Aparecido Raimundo de Souza
BOTARAM NA CABEÇA do Chifrâncio que a mulher dele, a jovem e estonteante Galhôncia de vinte, estava com o coisa ruim no corpo. Era só tirar a moça do sério, que o troço estranho baixava. E aterrissava feio. Chegava chutando cadeiras, mesas, espelhos, batendo porta de geladeira, xingando palavrões, os cambaus. O que quer que fosse que dava na Galhôncia, parecia esperto demais para ser de outro mundo. “A coisa” não rasgava dinheiro, não comia merda, não pulava na frente de carro em movimento e tampouco abria o gás da cozinha ou “desescancarava” as janelas. Sem contar nos dons naturais. Tinha a diva, além da sensualidade à flor da pele, do corpo perfeito e um rabo de fechar o comércio, um par de ouvidos para nenhum otorrinolaringologista botar defeito. Escutava até pelos cotovelos o que não devia – ou melhor –, o que interessava para ela colocar sentido.
A primeira a se defrontar com a “entidade” foi Solange, a empregada.
— Socorro, socorro, alguém me ajude. Dona Galhôncia está possuída. Acabou de espalhar pelo chão da casa todas as tranqueiras que estavam no guarda-roupas...
A segunda foi uma vizinha, moradora em frente, dona Mulamba, conhecida no pedaço como a “fofoqueira oficial.”
— Meu Deus – dona Galhôncia deu às mãos ao capeta. Puta que pariu. Espatifou contra a parede toda a prataria que ganhou no dia do seu casamento. Que desperdício, que falta de juízo, essa maluca...
Galhôncia ou o que estava no corpo dela não se fez de rogada.
— Quem deu às mãos ao capeta foi a senhora sua mãe, sua enxerida. Vá de reto! Vou lhe arrancar essa peruca fajuta nos dentes e morder as suas partes traseiras até seu cu fazer bico.
Chifrâncio, completamente atordoado, não sabia mais o que fazer para afastar a companheira das garras do mal. Seria mesmo do mal? Quando a infeliz se transformava, ele praticamente entrava em pânico. Chorava feito bezerro desmamado. Seu Nicanor, dono da padaria, vendo a situação, e se compadecendo do sofrimento do amigo, recomendou uma benzedeira. Uma tal de “Vovó Mara de Ogum,” que operava milagres do arco do tinhoso. A tal da vovó foi chamada uma vez, mas não deu jeito.
— Isso é feitiçaria – Alertou Zé Cristo – proprietário da birosca.
— Você acha?
— Acho. Leva a sua amada no centro da dona Pombinha – obtemperou o Expedito, da funerária.
Chifrâncio, por conta de tantos apelos, visitou uma dúzia de terreiros e centros espíritas, bem como igrejas, pastores e benzedeiras. Em cidades do interior, é o que mais se pode ser achado. Qual o quê! A cada nova investida o demo ou o que quer que perturbava a paz da boa alma, vinha com mais vigor e sentava o porrete com força total.
Em meio dessa confusão, apareceu o Sanhudo, um vendedor ambulante de mel e de queijos, que morava num sitio nos arredores do lugarejo.
— Dona Galhôncia precisa é tomar “Chá de pau comprido...”
Chifrâncio mais perdido que cego em tiroteio, se interessou.
— Pau... como é, Sanhudo? – “Pau comprido”?
— Exatamente, meu prezado. Ficará boa na hora... “Pau Comprido”, para ela, será tiro e queda.
— E onde se acha esse tal de “Pau comprido?”. É algum remédio caseiro? Erva do mato, tipo um preparado que alguém manipula?
— Nem uma coisa, nem outra...
— Então?
— Já ouviu falar no Lisbêncio Chinelato, o carroceiro?
— Por acaso é um pretão –, ou desculpe –, um negão de uns vinte e poucos anos, um varapau compridão... um cara sarado desse tamanho, que mora pelo menos uns trinta quilômetros depois da estação de trem aqui da nossa cidade?
— O próprio – asseverou o Sanhudo. Por qual motivo não arrisca? Você não terá nada a perder... pelo contrário... dona Galhôncia...
— Espera lá – se alterou Chifrâncio. Arriscar o quê? Não estou entendendo aonde o amigo quer chegar.
— Estou sendo claro. Pega a visão, mano. A dona Galhôncia – me perdoa o que vou falar... a sua encantadora esposa, com todo respeito, precisa entrar no pau... quero dizer –, no chá do “Pau comprido” do Lisbêncio Chinelato.
Chifrâncio, atarantado, fora de si, inopinadamente pulou no pescoço do Sanhudo com uma faca que nunca se separava dela. Se embolou com a dita, meio da rua, furioso, espumando ira por todos os poros. Juntou gente. A galera de amigos que conhecia os contendores, se envolveu, na contenda, meio que às carreiras e fez o “desapartamento.” Nesta altura, o Sanhudo (não fosse o Zé Cristo da birosca –, seu Nicanor da padaria –, e o Altamiro do açougue, entre outros), o desgraçado do Sanhudo, furado igual peneira e sangrando aos borbotões – teria virado defunto.
Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, 27-12-2024
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