terça-feira, 27 de setembro de 2022

[Aparecido rasga o verbo] Sobre o ódio

Aparecido Raimundo de Souza

QUANDO JÔ SOARES numa de suas entrevistas indagou Dercy Gonçalves sobre o ódio, a filha mais famosa da bucólica Santa Maria Madalena, no Rio de Janeiro disse o seguinte: “o ódio, Jô, é como um prato de comida estragado que logo depois que você manda pro bucho, dá uma dor de barriga incontrolável. O ódio, dentro da gente, vira um bolo desse tamanho que o cu não consegue segurar e aí você tem duas saídas: ou peida e se borra toda, pernas abaixo, ou corre para o vaso, arreia a calcinha e caga”. (Mantivemos as palavras como foram ditas pela saudosa e querida artista).

Tompson de Panasco, morador de rua, atualmente esmolando na Estação Sé do metrô, centro de São Paulo, é acima de tudo um pensador nato. Ele assevera que “o ódio é uma doença maligna e de difícil cura, se não for diagnosticada em tempo. O tratamento para que surta efeito e o portador desse mal consiga se salvar ileso e sem traumas, precisa ser imediato ou, em contrário, a sua alma perecerá até não restar mais nenhum osso inteiro em todo o corpo físico para contar história” E conclui, orgulhoso: “o ódio é um mal que escurece a áurea da nossa estrela. As pessoas geralmente se auto medicam com remédios errados e não sabem a depois, como clarearem a própria imbecilidade negra e a estupidez infame a que deram causa”. (Aqui, igualmente, preservamos a grafia original).

Diante disso, uma pergunta aflora: qual a melhor receita para acabar de vez com o ódio?  Léo Lins, comediante, esclarece: “Não ter ódio”. Pois bem, caríssimos. O ódio se divide em várias fases e facetas. Entra em nossa vida como um gatinho mansinho que a gente cria em casa, com todo amor. Com o passar dos dias, o bichano muda de humor. Logo se transforma numa cobra venenosa, pronta para dar o bote. E dá. Pouco depois, fica pesado como um elefante. É feio e desengonçado como um rinoceronte. Fede mais que o gambá. De repente, do nada, o ódio se metamorfoseia numa bela girafa. Em face do pescoço comprido, passa a enxergar as coisas bem lá de cima. E espalha o que vislumbrou, sem levar em consideração que o que viu pode vir a prejudicar alguém.

O ódio se assemelha também ao crocodilo-marinho. O crocodilo-marinho é o maior réptil existente na atualidade e, como o ódio, é pernicioso, nefasto e maléfico ao ser humano. O ódio não fica um minuto sequer sem estar à espreita para atacar. Não anda desacompanhado. Agarrado a ele, de braços dados, a abominação, a zanga, a antipatia, o tédio, a contrariedade e claro, o terror. Fere como porco espinho e é mais veloz que um pégaso desembestado em campo aberto. Finalmente, se transforma num assassino sangue frio, incontrolável, incoercível, irrefreável, tal como um tubarão passeando tranquilamente numa praia cheia de gente descuidada.

Drauzio Varella descreve o ódio como “uma emoção aglutinadora, que não admite hesitações, interpretações alternativas ou neutralidades”. E conclui: “é uma emoção   duplamente negativa.  Quando se expressa, faz mal contra quem se dirige, enquanto envenena aquele que o sente”. A Bíblia Sagrada faz menção ao ódio oitenta e sete vezes, em comparação ao Amor, que ganha dele, podendo ser lido nada mais, nada menos, que em trezentos e oito momentos diferentes. O ódio, apesar das Escrituras sinalizarem o “Amor” como o grande vencedor em citações, perde feio para a “Morte”, que vem à baila trezentas e setenta e uma vezes. Esmiudando o quadro. Embora o ódio apareça em menor número, se bem cuidado, vence o Amor, todavia, leva inevitavelmente à Morte.

