domingo, 24 de dezembro de 2023

[As danações de Carina] Para o Natal em nossa volta, eu gostaria de dizer que...

Carina Bratt 

SOU UMA MULHER que não gosta de ser vista como uma cama desfeita. Ou um quarto em total desalinho, as roupas de uso diário espalhadas pelos cantos disputando um lugar no escurinho do armário. Menos ainda me policio para não deixar as louças amontoadas na pia da cozinha, ou o banheiro sujo, fedendo a privada sem o botãozinho ou a cordinha da descarga. Desde pequenininha, mamãe me ensinou a ser perfeccionista. Vejam bem, caras amigas e leitoras. Não a ponto de me tornar uma chata de galochas. Ao oposto,  uma criatura centrada na limpeza, no decente, no básico... um ser que tivesse o dever de viver no singelo, no conforto de um ambiente limpo e purificado, ainda que essa residência fosse capenga da luxuria, sem o brilho ofuscante das riquezas e ‘superfutilidades,’ contudo, um quadrado acolhedor, que se mostrasse aos outros, de maneira esmerada cheirosa... cada coisa no seu devido lugar e que no geral, não fizesse as pessoas do nosso cotidiano (notadamente as vizinhas de porta-com-porta às nossas fuças) se sentirem avexadas, aturdidas, os olhos escancarados, as bocas mergulhadas em palavras que traduzissem antipatias e ‘repulsações’ seguidas de narizes torcidos por estarem pisando um ‘território cavernoso’ ou desproporcional aos  costumes da boa e querida higiene. Acho que até o momento, tenho conseguido.

Nunca me prestei para as habilidades de camuflagem. Qualquer que bater no meu pedacinho de céu, encontrará uma vivenda cheirosa e perfumada. Um clima que não me deixará envergonhada, ou pior, não permitindo que a visita caminhe à esmo, por exemplo, da sala para o quarto ou para qualquer outra dependência, e se veja assombrada, atônita, com aquela vontade ‘coçante’  e inquietante de ‘cair fora’ o mais rápido possível, em face de ter encontrado um domicílio irregular e cheio de baratas vestidas à rigor, desfilando sobre a mesa, ou um bando de formigas esfomeadas disputando aos tapas e beliscões as migalhas de comidas nos baldes destinados aos entulhos com viagem só de ida para o dispensário onde se alojam todos os detritos do prédio onde tenho meu apê. Não sou rica, nem pobre. Me situaria na escala da moderação e do comedido. Transito entre o meio termo, sem precisar me preocupar com o que farei para mandar para a barriguinha dia seguinte. Minha geladeira é farta. Meu rancho (como papai chamava o local de todas as compras), se prostra entulhado das guloseimas que gosto. Graças à Deus, vivo tranquila dentro do limite do salário que ganho. Pago em dia minhas contas e não me descabelo a ponto de pular da varanda, numa viagem catastrófica em vista dos cartões de crédito me torrarem os fundilhos dos ouvidos ligando o dia todo numa imploração arrochada para que os tire o mais urgente possível do vermelho.

Não existe situação mais vexatória que pessoas cobrando na porta, ou ‘interfonando’ e a gente precisar (precisando, kikikikikiki) se disfarçar de gata fujona para que os coletores de carnês, ou os prestamistas não consigam nos enxergar. A mãe, repetindo, me ensinou os caminhos das pedras (sem as pedras) para não se pegar envolta em embaraços. Papai idem. Resumindo, para se viver feliz, desfrutando de uma tranquilidade ímpar, a solução é uma só. Simplória, por sinal. Não se meter em dívidas inchadas, empapuçadas de carnês que mês a mês arrancam as nossas calcinhas e nos deixem à beira de um ataque de nervos. O mais degradante: completamente pelada às mordidas dos credores. O conselho que gostaria de grafar às minhas leitoras e amigas da ‘Grandiosa Família Cão que Fuma.’ Não coloquem as mãos ou os pés, onde não se consiga ver o alcance ou o tamanho do buraco. Não comprem o que não faz falta. O supérfluo que fique quietinho naquele estado amortecido do esquecimento. Não se metam em dívidas impagáveis. Desviem como o diabo da Cruz, dos débitos que em meses à porvir sequioso lhe tirarão o sono e a paz de espírito. Procurem ser sábias, metódicas, mesuradas, enraizadas num espírito liberto de descontroles momentâneos. Se afastem quilômetros das bobagens que só acarretarão em transtornos e muitas e muitas dores de cabeça. Viver bem não é se enfiar numa redoma de vidro. 

Vivem bem é seguir adiante, em tranquilidade e ter cautela, muita cautela.  Propiciar afeto e estima pela sua bolsa, ser esperta e safa com seus cartões de crédito. Reserve uma graninha extra para uma eventualidade. Não importa o valor. Os imprevistos acontecem quando menos se espera. Nunca empreste dinheiro. Melhor dar e dizer, ‘não precisa me pagar. É um presente.’ Em tempo algum deixe seus cartões de crédito em poder de amigas. Em festas de fim de ano, como o Natal que está a poucos minutos. O Natal é uma das festividades que nem usam os elevadores. Sobem aos trancos e barrancos pelas escadas, obviamente para chegarem mais rápido. Amigas, fiquem espertas.

No mais, euzinha desejo a todas as minhas leitoras, um FELIZ NATAL. Que Jesus Cristo não venha ao nosso encontro ou se aproxime de nosso cotidiano para uma visita somente nesse fantástico VINTE E CINCO DE DEZEMBRO, em todos os demais dias que o Pai Maior, em sua Santa e auspiciosa Graça Divinal Imorredoura nos destinou para serem vividos.

Termino com um poema de José Antonio Jacob, das Minas Gerais.
‘Se não houver partilha de bondade
Não há Natal na vida que amenize
A dor profunda da desigualdade
Ente os irmãos de casa e de marquise...’


Título e Texto: Carina Bratt, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 24-12-2023

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