José Manuel Fernandes
Não,
Portugal não merecia isto. Muito menos os portugueses que, nestes anos, pelo
que fizeram e se esforçaram, nos devolveram esperança no futuro. Isto não. Isto
foi uma campanha fixada no retrovisor.
É deprimente. É pior ainda do
que tínhamos previsto. É um tormento que só desejo que possa acabar já este
domingo, sem reprise pois nada o justifica.
Imagino que muitos leitores
não tenham aguentado ver todo o debate “a nove” da passada terça-feira. Só
posso manifestar a maior das compreensões por quem, nessa noite, desligou da
campanha e daquele palco na Fundação Champalimaud. Os que o não fizeram só
podem ter acabado a pensar que o país merecia melhor do que aquilo. E por
“aquilo” refiro-me não apenas ao espectáculo de um debate rasteirinho,
rasteirinho, mas também a nunca ter havido tantos candidatos presidenciais
por onde escolher, mas só ter para escolher entre aqueles que ali estavam (mais
Maria de Belém, que não participou).
Já nesta coluna me lamentei,
há não muitos meses, do que sentia ser a angústia do eleitor no palco dos presidenciáveis. Isto é, a de com tanta
fartura de candidaturas nos arriscarmos a não termos nos boletins de voto uma
opção que nos satisfizesse. Aquilo a que assisti na terça-feira confirmou os
meus piores receios.
Primeiro, a sensação de que
aquele grupo de pessoas vive numa espécie de universo paralelo e num Portugal
que só parece existir na sua imaginação. Com excepção de Henrique Neto, nenhum
foi capaz de dizer com clareza que se cometeram excessos no passado e, muito
menos, que foram esses excessos que nos obrigaram a chamar a troika. Nenhum
reflectiu sobre a forma como Portugal escapou ao caminho da Grécia, uns
passando uma borracha sobre um passado recente de que não querem falar, como se
os seus protagonistas tivessem peçonha, outros apresentando o regresso ao passado
como sendo a chave do futuro.
A forma como o tema das 35
horas na administração pública foi debatido mostrou bem a cobardia de uns e a
irresponsabilidade de outros. Ninguém, ninguém mesmo, foi capaz de responder
frontalmente à questão colocada pelos jornalistas de existirem dois regimes de
trabalho na nossa sociedade, o das 35 horas semanais dos que trabalham para o
Estado, e o das 40 horas para os que estão no sector privado. O tema escalda,
bem sei, tal como sei que ninguém quer correr o risco de alienar o voto dos
funcionários públicos. Mas, meu Deus, não poderia alguma daquelas almas ter
dito ao menos duas coisas muito simples: a primeira, que essa diferença de
regimes é iníqua; a segunda, que antes de começarmos a trabalhar menos horas
temos antes de gerar a riqueza necessária para pagar as horas a mais de
lazer de que vamos beneficiar? Seria isto tão difícil de explicar aos
eleitores? Creio que não, mas a verdade é que todos acabaram por se aferrar à
estafada conversa dos “direitos adquiridos”.
Mas houve pior – houve a
cavalgada eleitoralista e demagógica em torno das subvenções vitalícias para
quem, até 2005, ocupou cargos políticos, um daqueles temas que tem o condão de
incendiar a indignação da populaça, pois foi exactamente no registo de quem fala
para a populaça que Marisa Matias explorou o filão, elaborando sobre
mistificações que fiquei sem perceber se derivam da sua ignorância, se da sua
costela populista. O desnorte foi tal que Sampaio da Nóvoa, que dentro da sala
perdeu o comboio para esta mina de popularidade fácil, veio logo à
saída anunciar que renunciaria à sua subvenção, como se não existisse um
regime especial para os ex-Presidentes, até porque deles se espera que
continuem a servir a República.
Um debate com nove candidatos
à Presidência em que o momento mais alto foi aquele em que Vitorino Silva, o
Tino de Rans, se virou para Marisa Matias, lhe agarrou na mão e anunciou que
passaria a tratá-la por tu é um debate que nunca saiu ou da insignificância, ou
da pequena picardia, ou de proclamações ocas, cheias de vento e vazias de
sentido.
No fundo aquilo a que
assistimos não foi mais do que uma demonstração, ao vivo, da pobreza desta
campanha. Por acção ou por omissão.
