Aparecido
Raimundo de Souza
MARIA
BIZORRA, TODA
sexta-feira levava a sua cadelinha Fininha para o pet shop perto de sua casa.
De tanto ir e vir, Fininha sabia de cor e salteado o caminho. Se Maria Bizorra
deixasse, ela certamente faria o percurso de pouco mais de dois quarteirões de
olhos fechados. Do condomínio onde residia à loja, podia se caminhar a pé.
Percurso que não se gastava mais que meia hora, ainda que a passos lentos.
Bento Perrota, o porteiro do prédio
(antigo no cargo, contava mais de dez anos de serviços prestados), morava
sozinho no último andar, numa espécie de quitinete mantida pela zeladoria.
Vinha seguido da Silvinha (uma jovem que fazia a faxina dos corredores,
recolhendo o lixo dos cinco andares e seus vinte moradores). Silvinha, ao
contrario de Bento Perrota, não morava no prédio. Chegava por volta das seis da
manhã e saia às cinco.
O cidadão Bento Perrota, por residir no
local de ocupação, sabia dos costumes e manias de todos os meeiros. Nesse
contexto, tinha na ponta dos sentidos, a hora exata e precisa em que a Maria
Bizorra descia para as necessidades fisiológicas do pequeno animalzinho. Nesse
tom, quando enquadrava a moça pela câmera do elevador de serviço, corria
pressuroso, a abrir a porta para as duas. Havia também um acontecimento
invulgar que deixava Bento Perrota alegre e saltitante.
Tanto pela manhã, quando descia com a
cachorrinha como nos finais de tarde, ao se dirigir à padaria ou ao
supermercado, Maria Bizorra trazia um café reforçado. Em razão disso, o rapaz
se desmanchava em mesuras e gentilezas, não só pelo oferecimento dos lanches,
como pela beleza estonteante de Maria Bizorra e, num momento mais secreto, um
azado que não revelava a ninguém. O carinho imensurável que nutria pela fofa cadelinha
e se lhe pendurassem de cabeça para baixo, com fogo nos dedos dos pés, em igual
teor, pela dona. Maria Bizorra, incontestavelmente se tornava, a cada dia, um
pedaço pecaminoso de mulher.
No edifício havia mais animais de
estimação. O doutor Moacir Bilal, ocupante da unidade 301, tinha um gato. O
gato pouco aparecia. Como ao dono, se mostrava antipático e metido a rico. Nas
raras vezes em que se fazia acompanhado de seu dono, doutor Moacir Bilal não
permitia qualquer tipo de aproximação. Cortava o barato de Bento Perrota,
quando ele tentava puxar conversa ou endereçar gracinhas ao peludo. O bichano
filmava tudo, no final concordava com seu dono. Com a mesma pose que descia,
subia de volta, sem dar uma palavra.