A sua vitória, mais do que a vitória de um
homem, foi um grito de revolta da América profunda a favor de certos valores da
América, dos interesses da América e contra uma ideologia que avança na Europa,
mas muitos americanos rejeitam
José António Saraiva
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Donald Trump e Vladimir Putin,
julho de 2018, foto: Pablo Martinez Monsivais/AP
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Já escrevi que Trump me faz
lembrar o dono de um saloon no velho far west. Imagino-o a dar umas palmadas no
rabo das dançarinas enquanto espreita para dentro dos folhos que lhes cobrem o
peito, disparando uma piada brejeira.
Também pode dizer-se que Trump
trata as relações externas como fossem negócios privados, comportando-se como
um capitalista sem grandes escrúpulos e não como um homem de Estado. E que tem
poucas maneiras e mente com frequência. Mas afirmar-se que vai para os
encontros com homólogos sem fazer «a menor ideia» do que irá dizer-lhes, isso
não lembra ao careca!
SERÁ QUE NÃO EXISTEM assessores
na Casa Branca? Que o Presidente dos EUA prepara as cimeiras fechado no
gabinete oval, sozinho, a olhar para o ar a ver se lhe vem alguma inspiração?
Quem conhece os americanos
sabe que, nas reuniões, eles estão sempre entre os mais bem preparados. Levam
as coisas muito a sério e são focados e pragmáticos. Sabem exatamente o que
pretendem de cada reunião e não divagam. Podem não saber muito de outros
assuntos, mas sabem o que estão a fazer ali.
Ora, sendo este o
comportamento-padrão dos americanos nas reuniões internacionais, será plausível
que o responsável máximo do país vá para uma cimeira com um ‘rival’ sem saber o
que lá vai fazer, nem quais são os pontos sensíveis, os objetivos pretendidos,
os interesses da América nos assuntos a tratar?
Será isto credível?
Como é possível um professor
universitário dizer uma tonteria destas?
O QUE SE DIZ sobre
Trump roça às vezes o ridículo. E há acusações estranhas. O caso da
interferência da Rússia nas eleições americanas continua a ser para mim um
mistério. Quase todos os dias há uma nova notícia sobre o assunto. Mas tudo o
que retive até hoje das sucessivas notícias é que «houve interferência da
Rússia nas eleições presidenciais americanas». Já ouvi esta frase dezenas ou
centenas de vezes. Mas ainda não percebi em que consistiu a ‘interferência’. Os
russos entraram no sistema de contagem dos votos? Adulteraram os resultados
eleitorais? Se não foi isto, o que foi? Influenciaram os eleitores nas redes
sociais? Mas isso qualquer pessoa ou entidade pode hoje fazer! Também terá
havido com certeza movimentos nas redes sociais a favor de Hillary Clinton.
Na semana passada, aliás,
Putin disse com toda a razão que as acusações à Rússia «lançavam no ridículo o
sistema político americano». De facto, se é tão fácil influenciar eleições
presidenciais na América, é porque o sistema político é ridiculamente
vulnerável…
CONFESSO que nunca tinha visto antes um Presidente dos EUA ser tão
atacado. Uma vez eleito, o Presidente tornava-se ‘o Presidente de todos
americanos’ e ninguém mais o discutia. Podia haver casos como o folhetim
Clinton-Monica Lewinsky, mas eram coisas localizadas. Ora, com Trump, há um
desgaste diário, a oposição e os media não descansam, parece que estamos em
Portugal no tempo de Passos Coelho…
Claro que há razões para
isso.
Trump foi o primeiro líder
ocidental a pôr fragorosamente em causa a globalização. Afirmou o primado da
América - «America first» -, impôs limites à imigração e denunciou tratados
internacionais tidos como ‘sagrados’. Disse muitos disparates, mas não teve
medo de enfrentar os dogmas do ‘politicamente correto’, combatendo as chamadas
‘causas fraturantes’ - como o aborto ou o casamento gay.
ASSIM, a sua vitória,
mais do que a vitória de um homem, foi um grito de revolta da América profunda
a favor de certos valores da América, dos interesses da América e contra uma
ideologia que avança na Europa, mas muitos americanos rejeitam.
E a verdade é que, para lá de
baralhar o jogo internacional - como o provam as cimeiras com Putin e Kim
Jong-Un -, Trump vai somando vitórias na frente interna: a economia está a
crescer acima dos 4% e o desemprego situa-se nos 3.7%.
Sendo verdade que é muitas
vezes arrogante, que pode ser vulgar, não ter maneiras, dizer disparates, ser
grosseiro, Trump não é atacado por isso: é atacado por ser contra a
globalização, por querer travar a imigração, por não partilhar de certas
‘causas’.
Assim, ao atacar-se Trump, não
é só o homem que se ataca - é uma visão do mundo que está em brutal conflito
com o ‘ar do tempo’ e com algumas práticas acarinhadas no continente europeu e
em certos círculos intelectuais e artísticos dos EUA. Neste sentido, o homem é
muito inconveniente.
Título e Texto: José António Saraiva, SOL, 21-8-2018
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