Helena Matos
Quando Pedrogão começou a arder o
espernético BE desapareceu e o PCP entrou em letargia. Desta vez não se gritará
“Governo assassino”. Mas a conta do silêncio vai chegar.
Não era para ter sido assim.
Devíamos estar em plena festa das bicicletas partilhadas em Lisboa – 1410
bicicletas que vão custar ao contribuinte 23 milhões de euros – mais o festival
da indignação que iria ser gerado pela divulgação de um estudo da DECO, que pensava
eu ser uma associação de defesa dos consumidores mas que agora se dedica não
tanto a avaliar a satisfação dos consumidores mas sim as desigualdades e assim
nos informou esta semana ser a Jerónimo Martins a empresa nacional onde existem
maiores disparidades salariais.
Mas veio o fogo e tudo mudou.
Os protagonistas habituados a moverem-se em cenários de sucesso esbarraram no
país real e ali ficaram expostos, frágeis, entontecidos.
Alguns de segunda linha, como
é o caso da ministra da Administração Interna, ficaram como que desprotegidos
na sua imensa mediocridade que no caso é um eufemismo para tolice (a entrevista
dada por Constança Urbano de Sousa sobre si mesma e os seus sentimentos
enquanto o fogo lavrava é um documento inclassificável). Ou expostos na falácia
habitual das suas declarações, como aconteceu com Jaime Marta Soares,
presidente da Liga dos Bombeiros, que invocou a ‘curiosidade’ e alguma
‘inconsciência’ das vítimas para explicar as mortes.
Passando para a primeira
linha, mais do que as presenças o que ressaltou foi a ausência. A ausência da
geringonça.
O espernético BE, que se
manifesta em todas as tragédias acontecidas ou passíveis de acontecer em
qualquer ponto do planeta cujo governo não seja do seu agrado, desapareceu
quando Pedrogão começou a arder: numa mudança telúrica no seu curriculum, uma
discretíssima Catarina Martins pedia chuva nas redes sociais e não a cabeça dos
ministros.
Do PCP um ingénuo quase pode
dizer que ensaiou um regresso à clandestinidade, tal foi o seu apagão
mediático. Sem ingenuidade creio que se pode afirmar que na Soeiro Pereira
Gomes se equacionou se valia a pena continuar a viabilizar um governo que se
mostra tão inoperante perante o que não está na agenda (como bom leninista que
é o PCP aprecia os instrumentos dos seus interesses, mas não se compadece com a
inoperância). Enquanto as contas não estão feitas o PCP aposta em continuar a
obter as alterações legislativas que garantirão por anos e anos o poder do PCP
por via sindical, mesmo que esses sindicatos não representem quase ninguém.
E por isso, ao mesmo tempo que
o país atordoado tenta perceber o que lhe aconteceu nos últimos dias, os
sindicatos da Educação e da Saúde mantêm as suas greves: tudo o que conseguirem
agora sob o palavreado hermético do “descongelamento das carreiras”,
“contratação coletiva”, “regime especial”… demorará anos a ser desmantelado. No
caso da saúde chegou-se ao paradoxo de os trabalhadores questionarem a sensatez
de se manter uma greve quando na zona centro alguns hospitais vivem situações
excepcionais por causa dos incêndios. Imperturbável o dirigente do Sindicato
Nacional dos Técnicos Superiores de Saúde das Áreas de Diagnóstico e Terapêutica
afirmou que as unidades de queimados e os serviços dos cuidados intensivos,
estão abrangidas pelos serviços mínimos. Uma explicação que só convence quem
quer ser convencido porque nem todas as vítimas dos incêndios estão nessas
unidades e porque mesmo as pessoas que estão nessas unidades precisam de
exames/intervenções que claramente não podem fazer enquanto a greve durar. (A
ideia de que as greves não afetam ninguém a par do extraordinário raciocínio de
que o horário de 35 horas não implicava mais contratações, horas
extraordinárias e despesas com pessoal são dois fortes contributos dados por
Portugal para a lista de mentiras que, se repetidas várias vezes, podem passar
por verdades).
A geringonça é um acordo de
poder que permitiu que o derrotado das eleições de 2015 se tornasse
primeiro-ministro. Em troca, BE e PCP têm recebido muito mais do que aquilo que
o voto lhes permitia. E agora vão querer mais ainda.
Jerónimo de Sousa e Catarina
Martins sabem que precisam de conquistas para compensar junto dos seus
eleitorados as tristes figuras que fizeram estes dias. Em Pedrogão, o PCP e o
BE não deram a cara pelo Governo mas também não imprimirão t-shirts com a frase
“Governo assassino” e preparam-se para rejeitar a criação de uma comissão
técnica independente para apurar as causas da tragédia de Pedrogão: “este é o momento do combate, de partilhar a dor com quem está a sofrer” – declara o BE. O PCP esclarece que “mais comissões, mais grupos de trabalho não é o prioritário“. Por outras palavras a investigação parlamentar aos
acontecimentos de Pedrogão arrisca-se a ter o mesmo destino que o inquérito à CGD:
morre antes de nascer. A aprovação a tropel de legislação sobre a floresta
criará o ruído necessário para que ninguém dê pela falta da investigação.
Nos próximos tempos
assistiremos a um reajustamento das forças: PCP e BE quererão ser ressarcidos
dos danos de imagem que sofreram em Pedrogão e António Costa precisa de
retornar urgentemente a narrativa do sucesso porque só ela o legitima e porque
só ela lhe permite controlar a agenda, as perguntas e os factos com que é
confrontado. Quando perde esse controlo, quando deixa de estar entre jornalismo
amigo, Costa revela-se um político frágil e mal preparado: a desastrosa
campanha eleitoral de 2015 não foi um acaso. Pela primeira vez António Costa
foi escrutinado a sério e falhou.
Aparentemente tudo vai continuar
igual. Mas para lá da fachada muita coisa mudou nestes dias. No Governo e
também na Presidência da República: Marcelo disse e desdisse como se, grande
intuitivo que é, procurasse iludir o que ressaltava nos rostos dos políticos em
Pedrogão: o medo. Do fogo e de que vindo não sei donde parta um grito a
mandá-los embora. Ninguém os preparou para isso no país festival em que se
movem.
PS. Propositadamente
não inclui no texto Os Verdes, essa espécie de partido-ficção de que ninguém se
lembra a não ser o PCP que assim consegue ter dois grupos parlamentares. Os
Verdes são em Portugal uma fraude política e como tal devem ser tratados.
Título e Texto: Helena Matos, Observador, 21-6-2017
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