Aparecido Raimundo de Souza
O MÉDICO ESMIUÇOU, com seus óculos de grau fundo de garrafa, todos os exames que tinha diante de si. Em seguida, bombardeou sem dó nem piedade, seu pobre cliente. Ou melhor, soltou a notícia fatal em cima dele, sem prévio aviso. Gustavo Pereira da Costa iria, de fato, morrer. Dentro de dois meses, no máximo, três. Não passaria disso. Assim que soube do triste pesadelo, o infeliz tratou de ir para o aconchego familiar e esperar pela hora derradeira. Dois meses –, ou três – quem sabe antes... que diferença faria agora? Ao menos, um consolo. Talvez o melhor deles: morreria em paz, ao lado da esposa carinhosa e prestativa e das filhas, a quem amava muito. Para não ser visto chegando de ônibus, tomou um Uber e ordenou ao motorista que tocasse direto para seu lar doce lar.
Ao chegar no bairro onde morava, não parou no bar costumeiro do Salaminho, nem na farmácia do seu primo Pedro. Tampouco na barbearia do Bento, como sempre fazia ao retornar do trabalho. Também não falou com ninguém. Não telefonou para os conhecidos. A lista se fazia enorme. Achou melhor não alardear o resto dos parentes, nem incomodar os amigos de todos os dias. Naquele momento queria somente a paz e a tranquilidade. Saborear o aconchego da sua poltrona na sala, onde sentava todas as tardes para ver televisão e assistir aos desenhos do Pica-Pau, do Maguila, da Pantera Cor-de-Rosa, do Tom e Jerry e tantos outros. Por puro azar, Gustavo se esqueceu de um vizinho. Um cara realmente chato e pegajoso, que passava os dias rondando do boteco ao supermercado promovendo um alarido infame com os infortúnios alheios.
Era o Malaquias, conhecido na rua como o “Fofoqueiro Oficial.” De fato, logo que o taxi entrou na rua principal, a primeira pessoa que o Gustavo avistou na calçada, encostado num poste, o próprio, em carne e osso. Aliás, mais osso que carne. Por sua vez, assim que identificou o carro de aluguel chegando, e, dentro dele, o velho Gustavo, não esperou a criatura, pelo menos pagar a corrida. Disparou até o portão da casa do moribundo e assim que ele entrou, bateu palmas. Precisava colher detalhes. Sabia que naquela manhã o “amigo” havia ido ao médico tomar conhecimento dos resultados da bateria de exames que fizera durante toda a semana. O “Leva e traz” também tinha conhecimento que Gustavo corria sério risco de virar defunto. Esse fato, em especial, o perturbava.
Não que se interessasse pela doença do vizinho, mas a consequência do seu mal. Melhor dito, que tipo de moléstia ele contraíra que causava o óbito nas vítimas tão rápido? Necessitava, pois, colher informações fresquinhas e detalhadas dos acontecimentos mais recentes para passar adiante. Deu azar. No lugar dele, veio atender, a Sulamita, a filha mais velha, e a mais mal-humorada. Puxara o gênio da mãe, dona Soraya. Não levava desaforos, nem mandava recados. Se fazia curta e grossa a beldade. Quando assomou na varanda e se deparou com o sujeito, fez cara fechada e de poucos amigos.
— Sulinha, meus pêsames...
— O que foi que disse, desgraçado?