Pedro Almeida Vieira
Na pulsação apressada do mundo
contemporâneo, onde os fluxos informativos são tão líquidos quanto voláteis, é
tentador recorrer a imagens fortes para adquirir uma sensação de domínio
explicativo. Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto em fim de mandato — e
putativo candidato a Presidente da República —, lançou num podcast do jornal
Eco uma dessas imagens — poderosa, sim, mas também grosseiramente equívoca.
Afirmou ele que “Portugal foi o último país a abolir a Inquisição e, portanto, vamos seguramente ser o último a abolir as redes sociais, que hoje são uma forma de inquisição”.
Poder-se-ia dispensar o
exagero retórico — e a falta de rigor sobre Portugal ter sido, ou não, o último
país a extinguir a Inquisição —, não fosse o peso institucional e simbólico da
figura que o proferiu. Mas já que a analogia foi feita, convém destroçá-la com
o mesmo ou maior vigor com que foi propagada. Não porque as redes sociais sejam
oásis de virtude — estão longe disso —, mas porque a comparação com a
Inquisição não é apenas lamentavelmente desonesta: é historicamente ignorante,
politicamente oportunista e, mais grave, intelectualmente preguiçosa.
A Inquisição — essa sim — foi
um sistema institucional de controlo dogmático, sustentado pelo poder
eclesiástico e laico, com tribunais secretos, denúncias anónimas, censura
oficial, tortura sancionada, autos-de-fé e penas de morte reais. Funcionou
durante três séculos e servia os interesses conjugados do trono e do altar. Era
uma máquina silenciosa e implacável de sufocar dissidência, pensamento
herético, irreverência científica ou religiosa. As vítimas não escolhiam estar
sob o seu escrutínio. Eram silenciadas, não amplificadas. Punidas, não ouvidas.
Desaparecidas, não partilhadas.
Comparar isto — este período
sombrio da nossa História — às redes sociais é mais do que um ultraje: é,
francamente, uma estupidez.
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