Aparecido Raimundo de Souza
COMO EU GOSTARIA de ser a rede em que você se deita de calcinha e sutiã e
perscruta a noite clara num firmamento mavioso! Ou, de outras vezes, sem nada
cobrindo as suas intimidades, estirada na cama vazia, no aconchego do seu
quarto, totalmente exposta ao silencio, onde a sua pele repleta de pecados,
clama endoidecida por alguém que não existe e você, por conta, se embriaga,
desvairada, nos matizes mais eversivos, se alimentando de um vazio obeso que
não lhe dá um segundo de trégua.
No pior dos mundos, me contentaria em ser seu lençol, seu travesseiro,
seus olhos que a tudo transpassam, bem ainda seu gatinho de pelúcia, ao qual
você se abraça, ou o tapete... ou no esquisito de um estado infrene: as suas
pantufas. Ainda que assim me sentisse, às rés do chão, subiria ao céu montado
num cavalo veloz se me fosse dada a oportunidade de afastar definitivamente a
solidão incomodante que ronda o seu mundinho atarantado de visões imaginárias
que não se concretizam. Eu seria, acredite, o homem mais feliz do planeta.
Me pegaria realizado e dono do seu corpo inteiro. O seu “eu” é um
relicário sutil de poemas e eu os leria inebriado de uma felicidade
“dementadamente” rara. Meus dias seriam alegres e saltitantes. Quiçá minhas
horas, do amanhecer ao acordar, até o instante de voltar aos macios da alcova.
Certamente meu conjunto de expectativas futuras fluiriam com mais intensidade e
esperança. Eu não me incomodaria em velar seu sono, acariciar seu rosto de
menina-flor, bulinar no íntimo do seu regaço e descobrir, inebriado, os
segredos que nele se escondem além do portal “sentinelado” por uma infinidade
de calcinhas minúsculas que você gosta de usar depois que sai do banho.
Ah, se eu tivesse a sorte de lhe apertar em meus braços!... tocaria cada
parte da sua intensidade ambígua, bulinaria no seu “todo-mulher,” romperia a
circularidade do anfêmero numa evolução que começasse no simples gesto de
dormir agarradinho, ou de conchinha... e, logo em prossecução, meu Deus,
escreveria a historicidade de um conto de fadas que me transpusesse o “ser
alguma coisa além de um simples patrão.” Juro que iria buscar lá no distante da
sua alma, todas as coisas boas que você guarda em segredo numa caixinha à sete
chaves.