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"Cabo" Anselmo, foto: TV Cultura |
O tal “Cabo” Anselmo foi
massacrado na estreia do formato repaginado do tradicional programa “Roda Viva”,
da TV Cultura. Esperava-se que isto acontecesse. Os jornalistas que o
entrevistaram – inclusive eu – fizeram o que tinha de ser feito. Um programa de
entrevistas não deve ser perguntinhas acuradas para o entrevistado. Tentou-se
tirar de Anselmo alguma verdade histórica ainda oculta. Um problema fundamental
foi que ele próprio caiu em uma armadilha temática e não aproveitou ganchos
para esclarecer pontos obscuros da versão histórica sobre ele – plantados pelo
ideologismo esquerdista.
Na chamada para o programa, no
Jornal da Cultura, já se percebia que Alselmo sofreria um massacre. Antes de
anunciar o novo apresentador do “Roda Viva”, Mário Sérgio Conti (Diretor de
Redação da revista Piauí), a repórter apresentou o “Cabo” Anselmo como a
esquerda revanchista sempre o apresentou: um monstro, traidor, que foi um
colaborador direto do esquema de repressão do governo militar (conhecido,
usualmente, como “Ditadura”) contra aqueles que se aventuraram na luta armada
(para implantar um regime comunista no Brasil – este detalhe, cuidadosamente, a
mídia tradicional sempre omite).
Esquerdistas são pintados como
heróis (tendo matado, torturado, assaltado bancos e praticado atos
terroristas). O outro pólo (definido como “Direita” ou “extrema direita”)
abriga os “inimigos da democracia”, promotores do regime de arbítrio, que
mataram, torturaram e perseguiram inimigos ideológicos. Esta dicotomia tacanha
entre “esquerda boazinha e idealista” e “direita arbitrária e truculenta é
tradicional na abordagem da mídia tupiniquim. É um lugar-comum sempre
empregado. Afinal, o discurso que prevalece é dos vencedores ideológicos. A
História acaba sempre mal contada, repita-se de passagem, por ambos os lados.
Ontem, no palco branquinho do “Roda
Viva”, não foi diferente. A coisa ficou preta para o Anselmo (porque ele mesmo
caiu na armadilha de perguntas sobre assuntos que ele não tem ainda resolvidos
em seu consciente e inconsciente). Ele saiu da entrevista com um certo ar de
derrota. Pelo menos dois jornalistas que participaram da entrevista – Fausto
Macedo e Hugo Studart – avaliaram, em off, que ficou uma impressão de que ele
foi “massacrado”. O advogado Luciano Blandy, que advoga praticamente de graça
para Anselmo teve a mesma impressão. Uns jovens - colocados para abrilhantar o
belíssimo cenário -, alguns que nunca tinham ouvido falar do tal “Cabo”, pelo
sorriso, entredentes, após o programa, também festejavam, em seu íntimo, o
massacre do cara classificado como um Judas, um Calabar, um Joaquim Silvério
dos Reis, enfim, um dos maiores traidores da nossa mal contada História.
Repito, mil vezes. O massacre
era esperado. A começar pelo tratamento, nos créditos do programa, ao
entrevistado: “Cabo Anselmo – ex-militar”. Ainda tentei um parêntesis, no
programa, para chamar a atenção, educadamente, de que aquilo não correspondia a
tal verdade objetiva que nosso jornalismo tanto prega, mas pouco pratica, de
verdade. O “Cabo Anselmo” é uma grande mentira histórica. Primeiro, nunca foi
“Cabo”. Nunca passou de “Marinheiro de 1ª Classe”. Segundo, ele não é
ex-militar, mas, sim, militar cassado. Foi o centésimo sujeito detonado
politicamente pelo Ato Institucional número 1, de 1964.
Não importa se Anselmo aderiu
espontaneamente ou se foi forçado, por risco de morte e tortura, a aderir à
repressão à luta armada. Foi promulgada uma Lei de Anistia, em 1979, que o
Supremo Tribunal Federal afirma valer para “TODOS” os agentes do Estado ou
personagens envolvidos em episódios pós-1964. O problema, gravíssimo, é que
este perdão só não valeu, até agora, para o José Anselmo dos Santos. Ele tem
até um pedido, formulado desde 2004, na Comissão de Anistia do Ministério da
Justiça, para anistia e indenização. Por puro revanchismo, o processo nº
2004.01.42025 adormece na burocracia federal.
