Helena Matos
Esgotado o dinheiro o foguetório vai
deslocar-se das reposições na função pública para os safanões ao setor privado.
Agora chegou a vez dos senhorios.
Não sei se vai aparecer mais
um partido à direita ou se ao centro. Se vai ser liberal, conservador ou ambas
as coisas. Ou talvez nenhuma delas. Não sei nada sobre esse assunto e muito
menos sei onde pára a oposição (estou até em crer que o PSD resolveu experimentar
em si próprio as vantagens da morte assistida). Mas sei que assim não podemos
continuar porque esgotado o dinheiro e com Bruxelas a apertar os cordões da
bolsa, o foguetório vai deslocar-se das reposições na função pública para os
safanões ao setor privado. Aliás, se repararmos, cada vez mais o modo
imperativo só se usa em Portugal em duas circunstâncias: em primeiro lugar,
para, numa retórica de profecia iluminista, nos garantir que todas as causas já
anunciadas e por anunciar pela esquerda irão ser passadas à prática, logo
qualquer forma de oposição a esse futuro inscrito na História é uma pura perda
de tempo. Em segundo, para espalhar a boa nova da última iniciativa legislativa
que visa regular, controlar e disciplinar o setor privado.
Em alguns casos o anunciado
são meras engenharias ideológicas só passíveis de saírem da cabeça de quem se
sente dono disto tudo, ou seja, do Estado. Veja-se, por exemplo, a legislação
sobre “medidas de promoção da igualdade remuneratória entre mulheres e homens” aprovada no parlamento naquele alucinado frenesi de votações que ali teve lugar antes dos parlamentares irem de férias. A dita legislação,
escrevia-se nos jornais , “exige às empresas transparência remuneratória“. Ou
seja, as empresas vão ter de explicar porque contratam homens ou mulheres para
determinadas funções. “A lei vai, ainda, obrigar as empresas a publicarem estatísticas no primeiro semestre de cada ano sobre as diferenças remuneratórias entre mulheres e homens”
Interessante e revelador este
uso dos verbos exigir e obrigar. O Estado português não consegue literalmente
prestar contas pelo material militar depositados nos paióis. O Tribunal
Constitucional deixa prescrever as multas aos partidos. O parlamento declara-se
incompetente para avaliar as moradas dos deputados. Mas o Estado exige ser
esclarecido pelos empresários sobre as razões que levam as empresas a escolher
homens ou mulheres, para ocupar postos de trabalho. De caminho ainda se obrigam
as empresas a entregarem mais uns papéis ou mais precisamente uns mapinhas com
estatísticas (É imenso o número de horas e recursos que as empresas perdem em
burocracias idiotas. Aliás, neste caso, à idiotice soma-se a inutilidade pois
todos os meses as empresas enviam os dados dos seus trabalhadores à Segurança
Social. Portanto é só fazer as contas aos M e aos F).
O que não é Estado é cada vez
mais visto como uma anomalia. Um desvio. Uma malformação que há que corrigir e
controlar, na impossibilidade de erradicar como prova a recente legislação
sobre alojamento local. Vale a pena escalpelizarmos o que agora foi aprovado no
parlamento sobre o alojamento local pois o que aí está nesse tropel de medidas
é o retrato de um governo acantonado no Estado:
Por que sete? Por que não dez?
Cinco? Uma dúzia? Admitindo que este teto máximo não foi definido a partir da
canção de roda “Sete e sete são catorze/ com mais sete vinte um/ tenho sete
namorados/ mas não gosto de nenhum” em que se baseia este limite? Por outro
lado, a ideia de que existe uma “sobrecarga do alojamento local face ao volume
para habitação” é uma mistificação pois o alojamento local não roubou fogos à
habitação: a maioria dos fogos afetados ao alojamento local estavam devolutos.
