Flavio Morgenstern
O G1, portal da Globo, quis dar um passo
além e chamar um policial de "suspeito de reagir". Cabem certas
lições para quem lê muitas notícias.
Uma notícia de Contagem, MG, sacudiu a
internet nos últimos dias. Não graças à notícia, tão banal em um país cuja
violência é tão banalizada, até mesmo em relação à própria polícia, mas graças
à manchete do G1, o portal da Rede Globo, que
escancarou: Sargento da PM é suspeito de reagir a tentativa de assalto
e matar ladrão em Contagem, na Grande BH.
A inversão é tão grande que nem foi
preciso alertar o leitor. É explícita, não sedutiva. Não disfarça, ou ao menos
não consegue disfarçar sua intenção: mesmo se um policial fardado é
assaltado, é ele o suspeito, pelo “crime” de reagir,
e não quem o assalta.
Mesmo assim, o episódio dá ensejo para
que se aprenda três liçõezinhas básicas para sobreviver no reino do vício em
notícias da internet.
Lição número 1: “Suspeito”. Todos
acostumados a ler notícias já se enfezaram com o vezo pelo termo “suspeito”.
Quando não se possui uma certeza sobre a identidade de um criminoso, mas já se
tem o seu nome, é costume dizer que a pessoa é “suspeita” de ter cometido um
crime. Afinal, dizer que fulano roubou ou matou ou estuprou sem que ele o tenha
feito é também um crime (calúnia, art. 138 do Código Penal).
Mas quando se usa suspeito para
“tudo”, passa-se de um cuidado necessário para o relativismo absoluto. Até
mesmo ao descrever uma cena filmada por câmeras de segurança, se fala: “Os
suspeitos foram vistos…”. Ora, nesse caso não há suspeito: só não se sabe o
nome de quem certamente cometeu um crime. Justamente tentando
amenizar, “suspeito” vira sinônimo de “bandido”. Se tudo é
suspeito, tudo é absoluto.
Aí está o caminho para a ideologia: é
o que faz com que um jornalista, sabendo que seu jornal sempre trata
qualquer conflito com policiais como se a polícia fosse “excessiva”, o que
nunca é o caso para bandidos, escreva simplesmente que o policial é suspeito
de reagir. Ora, apesar da cabeça de jornalista viver numa realidade
paralela, seu público ainda vive na realidade do busão lotado no horário
do rush. O povão enfrenta bandido, não enfrenta polícia. E já está
é de saco cheio da “suspeição” eterna, não disposto a aceitar mais um passo na
direção do relativismo.
Lição número 2: “O jornalismo
trabalha é nas entrelinhas”. Nenhum jornal, a não ser os sites
ideológicos que jornalistas leem (DCM, OperaMundi, Carta Capital, Brasil 247,
etc) declaram suas intenções nas manchetes. Onde dominam seus leitores e os
guiam para uma direção ou outra é nas entrelinhas, nas palavras que não são
percebidas com muita atenção, nos termos escolhidos para apresentar um fato.
Um jornal, site, portal, blog pode
muito bem noticiar algo desfavorável à sua linha editorial. Mas basta
escolher as palavras certas, eufemismos e hipérboles, e voilà,
Janaína Paschoal recebe “esculacho”, enquanto Maria do Rosário sofre “estupro remoto” (sic).
Lição número 3: “A Globo não é mais de
direita desde O Rei do Gado”. A esquerda brasileira ainda vive de
uma narrativa de vitimismo e crendo que todos os seus fracassos se devem ao
poder ultraconservador e direitista e “neoliberal” da emissora.
Não são apenas seus jornalistas: sua
linha editorial inteira hoje tende para a esquerda mais extrema, inclusive no
papel revolucionário da bandidagem (compare-se com o Cidade Alerta ou com
o Datena) e na desculpa “social” de tudo. Todos os seus atores são
progressistas, feministas e todos os –istas da modinha, e seu
jornalismo é quem mais tenta forçar a Janela de Overton ainda mais para a esquerda antes de
outros veículos.
Lição Bônus: “Incidente”. Para quem
vai fazer redação no Vestibular ou ENEM, cabe lembrar: incidente é algo
não-programado, contra as intenções dos partícipes, mas de pouco dano. Tirar o
carro da garagem raspando na pilastra é um incidente. Mesmo sem vítimas fatais,
bater a 180 km/h na traseira de um caminhão é um acidente. Curiosa
a forma como a palavra “incidente” anda aparecendo na mídia, mesmo com mortes
envolvidas.
Mesmo um fatinho isolado como a
notícia do G1, como se vê, é capaz de ensinar muito a quem tem olhos para ver
além do que prestidigitadores tentam nos fazer prestar atenção.
Título, Imagem e Texto: Flavio Morgenstern, Senso Incomum, 21-6-2017
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