Aparecido Raimundo de Souza
“O brasileiro é antes de tudo uma besta
elevada ao quadrado”.
João Topa Tudo (Pensador de rua. Rodoviária de Ribeirão
Preto, interior de São Paulo).
MAIS UMA VEZ, senhoras e senhores, estamos aqui para dizer à
população nativa, amedrontada, acovardada, aterrada, que o Brasil está na UTI,
vítima de doença incurável. Um câncer raro, pior do que o que vitimou o cantor
sertanejo Leandro (da dupla Leandro & Leonardo), em 1998. Um câncer
profundamente maligno, inextirpável, portanto, sem cura. Mal crescente, que
sabemos, de antemão, se alastrou corpo inteiro nação afora e não há remédio,
tampouco medicina que dê jeito. Agora, só um milagre. Talvez nem isso. O Brasil
entrou em estado de decomposição vegetativo. Em face disso, se prolonga, se
desdobra, se protela aos peidos, preso, acorrentado, amordaçado, a aparelhos,
para manter a “onra” que perdeu faz tempo.
O Brasil, na verdade, morreu. Ninguém acredita, mas já era.
Foi para os quintos. Está obtuado, fedendo; e o cheiro do que dele restou exala
por todos os cantos. Fere contumazmente narizes, corações, pessoas. Ataca
frontalmente o que ainda poderia ser salvo. O Brasil de hoje é o mesmo de
quinhentos anos atrás, quando Cabral aqui aportou. Estamos todos, filhos desta
pátria fodida, corrompida, estragada, decomposta, maravilhando com olhos esbugalhados,
a devastação, a pouca-vergonha, o descaso, a falta de pulso, de brio, de nossos
representantes em Brasília.
O epicentro, por sua vez, é um enorme prostíbulo, um boeing
gigantesco pousado, transformado em casa de mãe-joana, onde putas e veados de
todos os quadrantes da federação abundam numa equação que nenhum matemático,
por mais experiência que tenha, consegue resolver. Malba Tahan, se vivo fosse,
meteria seu homem que calculava na bacia latrinal de algum daqueles palácios
intocáveis que apinham à beira do Paranoá e daria descarga. Descarga com força,
com gosto, senhor de si. O sol da canalhice, como se percebe, está alto.
Queima, dilacera, caustica. O insuportável se propagou. Criou formas dantescas.
As vísceras dos pobres e oprimidos, a cada minuto se
multiplicam, se reproduzem, se vulgarizam. A alma das Isaltinas e Manés,
Franciscos e Catarinas se desgraçam no repasto da expiação. A impunidade vinda
do pessoal da rebeldia dá as ordens, fala alto, grita; e o povinho (atocaiado
na alfândega do Congresso e da Câmara) sem eira nem beira, sem teto, sem chão,
sem comida, sem direito, se ferra, se atrapalha, se consome, se acorrenta. Os
“sem-noção” tomam no rabo, e para não sentirem a dor do ferro entrando,
sorriem. O coitadinho do brasileiro sorri. Kikikiki. Sorri meio que tímido,
acanhado, retraído, insuflado mais pelo amarelo que o normal, contudo, sorri. É
só o que pode fazer: sorrir. Sorrir e ver a trolha adentrando, vagarosamente,
pacientemente, sem estardalhaço.