João Marques de Almeida
Como todas as outras experiências
socialistas do século XX, o socialismo na Venezuela acabou numa ditadura, na
pobreza, na miséria e com refugiados a fugirem para países capitalistas.
1. O Bloco de
Esquerda e muitos dos seus camaradas das ruínas socialistas, sobretudo os que
trabalham no Centro de Estudos Sociais na Universidade de Coimbra, passaram
anos a defender e a elogiar o regime chavista na Venezuela. A Venezuela de
Chávez simbolizava a resistência ao “imperialismo” norte-americano. Lembro-me
muito bem como as nossas esquerdas, durante a primeira década deste século, não
perdiam uma oportunidade para elogiar Chávez e atacar George W. Bush.
O “chavismo” também era visto
como um modelo para países europeus como Espanha e Portugal. Era o socialismo
do século XXI. E a verdade é que há mesmo socialismo na Venezuela.
Chávez começou por partidarizar as Forças Armadas. Depois controlou a
comunicação social. Nacionalizou as grandes empresas dos sectores económicos
mais importantes do país. Por fim, o seu sucessor, Nicolas Maduro, violou
direitos humanos de uma forma sistemática, colocou adversários nas prisões,
apenas por razões políticas e ideológicas, e executou golpes constitucionais.
Qual foi o resultado do
socialismo na Venezuela? Fim do Estado de direito, presos políticos, poder
quase absoluto do Estado, conflitos e pilhagens nas ruas, pobreza extrema, fome
e agora milhares de refugiados. Vale a pena comparar o regime socialista da
Venezuela com os governos capitalistas da vizinha Colômbia, governada há mais
de uma década por presidentes de centro-direita. Enquanto na Venezuela o regime
agravou os confrontos internos, os governos burgueses da Colômbia estão a
construir a paz. Na Venezuela, o regime impôs uma ditadura; na Colômbia a
democracia consolidou-se. A pobreza aumenta na Venezuela. A Colômbia está a
caminho de se tornar na segunda maior economia da América do Sul. Entende-se
que os antigos partidários do chavismo tenham dificuldades em defender o legado
socialista na Venezuela.
Há um ponto que deve ser sublinhado.
Chávez e Maduro não se afastaram do socialismo. Pelo contrário, eles
implementaram mesmo um regime socialista. Como todas as outras experiências
socialistas do século XX, o socialismo na Venezuela acabou numa ditadura, na
pobreza, na miséria e com refugiados a fugirem para países capitalistas.
2. A reação do
Bloco e do PCP à comunicação de Mário Centeno a propósito do fim do programa de
ajuda à Grécia foi mais um dos habituais exercícios de hipocrisia das esquerdas
marxistas desde que apoiam as políticas da Zona Euro. Centeno não disse nada de
novo nem se afastou um milímetro do que tem sido a sua atuação como ministro
das Finanças desde 2015. Não sei onde está a surpresa. Centeno é um ortodoxo em
matéria de políticas orçamentais e fiscais. Se não fosse, não teria sido
escolhido para presidente do Eurogrupo.
No essencial, Centeno pensa
como Vítor Gaspar. Ou, pelo menos, está muito mais próximo do antigo ministro
das Finanças de Passos Coelho do que está do Bloco ou do PCP. Não é segredo
para ninguém. E as esquerdas radicais sempre o souberam desde o dia em que
apoiaram este governo. Uma das grandes fraudes da política portuguesa desde
2015 é o apoio do Bloco e do PCP a um governo com um ministro das Finanças que
pensa e age como Vítor Gaspar. Obviamente, Centeno tem sido um elemento central
nessa fraude. Ataca o programa de austeridade do governo de Passos Coelho em
Portugal, mas defende um programa ainda mais duro na Grécia.
O político cujas palavras
tanto ‘indignaram’ as extremas-esquerdas é o mesmo que faz os orçamentos que o
PCP e o Bloco aprovam no Parlamento. Deixo um desafio aos deputados bloquistas
e comunistas. Estão indignados com as palavras de Centeno sobre a Grécia? Então
votem contra o último orçamento deste governo. Se não o fizerem, as palavras de
Centeno são também as vossas palavras.
A Venezuela mostrou a
incapacidade dos nossos marxistas para defender um regime socialista. Como os
entendo. O apoio aos orçamentos de Centeno mostra a sua disponibilidade para
votar a favor de políticas financeiras ortodoxas. Bem-vindos ao neoliberalismo,
camaradas.
Título e Texto: João Marques de Almeida, Observador,
26-8-2018
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