Aparecido
Raimundo de Souza
Com carinho,
para Heitor Melo Magalhães
EM UMA
PISCINA de plástico retangular de três mil litros de água cercada pela calmaria
de um quintal de muros altos, uma simplória réplica de um MSC feito pelo avô do
pequeno Heitor (de seis anos) à custa de uma simples folha de papel arrancada
às escondidas do caderno de sua mãe, a jovem Luana Cristina, o guri
terrivelmente travesso lança à agua de um azul límpido e transparente, com
muito cuidado e uma pitada enorme de esperança o seu frágil brinquedo
construído pelo pai de sua mãe. Essa embarcação pintada com vários lápis
coloridos (ele não sabe, não entende, mas cá entre nós), é extremamente
franzino e raquítico. Contudo, depauperado e quase sem forças, se projeta aos
olhos do piá como um paquete ágil e cauteloso, soberbo e indestrutível. Ele foi
construído à base de sonhos e fantasias, se fez conhecido por carregar muitas
histórias de sua dona nas antigas aulas da faculdade de enfermagem.
E agora, do
nada, desliza suavemente enlevado pela brisa amena que sopra sem pressa e
parece dançar sorridente na sua lerdeza, sobre as ondas diminutas que se formam
por baixo de seu casco quase todo encharcado. Contudo, bem sabemos, Heitor
desconhece o futuro da criação que lhe foi dada de presente. Nem sempre o
destino aos nossos olhos é um lago sereno, ou uma piscina de plástico
retangular com capacidade para três mil litros de água no escondido de um
quintal de muros altos. Às vezes, um diminuto vapor de papel pintado pode se
encontrar em águas de traços estranhos, ou em situações perigosas, onde o risco
de naufragar no próximo minuto se faz cada vez mais presente –, ou melhor
explicado –, cada vez mais flagrante e iminente. As cálidas águas tranquilas da
piscina, num repente inesperado podem dar lugar a correntezas impetuosas. Por
assim, o que deveria ser um divertimento caseiro para um inocente sem visão do
agora, menos ainda do porvindouro, pode se tornar em uma luta ferrenha pela
sobrevivência.
Nessas
águas, o transatlântico de Heitor enfrenta tempestades inesperadas. Se depara
com chuvas torrenciais invisíveis, e se vê colhido por ventos fortes que o
fazem bater perigosamente contra a sua superfície delicada. Para piorar o
quadro, ondas gigantescas açoitadas pelas batidas das mãozinhas do pirralho,
ameaçam engoli-lo a cada novo milésimo de segundo. Entretanto, apesar das
intempéries, a piroga segue lisonjeira e destemida pervagando em frente. Peleja
com o fôlego de um leão indomável e não se entrega aos percalços da má sorte.
Aos tapas e beijos, sopapos e petelecos, a débil folha transformada numa
espécie do lendário Titanic navega trôpego aos olhos do seu dono e senhor, com
a coragem indômita de um Sansão, de um Super-Homem. De um herói afoito e
peitudo, invencível, aguerrido e resoluto, que sabe e mesmo se conscientizando
pequeno, possui a força hercúlea de continuar avançando, tentando não soçobrar.