Aparecido Raimundo de Souza
O PERNILONGO entrou, de repente, quarto à dentro e começou a perturbar a paz, o embrandecimento e o sossego do Arquimedes. O rapaz tentava conciliar o sono ao lado da sua mulher, a Zoroastra. Qual o quê! O infeliz zumbia daqui, tinia dali, incessante, pertinaz, diligente e esforçado. A tal ponto que não mais aguentando a balbúrdia, fez o sujeito irritado e abespinhado se levantar brabo e trepado nas tamancas:
— Tenho que matar esse desgraçado...
Apanhou na cesta de roupas sujas uma camisa da filha com as iniciais do BBB-22 e ficou à cata do inseto. Avistou o safado num espaço ermo da parede acima da porta:
— Chegou a sua hora, irmão...
Tentou dar umas camisadas ao acaso. Como nascera quase um anão e meio, não conseguiu alcançar o objetivo. Para não acordar a esposa, que dava aulas de matemática em duas escolas diferentes, se dirigiu, pé ante pé à cozinha.
Se armou de uma vassoura de piaçava e voltou ao ataque. Vinha confiante. Daria cabo do ilustre perturbador. Entretanto, um imprevisto derrubou, pelo chão de ladrilhos de pisos brancos, as suas ideias assassinas de finalizar com às cantorias daquele membro irritante da tradicional família Díptera. Nessas alturas, o trocinho havia mudado de lugar. Parecia adivinhar seus pensamentos marotos.
O belo espécime se via pousado tranquilamente no pé da Zoroastra sugando o seu sangue. A mulher, por assim, entregue aos mimos de Morfeu, pouco se lixava. Nem aí com as picadas. Arquimedes, por um segundo esqueceu a vassoura e partiu para o abraço, resgatando, de volta, a camisa da sua única herdeira. Mal chegou perto, o espertalhão acenou um tchauzinho, deu uma piscadela de olhos e tornou a voar. Arquimedes não entregou os pontos.
Pelo contrário. Mais abrasado, e, igualmente descontrolado que poste de luz em busca de um cachorro para fazer as suas necessidades fisiológicas, investiu para um novo ataque:
— Te pego, filho de uma boa mãe. Espera!
Os esforços empregados entretanto, resultaram em vão. Depois de muitas tentativas infrutíferas, por fim desistiu. Apagou o abajur e voltou à cama. Zoroastra, deu uma leve virada para o canto, resmungando palavras ininteligíveis.
Não demorou meia hora o cantor incomodante voltou a surfar no ouvido do Arquimedes:
— “Saia do meu caminho —, eu prefiro andar sozinho —, deixa que eu decida a minha vida...”.
— Maldito!
Ousou dar um tapa no meio da escuridão reinante. Acabou acertando o nariz da esposa:
— Merda...