Aparecido Raimundo de Souza
QUANDO JÔ SOARES numa de suas entrevistas indagou Dercy Gonçalves sobre o
ódio, a filha mais famosa da bucólica Santa Maria Madalena, no Rio de Janeiro
disse o seguinte: “o ódio, Jô, é como um prato de comida estragado que logo
depois que você manda pro bucho, dá uma dor de barriga incontrolável. O ódio,
dentro da gente, vira um bolo desse tamanho que o cu não consegue segurar e aí
você tem duas saídas: ou peida e se borra toda, pernas abaixo, ou corre para o
vaso, arreia a calcinha e caga”. (Mantivemos as palavras como foram ditas pela
saudosa e querida artista).
Tompson de Panasco, morador de rua, atualmente esmolando na Estação Sé do
metrô, centro de São Paulo, é acima de tudo um pensador nato. Ele assevera que
“o ódio é uma doença maligna e de difícil cura, se não for diagnosticada em
tempo. O tratamento para que surta efeito e o portador desse mal consiga se
salvar ileso e sem traumas, precisa ser imediato ou, em contrário, a sua alma
perecerá até não restar mais nenhum osso inteiro em todo o corpo físico para
contar história” E conclui, orgulhoso: “o ódio é um mal que escurece a áurea da
nossa estrela. As pessoas geralmente se auto medicam com remédios errados e não
sabem a depois, como clarearem a própria imbecilidade negra e a estupidez
infame a que deram causa”. (Aqui, igualmente, preservamos a grafia original).
Diante disso, uma pergunta aflora: qual a melhor receita para acabar de
vez com o ódio? Léo Lins, comediante,
esclarece: “Não ter ódio”. Pois bem, caríssimos. O ódio se divide em várias
fases e facetas. Entra em nossa vida como um gatinho mansinho que a gente cria
em casa, com todo amor. Com o passar dos dias, o bichano muda de humor. Logo se
transforma numa cobra venenosa, pronta para dar o bote. E dá. Pouco depois,
fica pesado como um elefante. É feio e desengonçado como um rinoceronte. Fede
mais que o gambá. De repente, do nada, o ódio se metamorfoseia numa bela
girafa. Em face do pescoço comprido, passa a enxergar as coisas bem lá de cima.
E espalha o que vislumbrou, sem levar em consideração que o que viu pode vir a
prejudicar alguém.
O ódio se assemelha também ao crocodilo-marinho. O crocodilo-marinho é o
maior réptil existente na atualidade e, como o ódio, é pernicioso, nefasto e
maléfico ao ser humano. O ódio não fica um minuto sequer sem estar à espreita
para atacar. Não anda desacompanhado. Agarrado a ele, de braços dados, a
abominação, a zanga, a antipatia, o tédio, a contrariedade e claro, o terror.
Fere como porco espinho e é mais veloz que um pégaso desembestado em campo
aberto. Finalmente, se transforma num assassino sangue frio, incontrolável,
incoercível, irrefreável, tal como um tubarão passeando tranquilamente numa
praia cheia de gente descuidada.