Alberto Gonçalves
No instante em que escrevo, arriscando a
ultrapassagem pelos acontecimentos, cada homem é suspeito, e provavelmente
culpado, de praticar ações ou pensamentos pecaminosos face à sua semelhante.

Há meses, Hollywood descobriu
que certos cavalheiros do “meio” abusavam do respectivo poder para se aliviarem
sexualmente com as senhoras que se punham, ou eram postas, a jeito. Antes tarde
do que nunca. Pelo menos desde 1921, quando o então popularíssimo “Fatty”
Arbuckle foi acusado de esventrar uma aspirante a atriz com uma garrafa de
Coca-Cola, a indústria do cinema é fértil em animação de bastidores. Sob a
histeria punitiva dos “media”, Arbuckle viu-se julgado, depois ilibado, e por
fim profissionalmente arruinado.
No clima atual, o julgamento é
imediato, mas o desfecho é similar. Basta que X, soluçante, afirme ter visto o
pénis de Y nos idos de 1992 para que Y seja responsável por perversões
inomináveis e banido da sociedade decente. Não importa que, no mundo das fitas
e no mundo cá fora, as matérias sexuais se mostrem particularmente pródigas em
alegações falsas. O berreiro decidiu, está decidido: a necessidade de provas é
um pechisbeque dispensável, o tipo de atitude que costuma inspirar belos
episódios. No processo, quase no sentido kafkiano do termo, destroem-se vidas e
carreiras. Por reflexo, lamento todos os inocentes. Por puro egoísmo de
espectador, e por ser amigo de um amigo, lamento Louis C.K.
É plausível que haja
violadores autênticos, a pedir penas sociais e judiciais sortidas. O chato é
que, sem surpresas, muitas das mais empenhadas militantes da inquisição em
curso conviveram jovialmente durante anos com muitos dos mais empenhados
abusadores do ramo. Ao longo de décadas, os múltiplos talentos de Roman
Polanski suscitaram apenas indiferença. E a sra. Meryl Streep, a figura que
melhor representa o ridículo de Hollywood e, talvez, do Ocidente, manteve longa
e frutuosa amizade com Harvey Weinstein, que hoje é, a acreditar nos “media”
(eu sei, eu sei), o Demónio em forma de gente. Aparentemente, as proezas
lúbricas do sr. Weinstein pertenciam ao domínio público e só se tornaram
condenáveis no momento em que a condenação se converteu num espasmo coletivo e
obrigatório.
Para cúmulo, no espasmo vale
tudo e confunde-se tudo. Confunde-se estupros com festinhas no ombro,
chantagens com piropos, violência com engates e, principalmente, mulheres que
foram abusadas de fato com mulheres que fingem ter sido abusadas de modo a não
perderem lugar na plateia dos linchamentos. É evidente que, ao valorizar-se
vítimas imaginárias de crimes imaginários, acaba-se a desvalorizar-se vítimas
reais de crimes medonhos. E acaba-se a colaborar no crime.
No instante em que escrevo,
arriscando a ultrapassagem pelos acontecimentos, a situação é a seguinte: cada
homem é suspeito, e provavelmente culpado, de praticar ações ou no mínimo
pensamentos pecaminosos face à sua semelhante. A caça aos bruxos decretada
pelas celebridades espalha-se pela América inteira e, alimentada por relatos
sem confirmação, arrasa a título preventivo inúmeras criaturas. Vozes
progressistas exigem a censura de filmes, livros, peças e pinturas em que a
Mulher, com maiúscula, não é retratada segundo critérios específicos.
Como é que se chegou aqui, em
Hollywood e no resto? A teoria divide-se. Uns sugerem a perversão (graçola não
intencional) do feminismo original, que começou a exigir igualdade e termina a
menorizar as pobres, ingénuas e desprotegidas fêmeas. Outros referem a
progressão natural do “politicamente correto”, agora em rédea solta rumo à
demência. Há ainda os que lembram o ódio da esquerda à masculinidade, a
tradição moralista do marxismo e diagnósticos assim discutíveis.
Se me permitem (que remédio),
apresento, assaz sumariamente, a minha tese. Um pedacinho da história da
humanidade é a história da repressão sexual, que antes de ser um produto das
religiões é um produto da natureza humana. Mesmo sem a crença no divino, o
homem – e a mulher, acrescente-se para fugir a equívocos – haveria sempre de
arranjar maneira de crer no gozo em proibir o gozo alheio, na cama e onde
calha. Não é a religião que tenta impedir-nos de comer sal ou bolachas. A
vontade de limitar “excessos” paira por aí, à espera dos zelotas que a transformem
na sua “causa”. Em Hollywood, território propenso a tarados de orientações
várias, encontrou imensos.
Notas de rodapé
1. Consta que,
este ano, a “taxa do audiovisual” aumentará 6%, agravando a conta da luz. É uma
óptima notícia por dois motivos. Por um lado, porque confirma a prosperidade
que tomou conta dos portugueses, hoje tão prósperos que podem suportar sem
dramas, e até com certo gosto, qualquer dos inúmeros aumentos de impostos que
em boa hora lhes despejam em cima. Por outro lado, porque permite aos cidadãos
patrocinarem com verbas crescentes uma instituição como a RTP e adjacências,
instituições cujo mérito está escarrapachado nas centenas de milhões que
anualmente nos custam. Não consumo a RTP e não conheço quem o faça, mas não me
custa nada, exceto uns euros por mês, dispensar uns euros por mês a fim de
sustentar as maravilhas que sem dúvida por lá se cometem, vulgo o “serviço
público”. Não o veria nem que me pagassem. Como não vejo, pago eu. Faz sentido.
2. E aquilo do sr.
Lula? Alguém acredita que um socialista possa ter delapidado em diversos
milhões o povo que tanto adora? Alguém acredita que um ex-sindicalista possa
ser um rematado ladrão? Alguém acredita que o homem que cruzou o oceano para
apresentar uma obra de José Sócrates possa estar no centro de um dos maiores
esquemas de corrupção que o mundo conheceu? Eu não acredito. Para mim, é golpe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-