Recapitulemos. A 4 de Outubro,
a vitória da coligação de "direita" e da "austeridade"
provou que o povo é masoquista e retardado. Horas depois, ou o tempo necessário
para contar os deputados, apurou-se que afinal a maioria do povo derrotou a
"austeridade" nas urnas e concluiu-se, com alívio, que o povo
masoquista e retardado é minoritário. O exercício, então, consistiu em parodiar
na internet e na nobre arte do comentário político a falta de competência
aritmética da "direita", já que 122 lugares na AR são mais do que 107
- "Qual é a parte que não percebem?", repetia-se por aí. Dada a
suprema importância dos parlamentares, exigia-se que o PR indigitasse a aliança
de esquerda sem ouvir nenhum. Enquanto isso, insultava-se "o Cavaco",
que por sua vez indigitou Passos Coelho. Derrubado Passos Coelho, reclamou-se a
nomeação imediata do Dr. Costa, ameaçou-se com baderna pública e decidiu-se que
"o Cavaco", entretanto ocupado a receber meio mundo, não respeita a
Constituição e o eleitorado, embora o homem agisse de acordo com a primeira e
tivesse sido eleito em duas ocasiões pelo segundo (a parcela masoquista e
retardada). Tudo, da sagrada "lei fundamental" à plebe, existe apenas
para ser torcido a benefício da vanguarda esclarecida.
Hoje, com a cedência do PR à
piedosa mentira da "inevitabilidade" do governo PS, enterrou-se
(entre insultos) "o Cavaco" e passou-se a biografar os membros da
coisa como se os ditos fossem para levar a sério. Não são. Desde logo, são, sem
excepção ou dúvida, cúmplices de uma golpadazita - inteiramente
"conchcinal", dirá o Dr. Costa -, o que por si define o respectivo
carácter. À lupa, são no máximo antigos serviçais da autarquia, zombies
"socráticos", favores, flores, emissários de interesses, em suma
ninguém. Dissecar o currículo formal de cada um, mesmo agrupando os diversos
agregados familiares que por lá andam, tem utilidade reduzida e não será grande
contributo para prever o futuro e a essência do novo tempo, do novo homem,
enfim da nova ordem emergente. A nova ordem está nos pormenores, e nem se
esgota no rancho que tomou posse há dias.
Está, por exemplo, num
primeiro-ministro que troca o jargão político por um jargão pessoal vagamente
aparentado ao português (se ler conforme fala, o "brilhante
negociador" ainda irá a meio do clássico Anita Vai ao Circo). A nova ordem
está num ministro das Finanças que parece saído dos flashbacks de Family Guy e
entrado no circo a que a Anita foi. Está num candidato presidencial oficioso
que promete "puxar por Portugal" e, juro pela minha saudinha, ser
"um saca-rolhas". Está no ex-governante suspeito de múltiplos crimes
que palmilha o território nacional em missão evangélica. Está numa ex-ministra
da Cultura, e vibrante entusiasta da "situação", que avisa no Twitter:
"Há [sic] direita prefere-se que não se emitam opiniões." Apesar
disso, é "há" esquerda que as opiniões incomodam mais.
A nova ordem está na
fresquíssima secretária de Estado da Igualdade ou da Fraternidade, que em
tempos explicou no Facebook: "Como sabem eu [sic] não tenho por hábito
fazer sensura [sic], mas não tulero [sic] insultos (...)". E está no
sensor, perdão, censor que saltitou da ERC para a tropa, com escala pedagógica
a norte. E está na sugestão do Sr. Seixas da Costa, personalidade conhecida por
zelar pela educação parisiense do Eng. Sócrates e por se indignar com a falta
de "estrelas" Michelin em Portugal: "A ideia não será popular,
mas não seria a ocasião para se introduzir uma transparência total nas redes
sociais acabando com o anonimato?" E está no assombroso Dr. Ferro. E no
nobilíssimo Dr. César dos Açores. E em sujeitos que passeiam títulos e pêlos
nas orelhas em simultâneo. Quem é essa gente, Deus do céu?