Aparecido Raimundo de Souza
EU ESTAVA NERVOSO, curioso por saber uma coisa que havia ouvido o Carlinhos falar, lá na escola, na hora do recreio. Resolvi perguntar para o tio César, embora, de antemão soubesse que ele não daria nenhuma resposta coerente, pois vivia pelos cantos, bêbado feito uma mula, acorrentado numa atmosfera de refluxo impenetrável, quase subversiva. Mesmo assim, arrisquei. Quem sabe ele acordasse para o mundo... de repente:
— Tio César, vá à merda é com pauzinho ou sem?
— Que pauzinho, Toninho? Que pauzinho?
— Aquele em cima do a.
Tio César olhou para um lado, depois para outro. Mal distinguia em que canto, à sua frente eu me encontrava:
— Acho que é com pauzinho. Pergunte ao seu avô. Ele sabe tudo.
De fato. Corri para o lado de meu avô numa agilidade furiosa. Vovô deveria estar na sala, vendo televisão, ou conversando com a vó Benedita.
Vovô realmente estava no lugar de sempre. Não conversando com a vó Benedita, mas naquele momento, com a atenção voltada para o jornal que chegava todas as manhãs trazido por um rapazote que passava de bicicleta e jogava o embrulho na varanda. Ao entrar no aposento que formava a peça, com minhas preocupações de criança à tiracolo, logo que o vi acomodado na cadeira de balanço predileta, defronte a televisão que falava para as paredes sem sequer pedir a benção, como sempre fazia e com o atropelo da idade que me empurrava para frente e a atmosfera da ansiedade no coração, não perdi tempo e mandei bala:
— Vovô, vai à merda...
Vovô largou o jornal num canto e se virou para mim, furioso:
— Seu cachorro de uma figa. É assim que fala com os mais velhos? Vou te dar uma coça...
Levantou de repente e juntando a ação às palavras abriu a correr na direção onde eu me achava parado:
— Espera, vovô, eu só queria saber se vai à merda é com pauzinho ou não.
— Nada disso, seu pestinha. Você me mandou à merda.
— Juro que não, vovô. Eu só perguntei...
— Então por que está correndo?
— O senhor jogou o jornal para cima, as notícias caíram no chão, e a sua fúria saiu junto com a sua cara de poucos amigos atrás de mim...