quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Restos mortais de informação

José Mendonça da Cruz

Há anos, em tempos, o Jornal de Notícias foi um jornal generalista no sentido mais honroso do termo, um broadsheet magnífico que não desaproveitava o espaço, aliás, necessitava dele. É que, além das notícias nacionais, o JN noticiava tudo o que se passava no Norte, desde um acidente de viação menor até ao obituário de um cidadão comum. Como para o antigo New York Times antes de tornar-se militante de causas, podia-se dizer do JN que se não vinha lá noticiado era porque não tinha acontecido.

Depois, como a maioria dos media portugueses, o JN diminuiu de tamanho físico e ético, para adoptar o comportamento da moda: enfeudamento à esquerda, enviesamento sem limite, agendas especiosas e adjetivadas, omissões selectivas, etc.

Há dias, na Sic, uma repórter constatava, perplexa, que a inflação era de 2% e já não de 8 ou 9%, e que, no entanto, «os portugueses ainda não o sentem na carteira», sendo, portanto, que para a repórter, quando os preços em vez de subirem 10% sobem 2% os portugueses poupam imenso.

Há dias, na mesma Sic, a notícia sobre o fecho de urgências e as filas de espera de horas nas que estavam abertas, começava com a frase: «O ministro da saúde está preocupado...» -- sendo que para a Sic a notícia era, portanto, não o caos nas urgências, mas a preocupação do Ministro.

A mesma Sic hoje, interroga-se se o ministro da Saúde quer ou não ser ministro da Saúde do próximo governo, que a Sic sonha, portanto, socialista. Na Sic, qualquer socialista tem longos minutos de antena. Já as declarações de qualquer membro da oposição são omitidas; ou então transmitidas com abundância de adjectivação e reservas; ou então atalhadas com frases do tipo: «Foi o essencial das afirmações de...»

Hoje, na TVI e na Sic, as declarações de Passos Coelho sobre o legado de Costa foram imediatamente acopladas ao comentário que sobre elas faz José Sócrates. E, não contentes, os «jornalistas» foram esperar António Costa à saída de um jantar de Natal do PS para que ele dissesse também o que pensa (e lá obtiveram a palavra «azedume», com o sorriso cínico do costume). Na RTP, por sua vez, um pivô sugeria a um entrevistado que as palavras de Passos Coelho condicionam o PSD.

E, depois, os telejornais da Sic, e da Tvi, e da RTP embebem-se no jantar de Natal do PS, espojam-se no Natal do PS, para ouvirem mais Pedro Nuno Santos, e mais António Costa, e mais quem venha ao pé de microfone satisfazer-lhes o enlevo socialista.

Na RTP3 a audiência sobre o caso EDP é anunciada em rodapé com o chamariz «três governantes ouvidos» no tribunal, sem distinguir obviamente, os que são ouvidos como testemunhas.

Nos intervalos de comentário da Sic, Ricardo Costa, irmão de António Costa, mostra-se especialmente activo na crítica à justiça no caso do irmão, e no enunciado da lista dos problemas que, segundo ele, o PSD tem.

E nos telejornais todos, os «jornalistas» excitam-se com Santos e Carneiro, com a eleição de Santos, o futuro de Santos, as visitas de Santos a oficinas ferroviárias, e as medidas que o ministro da saúde diz que teria tomado se o governo não tivesse acabado tão cedo, e as vantagens que a ministra das pescas conseguiu para as mesmas, e as descobertas do ministro da educação à última hora etc., etc., etc. E a cada crítica do PSD, da IL, do Chega, do Bloco, do PCP, os telejornais adicionam alguma réplica de algum ministro socialista. Já o que algum ministro diga, vale como ouro de lei.

Há dias, o pessoal do JN veio à rua manifestar-se contra a ameaça de despedimento, e lamentar o futuro incerto do jornal. Televisões, rádios e jornais vivem com dificuldades e subsídios socialistas (mas o CM, não. Mas o Observador, não). E isto, que há tempos me suscitaria alguma solidariedade corporativa e retroativa, deixa-me hoje indiferente. Aliás, decidi que depois das eleições, e seja qual for o resultado, deixarei de ver telejornais, deixarei de ser destinatário dessa mistura geral e abjecta de ignorância, iliteracia e parcialidade -- uma contribuição mínima, mas honrada, para a baixa de audiências.

Ontem, ao ver um filme de qualidade num canal pago, chamaram-me a atenção as várias barragens de publicidade, que ali estão seguramente, porque os anunciantes sabem que têm ali audiência. E isso alegrou-me por ver que não estou sozinho no repúdio ao que não presta, por um lado, e na adesão ao que vale a pena, por outro. 

Título e Texto: José Mendonça da Cruz, Corta-fitas, 19-12-2023

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