![]() |
Henrique Neto |
Esta devia ter sido a campanha
em que se tinha de falar de todas as nuvens que se acumulam no horizonte de
Portugal e da Europa, mas aconteceu o inverso, como divagações sobre afectos,
elucubrações sobre a nobreza do carácter ou delírios sobre um miraculoso “tempo
novo”. Foi a campanha em que se confirmou que Maria de Belém nunca teria asas
para voar. Se comprovou que Sampaio da Nóvoa é como um disco rachado a repetir
sempre as mesmas frases redondas mas sonantes. Se verificou que Paulo Morais
tem uma obsessão, a corrupção, e dela não sai. Ou que Henrique Neto, por mais
meritório que tivesse sido o seu esforço para discutir o futuro do país, não
conseguiu fazer-se ouvir. Dos outros, dos completos outsiders, não
ficará registo para a história, mesmo que o simpático e humilde calceteiro de
Rans venha a revelar-se como uma espécie de alternativa ao voto em branco de
muitos eleitores.
E claro, houve também Marcelo
Rebelo de Sousa. Já escrevi várias vezes sobre ele – quem não escreveu? – e
estive agora mesmo a reler uma crónica de há ano e meio sobre aquilo a que
chamei “a
insustentável leveza do professor Marcelo”. Não lhe alteraria uma
palavra, mesmo sendo ela dirigida ao comentador televisivo. Mas ao mesmo tempo
que assumo o meu desconforto com as indefinições do candidato e nunca consigo
saber até onde vai a sua sinceridade e onde estão as suas convicções profundas
em temas políticos centrais, não tenho nenhuma dúvida que existe um oceano de
distância entre o que representa, o que sabe, o que viveu, o que conhece, o que
pode fazer pelo país e aquilo que nos propõem a generalidade dos outros
candidatos. Há sobretudo um mundo que o separa do seu principal adversário,
essa invenção da retórica barroca que se chama Sampaio da Nóvoa, um professor
que conseguiu chegar a reitor sem ter obtido nenhum dos seus títulos académicos
em Portugal, um académico que não tem investigação de relevo publicada em
revistas internacionais, mas mesmo assim um sedutor e alguém que teve artes de atribuir, como reitor da Universidade de
Lisboa, doutoramentos “honoris causa” aos três ex-Presidentes da República que
o apoiam.
Portugal e os portugueses
podem estar cansados das discussões políticas depois de dois meses de uma
tensão e de divisões que não conheciam há décadas, mas a verdade é que não
voltámos a estar todos de acordo sobre os melhores caminhos para o país. Não
existe esse consenso mole que pareceu resultar dos debates presidenciais, em
que ninguém quis fugir daquilo que pensavam que os portugueses queriam ouvir –
isto é, que os tempos em que o dinheiro parecia chegar para tudo estão de
volta.
Não é assim, tanto mais que a
Europa – e Portugal também – não deixaram de estar divididos entre, como
descrevia há tempos o Wall Street Journal, “uma cultura que privilegia o sector
privado e que acredita que o crescimento sustentado depende das exportações e
do investimento e, por isso, enfatiza políticas destinadas a garantir mercados
abertos e competitivos e leis laborais flexíveis; e uma cultura baseada no
sector público e no poder dos sindicatos que acredita que o crescimento depende
de colocar mais dinheiro no bolso das pessoas e, por isso, favorece políticas
keynesianas assentes num aumento da despesa pública, no encorajamento do
endividamento, na protecção dos empregos e em salários crescentes”.
O que é que o próximo
Presidente da República – que creio não deixará de ser Marcelo Rebelo de Sousa,
e que só ganhamos se isso se resolver já este domingo – pensa sobre estas
clivagens não sabemos. Só sabemos, e mal, o que ele e os outros pensam das
subvenções vitalícias, a única coisa que se discutiu nos últimos dias.
Não, Portugal não merecia
isto. Muito menos todos os portugueses que, nos últimos anos, pelo que fizeram,
inventaram e se esforçaram, nos devolveram alguma esperança de que existe um
futuro. Isto não. Isto foi uma campanha fixada no retrovisor.
Título e Texto: José Manuel Fernandes, Observador,
22-1-2016
Marcações: JP
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