O ódio vem sendo alvo de muitos intelectuais. Vários escritores dispensaram um valor inestimável a ele. A escritora americana Angie Thomas, por exemplo, no seu magnânimo romance “O ódio que você semeia”, descreve essa execração atrelado ao racismo, na pele de Starr Carter, uma jovem de dezesseis anos que se movimenta entre dois mundos distintos: o mundo do bairro onde mora, habitado por negros, como ela e a escola onde estuda, um espaço perigoso e sofisticado e completamente disparatado do seu, onde convive com  brancos e filhos de papais ricos, oriundos de uma periferia completamente divorciada da sua.

“A lista do ódio”, da também americana Jennifer Brown, nascida em Kansas City, no Missouri, não deve ficar sem ser lido. Brown se faz bastante interessante e esperta nesse assunto tão crucial. O romance, como um todo é instigante, profundo e comovente. Conta, em detalhes, a história do ódio de Valerie Leftman e seu namorado Nick Levil, que num determinado dia, abre fogo contra vários alunos da escola onde estudam. O que podemos fazer com relação ao ódio? A Revista Sentinela em seu volume 143, publicada em maio e junho de 2022, explica observando o seguinte:

“Não podemos ver o que está no coração das pessoas, mas nós podemos imitar a Deus e não julgar os outros pelas aparências. Em vez de pensar que as pessoas de certos grupos são todas iguais, tente ver essas pessoas como indivíduos. Se você perceber que tem sentimento negativos para com outros, como por exemplo, pessoas de outra raça ou nacionalidade, ore a Deus e peça para ele ajudar você a tirar esses sentimentos do coração”. (Em suporte ao texto, pesquisar Salmo 139: 23, 24). “Se a sua oração for sincera e você pedir a força necessária para ser imparcial, com certeza Deus vai ouvir a sua oração e ajudar você”. (Leia para maiores esclarecimentos, 1 Pedro 3:12.).

Vejamos agora algumas frases sobre o ódio deixadas por pensadores e figuras famosas. Martin Luther King, observou: “não permita que ninguém o faça descer tão baixo a ponto de você sentir ódio”. José Malhorqui, criador do personagem “O Coyote”, cujas aventuras do herói mascarado foram trazidas a público em mais de 300 livros de bolso, pela editora Monterrey, exaltou que “Quando o amor enche o coração, não deixa nele lugar para mais nada. Nem para o ódio, nem para o rancor, nem para o orgulho”. Seguido por Mahatma Gandhi, afiançou que “Se um único homem chega à plenitude do amor, neutraliza o ódio de milhões”. Charlie Chaplin não deixou por menos. Foi absolutamente objetivo ao confessar: “creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror”.  

Por derradeiro, devemos ter em mente, sempre, que o ódio não edifica, destrói. Fulmina com as coisas boas que trazemos em nosso DNA. É uma nuvem escura e tenebrosa encobrindo um céu maravilhoso que está acima de nossas cabeças. Não nos deixa ver o lado bom das coisas. Não permite que a nossa alma se aqueça com as virtudes e as benesses do Pai Maior. O ódio se propaga à velocidade do vento, não acatando, tampouco aceitando que as nossas vozes e os nossos clamores alcancem a beatitude do Altíssimo. O ódio nos afunda num oceano de ondas furiosas e nos arrasta ao encontro de rochedos ocultados pela nebrina espessa, o que nos levará, fatalmente, às extremidades degradantes da morte. O ódio corrói o âmago, ataca o coração, enfraquece as nossas bases. Tolda as nossas vidas, não permitindo que vislumbremos os caminhos do futuro. O ódio é, ainda, um mal sem cura. Uma doença contagiosa e sem remédio, a não ser a nossa própria vontade ferrenha como alexetério em dose obsessiva para afastá-lo definitivamente do nosso convívio diário.

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, da Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. 27-9-2022

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