Pode-se acusar as “autoridades” de falta de
competência, não de falta de coerência: desde o princípio que mantiveram um
nível invejável de contradições, negações, recuos e genérica desorientação.
Alberto Gonçalves
A coisa aconteceu no ano da graça de 2020.
Logo no início, notícias em rodapé mencionaram um novo vírus nascido na China,
similar a outros que iriam dizimar a humanidade e foram descartados em dois
meses. A partir de fevereiro, as notícias atingiram dimensão suficiente para
inspirar os nossos governantes a comentá-las. Uma ministra, a da Agricultura,
disse que o vírus favoreceria as exportações portuguesas para o Oriente. Um
ministro, o da Economia, disse que o vírus não afetaria as contas locais, com a
eventual excepção de um sector irrelevante como o turismo. Uma ministra, a da
Saúde, disse o que lhe vinha à cabeça. A senhora da DGS apresentou-se
gloriosamente à nação e, estabelecendo um padrão cômico que não sofreria
abalos, garantiu que o vírus não chegaria cá.
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Graça Freitas, diretora da Direção Geral de Saúde, e Marta Temido, ministra da Saúde |
Nos idos de março, o vírus
chegou e, conforme costuma afirmar a propósito disto e daquilo, o prof. Marcelo
afirmou que “tudo estava a ser feito” para lidar com o bicho. Em seguida,
fechou-se em casa a engomar roupa e a desperdiçar testes de diagnóstico. O dr.
Costa exibiu a capacidade de liderança de uma Bimby e, receoso dos efeitos do
pânico coletivo nas sondagens, acabou por fechar o que jurara não fechar e por
manter aberto o que devia ter sido fechado. Enquanto a senhora da DGS
recomendava visitas a lares de idosos e o BE explicava que o vírus era um aviso
dos deuses para acabar com o capitalismo, desceu-se ao “confinamento”, a
princípio com as fronteiras abertas para apanharmos ar. À cautela, decidiu-se
espatifar a economia.
Durante semanas, o país
fechou. Os portugueses, assustados face à gripe e mansos face ao poder,
recolheram aos respectivos lares e os espaços públicos ficaram desertos a ponto
de se ouvirem moscas e, a partir das janelas, os berros dos inúmeros “bufos”
que esta história revelou, a interpelarem com insultos o ocasional transeunte.
Nos espaços privados, ouviam-se as televisões, que viram na “pandemia” uma
panaceia à sua inevitável redundância e apostaram no fomento da histeria.
Alguns “pivôs” acharam natural partilhar desabafos líricos com as audiências.
Todos os canais alinharam na propaganda do Governo e na alucinação de que
estávamos, cito, em guerra – uma guerra onde as trincheiras fossem trocadas
pelo sofá da sala e a artilharia inimiga pelas séries da Netflix. Para não haver
dúvidas, transmitiram-se imagens, fora do tempo ou do contexto, de valas comuns
em Nova Iorque, caixões empilhados em Itália e motins na Inglaterra. Era o
chamado esforço patriótico, que motivou panegíricos também na imprensa ao
desempenho das “autoridades”: os jornais competiram pela capa mais babada com a
senhora da DGS, que gostava de orquídeas, aconselhava o abastecimento em
“hortas de amigos” e, à época, proibia o uso de máscara.

Na preparação da “nova
normalidade”, afinal a instauração de uma “democracia” sem escrutínio nem
escolha, não se dispensou a “novilíngua”, com os “distanciamentos sociais” e
“etiquetas respiratórias” a simular uma aura “técnica” por cima de uma ofensiva
política. Enquanto se cozinhava por exemplo o assalto ao Banco de Portugal e a
conquista de 95% dos “media” por subvenção, as televisões enchiam-se de
“especialistas” em contágios e nevoeiro, que mostravam curvas estatísticas e
asseguravam, mês após mês, que “as próximas duas semanas serão decisivas”. Nos
intervalos, condenavam-se as carnificinas na América, no Brasil e no Reino
Unido, e não as carnificinas assaz superiores na Espanha, na Bélgica e na
Itália. E nunca o pandemónio português, oficialmente designado por “milagre”.
A 13 de Maio, o “milagre
português” não pôde celebrar-se em Fátima. Porém, no dia 1, o PCP pôde
arregimentar os serviçais dos “sindicatos” no centro de Lisboa. Há religiões
privilegiadas. Somado à pândega do 25 de Abril, o Dia do Trabalhador deu o
pretexto para o Governo admitir, sem admitir, que exagerara nas restrições e,
entusiasmado com a subserviência, arriscava afundar o país numa miséria ao
estilo venezuelano. Os portugueses, ou a parte deles que não decidiu
enclausurar-se até 2032, começaram a ter indicações, e às vezes ordens, para
“desconfinar”.
De repente, o vírus que antes
nos mataria a todos tornou-se “uma realidade com que deveríamos aprender a
conviver”, gênero um cunhado aborrecido. Em simultâneo, as “autoridades”
passaram a reconhecer que a Covid era suficientemente inócua para nos esfregarmos
por aí e suficientemente perigosa para o fazermos com máscara “social”,
pechisbeque cuja súbita imposição decorreu menos de descobertas científicas do
que de negócios cometidos por “personalidades” do PS. Pode-se acusar as
“autoridades” de falta de competência e de decência, não de falta de coerência:
desde o princípio que mantiveram um nível invejável de contradições, negações,
recuos, discriminações, mentiras, delírios e genérica desorientação.
Ao longo de junho, as pessoas
regressaram à vidinha, salvo as que perderam o emprego e as que se enfiaram
indefinidamente debaixo da cama. O número de infectados, que à semelhança do
resto da Europa vinha a descer, desatou a subir, na capital e nos municípios
vizinhos. Os culpados? Obviamente, a quantidade de testes e duas ou três festas
“ilegais”. Obviamente, o Primeiro de Maio, uma curiosa manifestação
“antirracismo” ou o espetáculo, com presença do PR e do PM, de um comediante
afeto ao regime não permitiriam tal patifaria. Quando, num dos momentos mais alucinados
do último meio século, o PR, o PM e três ou quatro apêndices anunciaram a
realização de uns jogos da bola (“um prêmio aos profissionais de saúde”), já
era nítida a essência do “milagre português”. A acompanhar a ruína econômica,
surgiu o embaraço epidemiológico: em matéria de vírus, os portugueses
transformaram-se nos proverbiais sarnosos, proibidos de entrar em diversos
países civilizados e humilhados pela imprensa estrangeira, que o Governo se
esqueceu de subornar. A sucessão de contratempos enervou o gentil dr. Costa
que, à míngua de um velhote para surrar, insultou a ministra da Saúde,
desconsiderou o prof. Marcelo e lançou mais regras aleatórias para arrasar os
negócios que sobreviveram à DGS e à órbita do PS.
E estamos nisto, desprovidos
de dinheiro e responsabilidade, de vergonha e turistas, de prestígio e
respeito. Dizia alguém que a comédia é tragédia mais tempo. Tempo não temos.
Tragédia temos em excesso. 2020 é um ano sem graça nenhuma.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
27-6-2020, 0h02
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