O experiente jornalista William Bonner, este ano acompanhado de sua colega Renata Vasconcellos, têm tornado uma tradição do Jornal Nacional nas eleições um esforço por “apertar”, pressionar, torpedear os candidatos à presidência da República. Apesar de em 2014 a dinâmica ter sido muito acelerada, com tantas interrupções dos entrevistados que chegavam às raias do questionável, é sem dúvida dever da imprensa fazer esse esforço.
O que não se esperava era que
um candidato conseguisse “dobrar” esse tiroteio de maneira tão contundente que
conseguisse “tirar do sério” os próprios jornalistas. Jair Bolsonaro tem e
sempre teve suas limitações e defeitos. Entretanto, sua performance na sabatina
do telejornal mais importante do país foi de um sucesso surpreendente,
denotando nítida evolução e capacidade de “devolver” as investidas contra os
próprios entrevistadores e, principalmente, contra a emissora em que trabalham,
que já é alvo predileto de queixas tanto à direita quanto à esquerda. Conseguiu
aliar seu discurso tradicional, que já cativa seu eleitorado de sempre e o que
ele conquistou nos últimos quatro anos, com reações rápidas acima do seu
normal.
Seu trabalho, contudo, foi
mais uma vez facilitado pelos jornalistas, que, estes sim, não
demonstraram nenhuma evolução. A imprensa permanece querendo “destruir” o
fenômeno do bolsonarismo através de pautas que interessam apenas a uma “bolha”
militante da beautiful people politicamente correta e repete
obsessivamente as mesmas perguntas que já foram satisfatoriamente enfrentadas
em sabatinas anteriores. Como a audiência desta vez é maior, o sucesso
dos memes e o escárnio com o desempenho dos âncoras do JN é o
sintoma do efeito deixado por essa exibição.
Vejamos ponto a ponto algumas
das questões e comentários redundantes e irritantemente absurdos dos
entrevistadores. Em primeiro lugar, logo na abertura, insistiram em citar que Lula não pode ser entrevistado por determinação da justiça,
dando sequência à maior fake News desta campanha eleitoral: a
candidatura do vilão-mor Lula da Silva.
Depois, William Bonner voltou
a falar da possibilidade de Paulo Guedes ser “demitido” (ou se demitir, ou morrer,
ou seja lá o que mais) durante o mandato. “Existe um conceito de gestão
que diz o seguinte: não se deve contratar ninguém que não possa ser demitido. O
senhor sabe que é impossível garantir (que não vai demiti-lo)”,
pontuou, para depois perguntar o que Bolsonaro faria se, numa situação
concreta, Guedes exigisse a aprovação de determinadas medidas para permanecer
no cargo, tentando fazê-lo admitir a possibilidade (óbvia!) de o economista
liberal ser retirado do cargo que ocuparia.
Bolsonaro respondeu com sua
velha analogia entre seu relacionamento com Guedes e um casamento, enfatizando
sua extrema confiança, mas consentindo em que, evidentemente, a eventualidade
de um rompimento é algo próprio do humano e que não pode ser descartada de
forma absoluta e incondicional. Ainda indiretamente usou o exemplo do casamento
do próprio Bonner com Fátima Bernardes como uma relação em que se fizeram
“juras de amor eterno” e depois o divórcio aconteceu. O jornalista poderia ter
passado sem essa.
Não passou porque insistiu em
fazer o mesmo questionamento que nenhum jornalista fez até agora para
absolutamente nenhum outro candidato. Ninguém pergunta a Geraldo Alckmin o que
fará caso se desincompatibilize com Pérsio Arida, por exemplo. Poder-se-ia
alegar que a questão é a diferença da trajetória de pensamento entre Bolsonaro
e seu ministro, mas isso, se pode ser uma razão subjetiva para que eleitores
desconfiem do candidato – ceticismo, aliás, que é saudável em relação a todos
os políticos -, não é justificativa para que os jornalistas deem um tratamento
tão particular aos dois.
Pior, entretanto, foi o
desempenho de Renata Vasconcellos, que tomou uma surra moral ao retomar o tema
da pregação por novas interferências no mercado para parear salários entre
homens e mulheres, que supostamente estariam em terrível desequilíbrio. “O
Estado tem mecanismos para estimular a iniciativa privada para que não cometa
esse tipo de desigualdade salarial”, pregou Renata. Bolsonaro ponderou que
provavelmente o salário de Bonner, um homem, é maior que o de Renata, uma
mulher.
Evidentemente ele a enfureceu.
Ela reagiu dizendo que poderia questioná-lo, como funcionário público, por seus
proventos serem custeados pelos impostos. “O meu salário não diz
respeito a ninguém”, ela pontuou. Bolsonaro novamente a destruiu: “Vocês
vivem em grande parte aqui de recursos da União. São bilhões que recebe o
sistema Globo de recursos da propaganda oficial do governo”. A invertida é
matadora, mas nem seria necessária. Tivesse raciocinado um pouquinho,
Vasconcellos entenderia que tem toda razão ao dizer que seu salário não diz
respeito a ninguém, mas estaria obrigada a concluir, logo em seguida, colocando
seus neurônios para funcionar, que, da mesma forma, o salário de outras tantas
mulheres não diz respeito a ninguém, o que é um argumento fulcral contra a
aposta cega no intervencionismo estatal como recurso dignificador. Aos que
quiserem mais dados sobre o tema, é recomendável ler Nadando contra a corrente, recente lançamento da Editora Armada.
Novamente, também, retomaram o
tema da “homofobia”, com direito a uma “retificação” politicamente correta de
Bonner, questionando o termo “homossexualismo”, por haver a preferência por
“homossexualidade” em razão do fato de “ismo” ser associado à “doença” –
preocupação exagerada que transformaria as principais religiões e doutrinas do
mundo em doenças.
Bolsonaro novamente – as
palavras “novamente”, “insistiram”, não estão sendo repetidas nesse artigo de
maneira despropositada – respondeu citando sua luta contra o “Kit Gay” nas
escolas, tentando mostrar um livro que estaria sendo produzido como literatura
infantil com conteúdo sexualmente apelativo. Bonner disse que havia acordado
com os assessores do deputado uma regra para que nenhum documento ou material
fosse mostrado, mas, logo antes, Vasconcellos usou outro argumento para
persuadi-lo a ocultar o material, rapidamente abafado: “pediria que o
senhor não mostrasse, as crianças não podem…”. Não podem o quê? Ver o
livro? Se não podem, o argumento de Bolsonaro não está definitivamente
comprovado?
Quando a pauta foi segurança
pública, Bonner mostrou-se horrorizado com a possibilidade de, talvez, quem
sabe, Bolsonaro dar a entender a absurda ideia (sic) de que é preciso
combater violência com mais violência – como se esta não fosse
justamente uma das funções básicas que o liberalismo clássico reconhece ao
Estado! Finalmente, evocou-se o regime militar, apenas para que Bolsonaro
lembrasse – mais uma vez, novamente – as declarações de
Roberto Marinho em apoio ao movimento de 1964 e, depois da entrevista, Bonner
repetir a referência editorial à velha nota da Rede Globo publicada em 2013,
dez anos depois de o velho criador da empresa já ter deixado este mundo, “reconhecendo”
– em nome de quem está morto – que o apoio ao regime militar foi um erro.
A imprensa está transformando
seus encontros marcados com Bolsonaro em um eterno loop, fabricado
por quem parece viver em uma redoma. Estão transformando essas entrevistas em
embates e os embates, em palanques. O candidato agradece.
Título, Imagem e Texto: Lucas Berlanza, Instituto Liberal, 30-8-2018
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