Aparecido Raimundo de
Souza
RESOLVI QUE NESTA
NOITE, depois de tantas tentativas infrutíferas, comeria a Kátia, nem que fosse
à força do meu canibalismo adormecido. Tipo assim, no tapa. Na marra. Ainda que
tivesse de prendê-la à minha cama com algemas ou corrente com cadeado. Ela vinha
me cozinhando os pecaminosos do amor proibido em banho morno há exatos dois
meses. Quando a gente se encontrava no hall do restaurante onde ela trabalhava
como caixa, dava todas as dicas possíveis e imagináveis de que pretendia se
entregar para mim de qualquer jeito. Às
vezes, nessas loucuras de mandar dicas, extrapolava. Aforava além dos limites
do ponderável.
Apertado com meus
botões, amava quando ela fazia isso. Pisava nas nuvens e voltava correndo, como
se montado num Pégaso de galope violento e dinamicamente expedito. Havia um
número de mesas muito grande dispostas no salão imenso. Geralmente eu me
acomodava num móvel que ficava solitário logo no portal de acesso, a meio metro
dela, de onde podia captar todos os seus movimentos mais sacanas sem ser
importunado ou seguido por outros fregueses mais afogueados. Por sua vez,
Kátia, se amoldava na cadeira alta do caixa, procurando imprimir posições
exóticas que bem sabia, seriam absolvidas por mim, de frente, sem refreios
rodeios ou barreiras.
Do seu banco de
encosto alto, e no roteiro das artimanhas, a desejada mandava beijinhos,
desenhava coraçõezinhos com as mãos. Piscava, revirava os olhos, passava a
língua em redor dos lábios. Chupava os dedos como se imitasse um abocanhar
guloso em câmera lenta. Esses mimos me deixavam excitados, o sangue correndo
nas veias numa rota à mil, e pior, os meus dentes resmungando entre salivas,
uma série de mordidas engolfadas no apertado desconfortante da boca costumada a
triturar qualquer coisa que pintasse pela frente. Noutras oportunidades a
belezoca ia mais longe. Desembestava os sentidos. Arreganhava as pernas e me
deixava entrever a lingerie colorida tamponando a porta secreta do pecado em
ebulição.
Todavia, quando nos
encontrávamos fora dali (no instante em que a resgatava na saída, quase às duas
da manhã), nos abrigávamos dentro do aconchego de meu carro. Agarradinhos,
partíamos sem mais demora, para o bem-bom, ou seja, na ânsia em que nos entrelaçávamos,
dávamos vazão a um sacolejo de corpos sitibundados. Meu Citroen C3 Aircross,
mais afoito que eu, passava à impressão de que explodiria. Nessa energia
dominante, viajávamos entremeados a beijinhos de línguas e trocas vertiginosas
de salivas se incandescenteando em delírios ebulitivos. A vontade de partir
para os finalmente, nessas horas, latejava disparatada.