O Decálogo em “seis” leis
Carlos Aurélio
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Obra de Spagnoletto, 1636, foto: José de Ribera |
Asserção inteligente. A moral
dominante em sua melhor versão anda por aqui.
O Ocidente como civilização
assenta em três pilares que o Papa Bento XVI bem distinguiu: a religião
judaico-cristão, a filosofia grega e o direito romano.
Desde há vinte séculos que o
pensamento da Grécia e a lei de Roma receberam a fecundação do espírito cristão
em particulares interpelações e relações. Assim se fez a Europa.
Todavia, o iluminismo da
Revolução Francesa interrompeu essa tríade, alienou o centro do triângulo onde
habitava Deus, ou melhor, reduziu Deus a uma referência mental, ora adjacente,
ora tolerada. Ofuscada pela luz da razão, apagou a fé.
A moral daí advinda cindiu o
Decálogo, reduziu-o aos apelos de cidadania e os ditos direitos humanos que
aliás, só poderiam ter nascido numa civilização de matriz cristã, ganharam
autonomia saindo da Casa do Pai.
Neste exílio estamos afastados
do remoto Sinai e da voz de Deus. Os direitos humanos deveriam ser, antes de
mais, deveres de quem se sabe criatura querida e amada, digna da imagem e
semelhança do Criador.
A moral revolucionária funda-se em humanismo exclusivista, exclui Deus e é, por isso, a mais sutilmente escravagista. Querer ser livre sem Deus é tornar-se escravo de si mesmo e dos homens, pois há sempre um lugar de transcendência que a imanência totalitária preenche.
Nenhuma civilização persiste
sem símbolos religiosos, nem que seja a demonização humano a inventá-los. Terra
sem céu é coisa de toupeiras.
A prova patente da exclusão de
Deus é que entre cristãos, batizados e crentes, mesmo os que rezam, poucos
entre nós sabemos de cor os Dez Mandamentos. Não os sabemos de cor porque os
excluímos do coração. Vale bem o tempo, ao menos agora, passá-los debaixo dos
olhos.
1º Adorar a Deus e amá-Lo
sobre todas as coisas;
2º Não usar o Santo Nome de
Deus em vão;
3º Santificar os Domingos e
festas de guarda;
4º Honrar pai e mãe (e os
outros legítimos superiores);
5º Não matar (nem causar dano,
no corpo ou na alma, a si mesmo ou ao próximo);
6º Guardar castidade nas
palavras e nas obras;
7º Não furtar (nem
injustamente reter ou danificar os bens do próximo);
8º Não levantar falsos
testemunhos (nem de qualquer outro modo faltar à verdade ou difamar o próximo),
9º Guardar castidade nos
pensamentos e desejos;
10º Não cobiçar as coisas
alheias.
Os Mandamentos do Sinai são
dez “palavras” (Dt 10:4) ou deveres nos quais habita o elo entre terra e céu,
entre homens e Deus. Gravados em duas pedras abertas formam entre si e
eticamente uma cruz: os três primeiros levam à haste vertical, os seis últimos
à trave horizontal e o quarto é o seu cruzamento. Não honrar Pai e Mãe é
começar a perder o sentido do céu.
Relendo os Dez Mandamentos
inscritos pela “Mão de Deus” (a mão manda ou ordena) logo se percebe que os
três primeiros se orientam verticalmente a Deus: adorá-lo acima de qualquer
outro propósito na vida, não usar o seu Nome como coisa manipulável,
santificá-lo, isto é, separá-lo da mundanidade.
Os outros sete ensinam a justa
relação terrena e horizontal, o nosso comportamento mútuo, sendo que o quarto,
não por acaso, faz de charneira, isto é, dá-se nele o encontro que do mais alto
da terra sobe aos céus: o Pai e a Mãe simbolizam o ponto culminante da
realização humana, a conjugação do amor que dá frutos, seja pelo matrimônio
conduzindo os filhos a Deus, seja pelo sacramento da ordenação, espiritualmente
similar. Daí, chamarmos Padre ao sacerdote, porque Pai espiritual, Madre à Mãe
superiora entre irmãs para Deus.
Reparemos: mais do que amar o
verbo é honrar Pai e Mãe, amor espiritual, pois a honradez devida pressupõe a
dignidade que jamais pode decair em baixo prosaísmo.
Os pais refletem Deus na
igreja da família. Exemplo simples: uma discordância colérica pode cair em
feios insultos entre amigos, colegas ou outras camaradagens horizontais, mas
nunca deve tocar a dignidade vertical pela qual honramos os Pais ou superiores
que sabemos legítimos. Isso, jamais!
A Revolução Francesa
introduziu na História a categoria social da ruptura que se exige definitiva.
