Aparecido Raimundo de Souza
Um.
O sujeito pega o telefone e enquanto liga para o amigo vai
se desfazendo dos sapatos e das meias pelo meio do corredor a caminho da
cozinha. Fala:
Carlos - “Alô?... Luiz, seu bobalhão, sou eu, o Carlos.
Neste exato momento acabei de chegar em casa vindo do prédio onde funciona seu
escritório. Toquei a campainha uma porrada de vezes e ninguém atendeu. Sua
secretária não veio trabalhar, ou não quis abrir, sei lá. A garota da sala ao
lado, de nome Bethânia, chegou às oito horas e dez minutos e, me vendo impaciente,
andando para lá e para cá, feito couro de pica, e àquela hora da manhã,
ofereceu um copo de água gelada, um cafezinho que fez na hora e, depois, caneta
e papel. Não podia simplesmente ir embora ou virar as costas”.
Dois.
Carlos continua, eufórico. - “Achei por bem enfiar por
debaixo da sua porta, um bilhetinho simples para você saber que realmente
estive lá. O negócio é o seguinte: procurei feito um imbecil o nome que você me
passou, ontem, por telefone. Fui em todas as livrarias da cidade (são quase
vinte) e não encontrei nenhum livro de Julia Petit.”
“Aliás, Luiz, ninguém conhece Julia Petit por aqui. Liguei
para sua casa e consegui falar com a sua filha. Ela confirmou o nome da
criatura: realmente Julia Petit, com o tê mudo no final. Argumentei que na
pressa, talvez você tivesse me passado o nome errado. Quem sabe, não fosse
Julia, mas Rulia, Nulia, Sulia, Vulia, ou qualquer coisa parecida. Sua filha
garantiu que era Julia, até soletrou, jota de jaca, u, de uva, ele, de laranja,
i de indelicadeza e a de amendoim. Parti, então, para o Petit. Não seria Petite
com e, ou Petitte com dois tês? Acho que consegui tirar a sua simpática mocinha
do sério. Nas ligações seguintes a jovem só não me chamou de santo, mas
percebi, pela alteração da voz, que meu papo estava se tornando chato e
incômodo”.
Três.
Carlos segue falando, ininterruptamente: - “Insisti em
continuar a conversa, mas ela, com a grosseria e o atropelo que rondam a cabeça
da juventude, acabou por me mandar tomar naquele lugar por onde expelimos
nossas fezes, ou seja, o cu. Não contente, meu amigo, pá, desligou na minha
cara. Fiquei como um abestalhado, a boca aberta, as palavras entrecortadas na
garganta, o telefone no ouvido e o troço: tu... tu... tu... tu... tu... tu...”.
“Você sabe muito bem, amigo Luiz, que odeio quando alguém
interrompe a ligação, sem mais nem menos, e eu fico boquiaberto, feito um
panaca, sem saber o que fazer com o auscultador na mão. Pior é o tu... tu...
tu... tu... tu... tu...”.