandatos de Lula da Silva (2003-2010),
que morreu em São Paulo após mais de uma década de luta contra um câncer
abdominal.
Tão logo subiu a rampa do
Palácio do Planalto pela primeira vez, José Alencar não demorou a tecer suas
críticas contra as altas taxas de juros. Mal sabia Alencar que os banqueiros
derramaram verdadeiras fortunas na campanha de Lula e ao incauto povo
brasileiro cabia pagar a conta. Como cabe até hoje. E o esperneio discursivo do
empresário José Alencar pouco adiantou. Fosse um homem coerente, Alencar teria
alcançado o boné e renunciado. Só não o fez por conta de interesses maiores.
Ano e meio depois de tomar
posse ao lado de Lula, o simpático José Alencar adotou obsequioso silêncio
diante do escândalo que ficou nacionalmente conhecido como “Mensalão do PT”,
esquema criminoso de cooptação de parlamentares que trocaram a consciência por
um punhado de dinheiro imundo. É verdade que todos são inocentes até prova em
contrário, mas no PT de outrora rezava a regra de que para condenar alguém
bastavam apenas evidências. A profecia é de autoria de José Dirceu de Oliveira
e Silva, o Pedro Caroço, figura com a qual José Alencar conviveu sem qualquer
reserva.
O agora santificado José
Alencar apostou nas palavras do companheiro Lula, que certa vez disse com todas
as letras que a China é uma economia de mercado. Certo de que o parceiro
palaciano sabia das coisas, Alencar deflagrou um processo para abrir uma
unidade de seu conglomerado têxtil no país da lendária muralha. Mesmo com o
Brasil sofrendo há anos a concorrência desleal dos fabricantes chineses de
tecidos e afins, Alencar exigiu que o projeto fosse cumprido à risca. E o
mercado brasileiro de tecidos, que deveria ser defendido pelas autoridades
verde-louras e também pelo então vice-presidente, foi mandado às favas
inclusive por José Alencar.
Por ocasião da CPI dos
Correios, que acabou investigando a fonte de financiamento do Mensalão petista,
o nome da Coteminas veio à baila, pois a empresa de José Alencar recebeu em uma
de suas contas bancárias um depósito de R$ 1 milhão feito pelo PT. Alencar, que
logo tratou de isentar de qualquer culpa o seu conglomerado empresarial, alegou
que as explicações deveriam ser cobradas do próprio PT. A operação, segundo
José Alencar, decorreu do fornecimento de 2,75 milhões de camisetas aos
candidatos petistas nas eleições municipais de 2004. O então presidente
nacional do PT, Ricardo Berzoini, informou a José Alencar, horas depois da
eclosão do escândalo, que o repasse à Coteminas não foi contabilizado pelo
partido. A dívida, de R$ 12 milhões, correspondia à época a 50 carretas
abarrotadas de camisetas. Para contemplar as necessidades de Lula e Alencar, o
caso foi devidamente abafado.
Guindado ao Ministério da
Defesa por decisão de Lula, o empresário José Alencar viu a sua Coteminas
vender cada vez mais uniformes para o Exército brasileiro. Coincidência?
Talvez, mas na política essa palavra não existe no dicionário.
Em 2006, ao aceitar o convite
para novamente fazer dupla com Lula da Silva, José Alencar acabou por endossar
o “Mensalão” e outros tantos escândalos de corrupção patrocinados pelo Partido
dos Trabalhadores e por muitos palacianos. Na ocasião eclodiu o escândalo do
Dossiê Cuiabá, conjunto de documentos apócrifos para prejudicar os então
candidatos tucanos Geraldo Alckmin e José Serra. Mais uma vez, diante de um
novo escárnio com a digital da esquerda brasileira, Alencar preferiu submergir.
No quase infindável
imbróglio da Varig, coube a José Alencar aproximar o empresário Constantino
Oliveira, o nada diplomático Nenê, do presidente Lula, que implorou para que o
dono da Gol comprasse a outrora mais importante companhia de aviação do País.
Muito estranhamente, Nenê Constantino, tão mineiro quanto José Alencar, atendeu
aos apelos de Lula e arrematou a Varig por US$ 300 milhões, uma empresa que
estava resumida à própria marca.
Até hoje ninguém conseguiu
entender a transação que nem mesmo o mais incauto investidor seria capaz de
apostar suas economias, mas o universo do poder tem essas situações
inexplicáveis.
Em agosto de 2010, ao ser
entrevistado pelo apresentador Jô Soares, o nada elegante José Alencar aceitou
falar sobre o processo de investigação de paternidade que lhe movia Rosemary de
Morais, sua suposta filha, e a recusa em se submeter a um teste de ADN. Ao
apresentador global o agora bonzinho José Alencar repetiu o que disse à
Justiça. Que a mãe de sua suposta filha era prostituta e que ele [José
Alencar] foi um frequentador contumaz das zonas de meretrício das cidades onde
morou desde jovem. Ao expor a mãe da sua suposta filha de forma tão covarde
e aviltante, José Alencar não apenas escancarou o seu caráter, mas mostrou ao
mundo ser ele alguém bem diferente daquele que hoje, após a morte, a
consternada população brasileira tenta canonizar.
Ter pena de José Alencar por
conta da sua luta contra o câncer não causa espanto. Mas há milhares de
brasileiros na mesma situação de Alencar e que lamentavelmente dependem do
sistema público da saúde para lutar contra a morte. Esses sim são
bravos lutadores, dignos de pena e do respeito incondicional de todos.
Em momento algum quero
festejar a morte de alguém, até porque esse é o tipo de atitude que não se toma
nem mesmo com os mais figadais inimigos, mas não se pode alçar aos céus com
tanta rapidez quem ainda tem contas a acertar com o Criador.
De igual maneira, a minha
manifestação não se trata de moralismo oportunista, mas serve como apelo aos
brasileiros para que releiam a recente história política nacional e que
mantenham a coerência no momento em que mais um político se despede da vida terrena.
Errar é humano, é verdade, mas
o erro pontual pode ser transformado em plataforma de acertos futuros se o
errante tiver um mínimo de massa cinzenta. Como sempre escrevo, digo e não
canso de repetir, sou o melhor produto dos meus próprios erros. Ainda bem! E é
por isso que espero que no momento da minha morte os meus inimigos preservem a
coerência e mantenham as críticas que me fizeram ao longo da vida. Só assim
descansarão em paz, ciente de que mesmo longe dessa barafunda continuarei
coerente e incomodando.
O meu finado pai, que tantos
bons exemplos me deixou, por certo não encontrou minha mãe na zona mais
próxima, mas os que me odeiam podem continuar me chamando de filho da puta – o
genial Jânio Quadros dizia que o melhor é se referir ao desafeto como “filho de
puta” – com a anuência da minha respeitadíssima genitora. Fora isso, é preciso
considerar que, assim como acontece com os árbitros de futebol, jornalistas
políticos polêmicos sempre têm uma mãe sobressalente para os costumeiros e
inevitáveis xingamentos.
E que o Criador escute as
minhas preces e dispense ao ser humano José Alencar o tratamento devido, pois a
sua luta pela vida foi inglória. Amém!
Título e Texto: Ucho Haddad, "Ucho.Info",
31-3-2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-