Isso é, no mínimo, covardia
ideológica. Aliás, ideologia é ferramenta de otário. Bronca, também. A ira
contra Anselmo – justa ou injusta – não pode submetê-lo à permanente “tortura
psicológica”. Absurdo dos absurdos, em um regime que se pretende democrático, é
negar a Anselmo o direito a ter uma Carteira de Identidade. Lamentável é que a
turma dos direitos humanos (que mais parece “direito dos manos”) é conivente
com o holocausto documental contra José Anselmo dos Santos. É vergonhoso apelar
à lentíssima Justiça Brasileira para ter uma identidade, depois que o regime
para o qual colaborou deu um sumiço providencial em sua Certidão de Nascimento,
no cartório da cidadezinha sergipana de Arraial D´Ajuda.
No “Roda Viva” de ontem,
faltou mostrar o lado humano de Anselmo. Como sempre acontece, não deu tempo.
Ele fica refém de explicações que nunca deu direito – por culpa dele próprio ou
por alguma falha dos programas que o entrevistaram. José Anselmo dos Santos
vive hoje de artesanato. Sobrevive com a pequena ajuda financeira de amigos e
de desconhecidos que não concordam com sua situação de “torturado psicológico”
(pelos erros dele do passado e pela eficiente máquina ideológica que fabrica heróis
e inimigos – conforme as conveniências).
Já escrevi e repito um milhão
de vezes. O tal do Cabo Anselmo é um cadáver insepulto da História do Brasil.
Reverter sua imagem negativa é praticamente missão impossível. Mas ainda existe
espaço para que ele conte sua história por ele sem interferência de terceiros.
Se vão acreditar ou não na versão dele, é outro problema. Temos um livro pronto
e um documentário em fase de finalização sobre “O Homem que não existe”. Vamos
lançar ambos, brevemente.
Embora pareça o contrário, a
experiência do Roda Viva de ontem, para Anselmo, foi positiva. Abriu-se um
espaço livre para ele falar. Se não aproveitou como deveria, paciência! Ficou
evidente, para ele mesmo, que precisa se libertar de fantasmas do passado que o
assombram. Correr o risco de revelar algumas verdades, como nunca fez até
agora, fará bem ao septuagenário. Como digo no vídeo lá em cima, sou amigo do
José Anselmo dos Santos. E tenho certeza de que o tal de “Cabo Anselmo” precisa
ser sepultado, sem honras militares. “Cabo Anselmo” não tem salvação.
José Anselmo dos Santos
depende dele. E da Justiça! Tomara que ela seja feita, o quanto antes. Para ele
e tantos outros injustiçados no Brasil. Além disso, jornalistas e os segmentos
esclarecidos da sociedade brasileira (ainda não deformados pelos conceitos
errados e preconceitos impostos pela Nova Ordem Mundial) têm o dever de propor
e debater mecanismos para que não tenhamos ditaduras no Brasil, no futuro
próximo ou distante.
Nosso grave problema –
comentei isto nos bastidores do “Roda Viva” com Mônica Bérgamo, Fausto Macedo e
Hugo Studart – é não tirar e aplicar lições de erros ou acertos do passado.
Aqui, temos a mania (sem trocadilho infame) de reinventar a roda viva da
História. O caso absurdo e extremo de Anselmo é uma grande chance de se olhar
para frente, assumindo um compromisso verdadeiramente democrático com o Brasil
– cada vez mais solapado por ideologias fora do lugar e pela ação institucional
do crime organizado.
Graças ao “Roda Viva”, o morto
assunto “Cabo Anselmo” figurou entre o terceiro mais citado trend topic do
Twitter, na noite de segunda-feira, no Brasil. Em resumo da ópera, o massacre
jornalístico de ontem não foi em vão.
Texto: Jorge Serrão, publicado
originalmente no blogue “Alerta Total”, 18-10-2011
Confira a entrevista, ou o massacre
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