O agravamento das quotas de
condomínio para o alojamento local é pura sanha ideológica. Nesse caso, a
senhora que vive sozinha no 1º andar e nem sequer usa o elevador devia pagar
muito menos condomínio que aquela família numerosa do sexto cujos filhos,
amigos dos filhos, namorados e família extensa trazem os elevadores num virote
e as escadas num pandemónio. E os proprietários de andares vagos vão continuar
a pagar condomínio como se residissem no edifício?
O seguro das partes
comuns em edifícios em propriedade horizontal já é obrigatório, logo o que se
está a exigir é uma duplicação do seguro aos proprietários do alojamento local.
As companhias de seguros agradecem, mas isto é um disparate. Aliás o culpado
está encontrado à partida para tudo que aconteça no condomínio: “O titular do alojamento local tem ainda de “responder, independentemente da existência de culpa, pelos danos causados aos destinatários dos serviços ou a terceiros, decorrentes da atividade de prestação de serviços de alojamento.”
Em matéria de ruído quem
prefere ter a viver no prédio: uma família numerosa; um casal em processo de
divórcio; uma velhinha amorosa, mas surda, que insiste em ter a televisão
ligada até tarde; um apartamento alugado a estudantes; um senhor
silenciosíssimo que deixa sozinhos em casa três cães que ladram furiosamente
até ele chegar, ou um alojamento local? Sobre os manuais versando o
funcionamento dos eletrodomésticos desconheço as motivações do legislador, mas
se o dito livro incluir explicações para o funcionamento de uma sorveteira
agradeço cópia.
Já sobre o impacto dos
turistas no lixo espalhados pelas ruas, no caso concreto, pelas ruas de Lisboa
convém que se tenha em conta que em democracia o limite para a demagogia é o
ridículo: nessa geringonça antecipada que governa há anos Lisboa, os
socialistas cederam às mais absurdas reivindicações para que o então presidente da
autarquia, António Costa, não fosse confrontado com greves na recolha do lixo.
Fernando Medina herdou-lhe as táticas: no final de 2017, subscreveu um acordo com os sindicatos afetos à CGTP em que garantia que a CML não iria externalizar mais serviços de lavagem de contentores. Acordou também que durante as férias os trabalhadores passariam a receber subsídio noturno, sendo que na CML para se considerar que se faz serviço noturno basta trabalhar pelo menos uma hora de trabalho diário no período noturno.
Medina também deu o seu aval
ao pagamento de cinco anos de retroativos do trabalho noturno (de 2013 a 2017)
para os trabalhadores da recolha do lixo. E assim de reposição em progressão,
para mais desembaraçados da concorrência dos privados, os trabalhadores da
recolha do lixo na capital cada vez recolhem menos lixo. Este acumula-se em
locais por onde nunca passou turista algum, mas segundo a versão oficial dos fatos
em Lisboa o lixo resulta do aumento do número de turistas.
Depois da aprovação desta
legislação conseguirá o alojamento local continuar a desempenhar o papel de
“plano poupança reforma” para muitas famílias? De seguro no desemprego ou
divórcio para outras? Estas dúvidas parecem não inquietar o Governo. Afinal, o
socialismo é cada vez mais criar dependentes do Estado.
PS. Nos
afamados serviços privados de saúde frequentados pelo deputado comunista,
António Filipe, existem certamente consultas para a perda de memória. Mas se
não for esse o caso o senhor deputado terá de se desenvencilhar no centro de
saúde da sua residência e entre a consulta de urgência mais a espera por uma
desistência e a marcação no médico de família para daqui a dois meses é
óbvio que António Filipe tem de se pronunciar sobre as palavras que
proferiu no parlamento em Janeiro de 2014 a propósito da privatização dos
estaleiros de Viana do Castelo: “Nós entendemos que a indústria naval é necessária ao nosso Paíse rejeitamos totalmente a decisão política do Governo de liquidar a construção naval em Portugal. Garantias de que os Estaleiros Navais de Viana continuarão af azer construção naval não há nenhumas. Zero garantias de que a empresa poderá continuar a fazer aquilo que sempre soube fazer.“
Título e Texto: Helena Matos,
Observador,
22-7-2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-