Helena Matos
O imprevisível tornou-se no terror do
Governo. Porque é o imprevisível que expõe o logro desse Estado cheio de
“meninas César" que gasta metade da riqueza nacional e desaparece quando
gritamos Socorro
Renascença: Marcelo diz que “É tempo de apurar tudo
sem limites nem medos”
Observador: Marcelo.
“É preciso “apurar tudo, mas mesmo tudo, o que houver a apurar”
Expresso: Marcelo Rebelo de Sousa quer que o
parlamento aprove, antes das férias, um pacote legislativo global que abarque
várias áreas, do ordenamento florestal às questões penais. “Sobre tudo, mas
tudo é tudo“.
O que se passa? Do que tem
medo Marcelo? Ou melhor dizendo de quem tem medo? Porque insiste e repisa
Marcelo como se estivesse possuído por uma fúria enfática naquele tudo que é
“mesmo tudo”? Afinal se vamos apurar algo não é precisamente para apurar tudo? Que
parte é essa que o Presidente teme que fique fora desse tudo que exige
conhecer? E porque fala o Presidente de limites e de medos? Mas esses limites
podem ser colocados por quem? E os medos quanto são? Serão dois medos? Três
medos? E quem tem medos? E de que ou de quem?…
Não, isto não é apenas
Marcelo, qual silicone da situação, a tentar preencher todos os pontos de fuga.
Há de facto um medo instalado. Em primeiro lugar, o medo que um povo
experimenta quando não vê o seu Estado. Em Pedrógão não aconteceu um erro.
Negligência. Ou falha. Tudo isso já tivemos e continuaremos a ter. Porque somos
humanos. Não, o que aconteceu em Pedrógão foi doutra natureza e apenas tem
paralelo com as cheias de 1967: o Estado não estava lá. As pessoas gritaram, as
pessoas pediram socorro, as pessoas fizeram o que as autoridades mandaram… e
morreram.
Nos dias seguintes
enterraram-se os mortos e procura recuperar-se o quotidiano, mas, latente,
ficou a memória daquele dia em que os portugueses ficaram entregues a si
mesmos. E tiveram medo. É desse medo que Marcelo e o Governo têm medo. Porque
pode ser terrível aquilo que um povo faz para não sentir medo. E por isso,
todos, Governo, Presidente e povo repetem a si mesmos, desde 17 de junho, que
não pode haver uma segunda vez.
O imprevisível, seja esse
imprevisível umas cheias, um fogo florestal ou um engarrafamento em cadeia,
tornou-se consequentemente no terror de quem nos governa. Porque para o
previsível, ou seja, para os dados da economia, da situação financeira, da
educação, saúde… chegam, ou por enquanto parecem chegar, a língua de pau da
devolução dos rendimentos, da experiência pedagógica inovadora, “do
desenvolvimento de políticas que representam uma viragem” devidamente
envolvidos nos amplexos presidenciais.
É do imprevisível que o
Governo e o Presidente temem que venha aquele momento em que o falhanço do
Estado se torna óbvio. Porque esse mesmo Estado que regulamenta e taxa tudo,
que absorve quase metade da riqueza produzida no país, que determina o que
comemos, como morremos, o que dizemos aos nossos filhos, como devemos gerir as
empresas que criamos; esse Estado cheio de “meninas César” que saem das
faculdades direitinhas para as autarquias, as empresas públicas e os institutos
onde decidem taxas, licenciamentos, exigem sempre mais um documento, mais uma
assinatura e mais um certificado, esse Estado falhou clamorosamente no que tem
como sua primeira missão: defender os cidadãos.
Infelizmente para nós a
solução governativa que permitiu a António Costa ser primeiro-ministro
desmontar-se-á porque um dia os portugueses serão confrontados de novo com um
outro desastre. Já foi assim com José Sócrates e receio que venha a ser assim
com António Costa. São os desastres, o imprevisível, o que vem de fora da
cidadela mediática de Lisboa, que fazem os governos socialistas chegar ao fim.
Por muito que nos custe quem
pôs fim à carreira de Sócrates não foi a capacidade da oposição para desmontar
a sua demagogia, mas sim a Justiça pois nem esse momento em que teve de fazer o
pedido de ajuda externa foi suficiente para mostrar a mentira em que se
baseavam as suas políticas, que aliás voltaram agora para gaudio dos seus
antigos promotores. Estes últimos, devidamente desembaraçados do seu anterior
patrono (é aliás vergonhoso o espetáculo dessa gente que agora faz de conta que
não conhece Sócrates de parte alguma), voltaram ao poder com Costa e já começam
a esvoaçar em torno de Fernando Medina que para efeito da sagração mediática já
recebeu o cognome que Sócrates arvorava nos seus belos tempos: menino de ouro.
A diabolização de quem a
contesta – agora é austeridade já foram o neoliberalismo, o fascismo, a reação,
o capitalismo, o imperialismo – tem bastado à esquerda não apenas para ganhar
as eleições, mas, não menos importante, para questionar a legitimidade de
qualquer um que mesmo tendo mais votos não tenha o seu aval. Donde a
catástrofe, resulte ela de um incêndio ou de um fator externo, como os
mercados, que não se conseguem controlar com a verborreia do costume, se ter
tornado naquilo que os socialistas realmente temem. Quanto ao resto têm tudo
sob controlo. Tudo, mas mesmo tudo, senhor Presidente?
PS. Ninguém
consegue perguntar aos antigo Presidente, Jorge Sampaio, que avaliação faz do atual
funcionamento das instituições?
Título e Texto: Helena Matos,
Observador, 26-6-2017
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