Alberto Gonçalves
Exagera-se muito quando se
acusa os portugueses de falta de consciência cívica. Só esta semana houve três
admiráveis exemplos da nossa apetência para colocar o dedo na ferida, pôr os
pontos nos is e repetir clichés. O primeiro foi o Congresso da Cidadania,
Ruptura e Utopia, organizado pela Associação 25 de Abril, para pensar o estado
do país. Naturalmente, pensou-se que o país vai mal. Entre os participantes,
brilharam nomes como Marinho e Pinto (é um único indivíduo), Sampaio da Nóvoa
(autodesignado "presidenciável"), o Sr. César dos Açores, o penteado
de Paulo Morais e aquele rapaz do partido Livre. Melhor é difícil. Mas não
impossível: o tal Dr. Nóvoa confessou dever a Abril tudo o que é (?) e declarou
chegado "o tempo da coragem e acção". Garcia Pereira, aplaudido com
entusiasmo, mostrou--se contra a prisão de José Sócrates. E Vasco Lourenço,
promotor da coisa, exigiu a "autoridade moral de quem nos dirige" e
prometeu pela enésima ocasião nova insurgência, armada ou não. Em suma, ou o
povo desata a votar nas sugestões deixadas pelo Congresso da Cidadania, Ruptura
e Etc., ou o povo será endireitado à força. Se a democracia não aprendeu os
democráticos valores de Abril, a democracia precisa assaz compreensivelmente de
uma lição.
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Istambul, Turquia, 2013, foto:
Yannis Behrakis/Reuters
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O segundo exemplo de
indignação justa prende-se com o movimento Não Tap os Olhos, trocadilho que diz
tudo e que só por si merecia um prémio de criatividade. O movimento juntou no
Coliseu dos Recreios artistas que se opõem à privatização da companhia aérea.
Uma fadista explicou que a TAP não pode ser privatizada porque é um "valor
de bandeira". Um fadista esclareceu que a TAP não pode ser privatizada
porque um cunhado dele trabalhou lá. Carlos Mendes, Jorge Palma e Sérgio Godinho
desfilaram sucessos. Maria do Céu Guerra cometeu a leitura de um poema.
António-Pedro Vasconcelos falou em "delapidação do património",
ficando por apurar se se referia ao património da TAP ou ao dos contribuintes
que a financiam indirectamente e ao dos passageiros que directamente pagam
várias vezes o preço de um bilhete low cost. Certo é que cabe a cada português
assegurar que os artistas citados não descem à ignomínia de viajar em empresas
estrangeiras. Caso contrário, os artistas juntam-se aos restantes e hipotéticos
75 mil subscritores de uma petição à AR e, de modo a provar que não brincam com
o dinheiro alheio, compram a TAP só para eles.
Porém, o maior exemplo de
levantamento popular e espontâneo, até pela grandeza da causa, é o menos
noticiado. Falo evidentemente do Movimento Cívico José Sócrates, Sempre, com
vírgula e tudo. O MCJS,S foi fundado por um reformado da PSP, uma funcionária
autárquica, uma antiga professora e o inevitável empresário da Covilhã, cujos
filhos andaram, julgo que de livre vontade, ao colo do ex-primeiro-ministro. O
grupo convenceu-se de que Sócrates é um "preso político", encarcerado
por um "plano da direita" e mantido fechado por "forças
ocultas". Nem de propósito, respondem com um hino de apoio que inclui
versos tão belos quanto: "Liberdade não morre/Nem silêncio pesado/De um
povo a entristecer/Por te saber tão magoado".
Afinal, sob as grilhetas da
troika e a opressão reaccionária, Portugal agita-se. E só um desmancha-prazeres
diria que, para isto, mais valia estar quieto.
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