Nunca houve governante
tão esclarecido, como atesta o grande historiador Cide Hamete Benengeli.
Próximo da unanimidade era o seu índice de aprovação entre os que ganham sem
trabalhar, colhem sem plantar, são diplomados sem aprender ou contratados sem
merecer. Resultado invejável, nunca visto na História. Qual o segredo de tanta
eficiência?

Servindo-se de vastíssima
cultura popular, presente nos milhares de livros que nunca leu, nas centenas de
bares que frequentou, nas dezenas de greves que incentivou, no único emprego
pessoal (do qual escapou), ele falava a linguagem que o povo gosta de ouvir:
piadas, palavrões, promessas, arroubos, provérbios.
Ah, os provérbios! Ele os
enfileirava um atrás do outro, sem quê nem pra quê, num processo conhecido nas
ilhas vizinhas como ensartar refranes. Muitas vezes os provérbios
continham metáforas futebolísticas, assunto no qual sua competência era tão
formidável quanto nas marcas de aguardente.
A profusão de provérbios tinha
proverbial fundamentação doutrinária, digamos, como registram os documentos
históricos de Benengeli: Provérbios velhos são evangelhos / Provérbios
são arreios para qualquer cavalo / Com um provérbio se governa uma cidade / Com
pouca cabeça se governa o mundo. Havia provérbios justificando malfeitos: Qualquer
que seja a conduta, há um provérbio para apoiá-la / Provérbios são muito úteis,
quando nada nos justifica.
A máquina governamental, bem
aparelhada e lubrificada, girava lucrativamente de acordo com o comando emitido
por outros provérbios: Mateus, primeiro os teus / Cada um puxa a brasa
pra sua sardinha / Raposa que dorme não apanha galinha / O sol nasceu para
todos, e a sombra para os espertos. Iludia-se quem esperasse tratamento
equânime: Para os amigos, tudo; para os indiferentes, a lei; para os
inimigos, a justiça morosa e corrupta / A lei não ajuda aos que dormem / Os
ausentes estão sempre errados. Até os adversários políticos aderiam, pois pra
burro enfeitado não faltam noivas.
Para a outra parte da
população baratariana (aquela cujo trabalho sustentava a ilha) valiam outros
provérbios reconhecidos e praticados, por isso não precisavam ser lembrados
pela propaganda: A fome inventou o trabalho / A necessidade faz o sapo
pular / A vida é dura pra quem é mole / Deus ajuda a quem cedo
madruga. Eles trabalhavam de fato, pois bem sabiam: Saco vazio não
para em pé / Casa que não tem pão, todos brigam e ninguém tem razão. E a
experiência diária comprova:Maré alta eleva todos os barcos.
O modo de tratar os
subalternos seguia provérbios rígidos e implacáveis: O peixe graúdo
come o miúdo / Quem manda no terreiro é o galo / Manda quem pode, obedece quem
tem juízo. E a reputação do governante estava muito bem protegida: Que
te adianta ladrar, se estás em baixo e eu em cima? Quando patrão canta,
empregado bate palmas / Pode-se enganar os mandarins, mas nunca insultá-los.
Os idosos e ajuizados, que
conheciam as fraquezas da espécie humana, acendiam uma luz de advertência: Em
vez de dar o peixe ao pobre, ensine-o a pescar / Não basta ter farinha e ovo, é
preciso saber fazer o bolo. E mostravam que fazer caridade não é
função do governo: O bem que o governo faz, faz mal feito; e o mal que
o governo faz, faz bem feito / O governo faz cortesia com chapéu alheio.
Outros baratarianos advertiam: Quem cabrito dá, e cabra não tem,
explique de onde o bicho vem / Não dê o passo maior que as pernas / Se a bota é
larga, não enfie os dois pés.
As advertências não
adiantavam, pois deficiências óbvias impediam o grande governante de aproveitar
este provérbio importante: Pra quem sabe ler, um pingo é letra.
Recomendaram pôr a barba de molho, mas ele entendeu como raspar a
barba. Também não conseguiam bater na cangalha para o burro entender;
nem adiantava piscar o olho, aviso que só basta para bom
entendedor.
Insensível às advertências, o
casal Pança achava que ladrão endinheirado não morre enforcado. Foi
aí que a porca torceu o rabo, e resultou que o grande governante deu
com os burros n’água. Quanto à governanta ajudanta, já não havia solução: a
vaca foi pro brejo.
Título, Imagem e Texto: Jacinto Flecha, 21-02-2014
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