Luisa Castel-Branco
Quando a vida nos parece pesar
demais sobre os ombros, penso no pior momento da minha vida. Seria de esperar
que para quem já teve um AVC, perdeu consciência, memórias, e ficou com
sequelas para sempre, o medo da morte fosse a minha pior recordação. Mas não.
Teria o meu filho mais velho
cinco anos, talvez seis, quando desci à rua acompanhada por familiares. Parámos
no café e disse-lhes que ia à loja do outro lado da rua: tomem conta dele. E
saí. A rua é estreita e pequena. Não sei porque me virei, será que ouvi os
gritos? Mas quando o fiz vi o carro avançar e o meu filho no meio da rua. Corri
e tentei colocar-me à frente, ou agarrá-lo, mas não cheguei a tempo e o carro,
um Alfa Romeu desportivo, passou-lhe por cima, e o meu filho desapareceu.
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Alfa Romeo 2uettottanta |
Recordo cada pormenor desse
dia, como se fosse hoje. Era Inverno. Estava frio. Ele tinha um casaco grosso
comprido. O carro era vermelho. As pessoas gritavam e eu sabia que o faziam
porque via os rostos aflitos, as bocas abertas mas nem um som chegava a mim.
Nada. O mundo tinha sido engolido por um buraco enorme e nos meus ouvidos só o
bater descompassado do meu sangue.
O condutor, tão jovem, saiu do
carro a chorar e as pessoas tentavam olhar para baixo, ver o corpo. Aquele
automóvel era tão incrivelmente baixo.
Quanto tempo demorou? Não sei.
Segundos, seguramente.
Foi então que o meu filho saiu
rastejando por de baixo do carro, como se fosse um gato. Sofrera apenas um
pequeníssimo golpe que nem sequer viria a ser cosido no hospital. Agarrei-o e
percebi que continuava a não ouvir o que me diziam, nem mesmo ele.
Poucas horas depois ele já
brincava com os irmãos. Eu, em contrapartida, fiquei num estado tal que não
conseguia sequer mexer um músculo. Quando a realidade parece ser difícil
demais, volto àquela rua, àquele momento e aprendo uma vez mais o que é a maior
dor do mundo.
Título e Texto: Luisa
Castel-Branco, Destak, 24-01-2012
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