Insubmissões e revoltas sempre existiram, algumas bem legítimas repondo paz e
justiça, mas, é bom de ver, não equivalem a revoluções que, aliás, nunca
reformam ou corrigem, apenas destroem.
O povo, porque trabalha para
poder viver, não faz revoluções, guerras sim. A revolução demora tempo, é coisa
de intelectuais ou de gente com rendimentos, de revolucionários profissionais
que não precisam de trabalhar.
Veja-se com exatidão as personagens
que chefiaram a Revolução Francesa ou todas as de cariz comunista: não há
capitalistas burgueses na primeira, operários ou camponeses nas segundas.
A mente revolucionária
diviniza uma corrente de progresso indefinido a que chama utopia e que a história
futura confirmará. Absurda mentira! Por definição, a utopia não tem lugar e a
história, da qual não podemos sair, não nos dá a justificação dos maus meios
para se atingirem bons fins, até porque estes, por utópicos, nunca se atingem.
Comunismo e nazismo persistem
hoje por essa razão, para trás foram enganados, coisas que correram mal! O
politicamente correto nasce daqui, é a política correta ajustada à atualização
revolucionária, a boa cidadania obrigatória e totalitária.
A ideologia de gênero, a agenda
LGBT, é a versão eficiente e limpa da guilhotina moderna, uma nova Praça da
“Concórdia” que asfixia o mundo!
Voltemos aos três pilares do
Ocidente. A filosofia grega, Platão e Aristóteles, há séculos que a modernidade
dela se separou até à lógica analítica, irrealismo consumado.
O primado do direito que,
desde Roma, nunca prescindira do princípio religioso, há muito que decaiu em
mero contrato social.
Quanto ao terceiro pilar, uma
visão apressada aceitará o Decálogo cristão como que plasmado em cidadania.
Todavia, como demonstrado, tal asserção foi paulatinamente revogada pelo
espírito revolucionário que impregna a vida atual.
Anulados os três primeiros
mandamentos ficaram resquícios dos outros, os necessários à boa ordem moral e
social: Deus é referência particular de que a sociedade prescinde, um humanismo
sem transcendência dirige o sentido progressivo da História.
Os ditos mandamentos sociais
servem hoje um pós-cristianismo analgésico, sem dor ou sacrifício, sem dogmas
nem doutrina. Chegamos à fase crucial de apagarmos o quarto mandamento, bastam
seis! Agora já não é dever honrar Pai e Mãe, podemos só tê-los como amigos.
E, depois, a demoníaca agenda
da ideologia de gênero: a aniquilação da família, o ódio explícito às palavras
fundacionais (pai e mãe), as inversões desconstrutivistas (infantilismo,
igualitarismo educativo, relativismo espiritual).
Tudo somado e diminuído, parece
restar a Igreja Católica sobre a qual, garantiu Cristo, as portas do inferno
não prevalecerão. Todavia, inúmeros padres, tanto esquecem que são pais
espirituais como omitem os três primeiros mandamentos.
Dizem e repetem que basta
ouvir o grito do pobre e do próximo, o da terra e o da natureza. Claro, e isso
sempre fez a santidade da igreja, o que deixamos de ouvir foi o clamor pela
salvação das almas.
O homem só tem esta vida
terrena? Deixou de haver vida eterna e cidade de Deus? Venceu a revolução
francesa na cidade dos homens?
O Decálogo conhece-se no amor
a Jesus Cristo que, aliás, o reduziu a duas leis: “Amarás o Senhor teu Deus com
todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente. Este é o maior
e o primeiro dos mandamentos. E o segundo é semelhante ao primeiro: amarás o
teu próximo como a ti mesmo”.
Reparemos, sem o primeiro que
é o maior, o segundo mandamento perde o sentido como água derramada na areia.
Só amo verdadeiramente o meu próximo se tudo fizer, até dar a vida, para que
ele conheça o amor a Deus e a sua misericórdia. ”O meu Reino não é deste mundo”,
assegurou Jesus a Pilatos. De que serve amar o próximo na justificação do
aborto, da eutanásia, nos desvarios sexuais, no relativismo e no pecado, se
nisso ele perder a sua alma?
Na conversa diletante que
acabou séria, tendo inteligência, faltou ao meu amigo a fé de um coração
inteligente, assim pediu Salomão.
Sem Deus o mérito de amar não
é absolutamente real, falta-lhe a graça do Alto, fica pelo sentimento humanista
e a filantropia social nos quais, por norma, a vaidade ceifa o amor.
Título e Texto: Carlos Aurélio, o Diabo, nº 2310, 9-4-2021
Digitação: JP, 20-4-2021
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