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Foto: Getty Images |
José Manuel Fernandes
Às vezes não sei se os
políticos gostam de se enganar a eles mesmos ou se só pretendem enganar os
cidadãos. Ou iludi-los, para ser mais gentil. É que não sei que pensar quando
assisto, incrédulo, à viragem retórica a favor de “políticas de crescimento de
emprego” sem que se explique, minimamente, como se poderá chegar a esse
crescimento e emprego. Isto é válido para Portugal, é válido para a Europa e é
válido para a cimeira do G8.
É compreensível que os
dirigentes políticos, tendo de enfrentar eleitorados descontentes – quando não
furiosos -, procurem retóricas novas. Admito até que seja necessário falar mais
da luz ao fundo do túnel e menos do túnel. Mas não se devem vender ilusões: no
estado em que está Portugal, no estado em que está boa parte da Europa, supor
que é possível regressar a curto prazo ao “crescimento e emprego” ou abandonar
as chamadas políticas de austeridade não tem suporte na realidade. Aliás convém
ter presente que, apesar de toda esta dita austeridade, os gastos públicos no
conjunto da zona euro cresceram sete por cento (excluindo a inflação) entre
2008 e 2011.
Comecemos porém por tentar perceber
de que crescimento falamos quando falamos de crescimento. Como não sou
economista, vou recorrer a uma distinção feita por Pedro Pita Barros, da
Faculdade de Economia da Universidade Nova, no seu blogue Momentos Económicos.
Ele distingue o crescimento de curto prazo, no imediato, que “só pode ser feito aproveitando capacidade produtiva disponível e não utilizada”.
É este crescimento que a austeridade afecta, mas trata-se de um crescimento
baseado num consumo que, no nosso caso concreto, agravaria ainda mais a balança
comercial, pois não beneficiaria apenas as empresas portugueses, também
implicaria o aumento das importações. Mais: o “crescimento de curto prazo, por
aumento da despesa – investimento – pública, resultaria em expansão (ou menor
contracção) dos sectores favoritos, mas findo o período de expansão ter-se-ia
novamente a questão de como obter crescimento de forma mais permanente”. Ou
seja, teríamos mais défices e dívidas sem garantias de ter, depois, crescimento
sustentável.
Já para termos crescimento de
longo prazo “tem que ocorrer com novo investimento produtivo, o que demora
tempo e exige fundos para esse investimento”. Este crescimento não é
incompatível com a austeridade, pelo contrário: “A expectativa é que esta
permita novo investimento produtivo privado, com mobilidade de trabalhadores
(via desemprego, infelizmente) de uns sectores de actividade (em contracção)
para outros (em expansão)”. Ou seja, após um período doloroso, abre-se a
possibilidade de empresas mais competitivas assegurarem um crescimento mais
sustentado.
Durante as últimas décadas,
sob sucessivos governos, Portugal tudo fez para assegurar o crescimento de
curto prazo – muitas vezes indo ao ponto de subsidiar empresas inviáveis – e
acabámos sem crescimento e cheios de dívidas. Há um ano começámos a tentar
seguir um caminho diferente, por necessidade, talvez também por ideologia – e
não acho nada mal que exista ideologia, é para isso que se fizeram os partidos
-, e é ainda muito cedo para avaliar os resultados. Algo, no entanto, devíamos
admitir: regressar a qualquer modelo de curto prazo em nome de uma renascida
retórica “do crescimento e do emprego” não é alternativa. Gostemos ou não de o
dizer com frontalidade, melhor crescimento no futuro passa por austeridade no
presente, e se alguma coisa está longe de acontecer com as políticas do actual
Governo é termos a garantia de que os cortes já efectuados são permanentes e
que a despesa pública não regressa a galope mal se alivie o actual aperto.
