João Pedro Marques
O Ocidente está doente, minado por dentro.
Há um processo revolucionário em curso de que muita gente ainda não se deu
conta e que tenta levar a cabo uma transformação cultural.
Pelo que vou lendo a febre de
demolição ou remoção de estátuas e outras representações do passado continua
muito alta nos Estados Unidos e tudo o que tenha, ainda que apenas vagamente,
uma relação com a antiga escravatura está em risco de vir abaixo ou de ser
retirado do espaço público. O último episódio do género que chegou ao meu
conhecimento foi o derrube de Silent Sam, a estátua que existia há mais de cem
anos no campus da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, e que se
destinava a homenagear a memória dos estudantes locais que lutaram e morreram
pela Confederação, na Guerra da Secessão. Esse ataque à estátua daquele
“soldado desconhecido” aconteceu há poucos dias, a 20 de agosto, e foi liderado
por uma aluna de doutoramento chamada Maya Little, que já em abril se tornara
notada por ter despejado uma mistura de tinta vermelha e do seu próprio sangue
sobre Silent Sam. Quem tiver interesse na atuação de Maya Little e restantes ativistas
no derrube da estátua pode ver este filme dos acontecimentos.
Ao mesmo tempo que se derrubam
estátuas, removem quadros, destroem pinturas, rejeitam antigas denominações de
edifícios, faculdades ou ruas, com o alegado propósito de combater o racismo,
erigem-se novos símbolos, forjam-se novas narrativas, modificam-se velhas
representações com o intuito de trazer mais personalidades negras para a
primeira linha da evocação e memória nas nossas sociedades. O exemplo mais
conhecido desse esforço será, talvez, a proposta de substituição da imagem do
presidente Andrew Jackson pela de Harriet Tubman, nas notas de 20 dólares.
Tubman nasceu escrava, no Maryland, mas adquiriu a liberdade através da fuga
para a Pensilvânia e, depois, tornou-se uma abolicionista de grande militância
e coragem. É discutível que a evocação dessa figura histórica deva ser feita a
expensas de Andrew Jackson, mas é sem dúvida justo que ela seja lembrada nos
Estados Unidos e no mundo.