Os portugueses estão fartos de
políticas de austeridade que levam a novas políticas de austeridade. Andam
nisso há mais de dez anos. E andam nisso porque houve sempre quem decidisse
desapertar o cinto cedo de mais: Santana Lopes depois do rigor de Ferreira
Leite, Sócrates à procura de reeleição em 2008/2009. O preço que estamos a
pagar é elevadíssimo, querer repetir o erro quando ainda não chegámos a metade
do período de ajustamento negociado com a troika é de quem não aprendeu nada
com erros recentes.
Depois, é preciso não ter
ilusões: não há nenhuma varinha mágica do crescimento na União Europeia, com ou
sem Merkel, com ou sem Hollande. Por uma razão simples, transparente para quem
leia a imprensa internacional: todos os programas que estão a ser discutidos
não implicam dinheiro novo, porque este não existe e ninguém se quer endividar
mais (sendo que muitos nem crédito têm). Ora sem ovos não se fazem omeletas.
Pretende-se, por exemplo,
duplicar a capacidade de investimento do BEI. Óptimo. Mas isso significa que
ela passará de 0,5 para um por cento do PIB europeu. Quase nada. Quer-se
reafectar os fundos europeus não gastos. Óptimo também. Mas estamos a falar de
montantes idênticos, isto é, igualmente muito reduzidos. (Dados de Charles
Wyplosz, professor de Economia Internacional em Genebra, em VoxEU.org).
Por outro lado, se a Alemanha
(a malvada Alemanha) aumentasse o seu défice público em um por cento do PIB
(muitos reclamam que a sra. Merkel gaste mais), isso apenas acrescentaria, na
melhor das hipóteses, 0,1 por cento ao PIB de países como a Irlanda ou a
Grécia. Nada, portanto (cálculo de Amit Kara, economista no UBS, Wall Street
Journal).
E fala-se, claro, de
eurobonds. Pessoalmente não é um modelo que me agrade, pois penso que
implicaria um nível de integração política insuportável numa União Europeia
onde não existe (e eu não acredito que possa existir nas próximas décadas) uma
democracia transnacional. No entanto, mesmo aceitando as eurobonds, estas, como
ontem se explicava neste jornal, só seriam realmente efectivas em modelos que
levarão vários anos a pôr no terreno. Não é por elas que virá o crescimento com
que querem aliviar a austeridade.
Já aqui denunciei, há umas
semanas, a vacuidade enganadora de promessas como as de “um novo Plano
Marshall”, uma ideia que, felizmente, não reapareceu na cimeira informal da
passada quarta-feira. Agora temos só agendas “para o crescimento” que talvez
ajudem a ganhar eleições mas não ajudam muito a resolver os problemas reais da
falta de competitividade de muitas economias europeias. Pior: em vez de se trabalhar
para conseguir diminuir os impostos – a melhor maneira de promover um
crescimento económico baseado na inovação e na competitividade -, não param as
conversas sobre novos impostos. Basta pensar que esta semana o Parlamento
Europeu aprovou a famosa taxa sobre as transacções financeiras que visa
extorquir mais 57 mil milhões de euros aos contribuintes do Velho Continente.
Assim não vamos longe. Não vamos mesmo a parte nenhuma.
PS1: Por razões óbvias (fui
director deste jornal), e por não conhecer em detalhe o que se passou no
interior do PÚBLICO, não comento o caso Relvas. Apenas digo que um ministro
que, bem ou mal, com ou sem razão, se vê envolvido, devido a um comportamento
impróprio, numa controvérsia como esta é um ministro que faz mal ao seu Governo
e à sua maioria. Goste-se ou não, em política o que parece, é, e Relvas parece
que esteve muito mal. Deve tirar as consequências.
PS2: Tenho visto acusar a
proposta do CDS de introdução de taxas moderadoras nos abortos voluntários de
ser “ideológica”. Eu gostava era de saber se também não é “ideológico” não
cobrar taxas nesses abortos por escolha quando estas até existem para as
cirurgias que os doentes não podem escolher fazer ou não fazer.
Título e Texto: José Manuel Fernandes, no blogue “Blasfémias”,
25-05-2012
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