Soeren Kern
Já se passaram quase três semanas desde que o presidente russo, Vladimir Putin, iniciou a invasão da Ucrânia, não se sabe ao certo o porquê e o que ele espera alcançar. Analistas, comentaristas e autoridades governamentais do Ocidente apareceram com um montão de teorias na tentativa de explicar as ações, motivos e objetivos de Putin.
Foto: Mihail Klimentyev/Sputnik/AFP via Getty Images |
Alguns analistas postulam que
Putin é motivado pelo desejo de reconstruir o Império Russo. Outros dizem que
ele está obcecado em trazer a Ucrânia de volta à esfera de influência russa. Já
outros acham que Putin quer controlar os enormes recursos energéticos da costa
ucraniana. Outros ainda especulam que Putin, autocrata calejado, não quer
soltar o osso (do poder) de jeito nenhum.
Enquanto alguns argumentam que
Putin dispõe de uma estratégia proativa de longo prazo destinada a estabelecer
a primazia russa na Europa, outros acreditam que ele seja um reacionário que
pensa no imediato e quer preservar o que resta do encolhimento da Rússia no
cenário internacional.
Segue abaixo uma compilação de
oito teorias distintas, porém complementares, que tentam explicar porque Putin
invadiu a Ucrânia.
1. Construir o Império
A explicação mais comum para a
invasão da Ucrânia pela Rússia é que Putin, ressentido até o ultimo fio de
cabelo, por conta do fim do Império Soviético, está determinado a restabelecer
a Rússia (comumente considerada uma potência regional) como grande potência
capaz de exercer influência em escala global.
De acordo com essa teoria,
Putin pretende recuperar o controle sobre os 14 estados pós-soviéticos, muitas
vezes referidos como o "exterior próximo" da Rússia, que se tornaram
independentes após o colapso da União Soviética em 1991. Isto faz parte de um
plano maior de reconstruir o Império Russo, que em termos territoriais era mais
expansivo ainda que o Império Soviético.
A teoria do Império Russo
sustenta que a invasão da Geórgia por Putin em 2008 e da Crimeia em 2014, bem
como a intervenção na Síria em 2015, fazem parte da estratégia de restaurar a
posição geopolítica da Rússia e corroer as regras da ordem internacional
baseadas na liderança dos EUA.
Os que acreditam que Putin
está tentando restabelecer a Rússia como grande potência salientam que uma vez conquistado o domínio da
Ucrânia, ele dirigirá o foco para outras ex-repúblicas soviéticas, incluindo os
países bálticos da Estônia, Letônia e Lituânia e, ao fim e ao cabo Bulgária,
Romênia e até a Polônia.
O objetivo final de Putin,
dizem eles, é expulsar os Estados Unidos da Europa, estabelecer uma esfera de
influência exclusiva de grande potência para a Rússia no continente e dominar a
ordem de segurança europeia.
A literatura russa apoia esta visão. Senão vejamos, em 1997, o estrategista russo Aleksandr Dugin, amigo de Putin, publicou um livro bastante influente: "Foundation of Geopolitics: The Geopolitical Future of Russia", onde argumenta que o objetivo de longo prazo da Rússia deveria ser a criação, não de um Império Russo, mas de um Império Eurasiano.
O livro de Dugin, leitura obrigatória nas academias militares russas,
afirma que para tornar a Rússia grande novamente, a Geórgia deveria ser
desmembrada, a Finlândia anexada e a Ucrânia deixar de existir: "a
Ucrânia, como estado independente que abraça certas ambições territoriais,
representa um enorme perigo para toda a Eurásia." Dugin, considerado o "Rasputin de Putin", adiantou:
"o Império Eurasiano será
construído com base no princípio fundamental do inimigo comum: rejeição do
atlantismo, controle estratégico dos EUA e a recusa em permitir que os valores
liberais nos dominem."
Em abril de 2005, Putin ecoou
este sentimento quando, em seu discurso anual sobre a situação do país, retratou o colapso do império soviético como "a
maior catástrofe geopolítica do século XX". Desde então, Putin tem
criticado repetidamente a ordem mundial liderada pelos EUA, na qual a Rússia
exerce uma posição subordinada.
Em fevereiro de 2007, em
um discurso à Conferência de Munique sobre Política de
Segurança, Putin atacou a ideia de uma ordem mundial "unipolar" na
qual os Estados Unidos, como única superpotência, tivessem condições de
disseminar seus valores democráticos liberais para outras partes do planeta,
entre elas a Rússia.
Em outubro de 2014, num
discurso diante do Valdai Discussion Club, um renomado think tank russo situado
perto do Kremlin, Putin criticou a
ordem internacional liberal pós-Segunda Guerra Mundial, cujos princípios e
normas, incluindo adesão ao Estado de Direito, respeito pelos direitos humanos
e promoção da democracia liberal, bem como a preservação da santidade da
soberania territorial e das fronteiras existentes, regularam a condução das
relações internacionais por quase 80 anos. Putin preconizou a criação de uma
nova ordem mundial multipolar mais amigável aos interesses de uma Rússia
autocrática.
O já falecido Zbigniew
Brzezinski (ex-conselheiro de segurança nacional do presidente Jimmy Carter),
escreveu em seu livro de 1997 "The Grand Chessboard", que a Ucrânia é essencial para
as ambições imperiais russas:
"sem a Ucrânia, a Rússia
deixa de ser um império eurasiano... No entanto, se Moscou recuperar o controle
da Ucrânia, cuja população é de 52 milhões de habitantes além de seus
gigantescos recursos e acesso ao Mar Negro, a Rússia automaticamente recupera
os meios para se tornar um poderoso estado imperial, indo da Europa a
Ásia."
O historiador alemão Jan
Behrends tuitou o
seguinte:
"não se iludam: para
#Putin não se trata da UE nem da OTAN, se trata sim de sua missão de restaurar
o império russo. Nem mais, nem menos. A #Ucrânia é apenas uma etapa, a OTAN é
só uma pedra no sapato. Mas o objetivo final é a hegemonia russa na
Europa".
O especialista em Ucrânia
Peter Dickinson, observou no Atlantic Council :
"a extrema hostilidade de
Putin em relação à Ucrânia é concebida pelos seus instintos imperialistas.
Muitas vezes se salienta que Putin quer mesmo é recriar a União Soviética, mas
não passa nem perto disso. Na realidade, ele é um imperialista russo que sonha
em retomar o Império Czarista e culpa as incipientes autoridades soviéticas de
terem entregado terras russas ancestrais para a Ucrânia e outras repúblicas
soviéticas."
O conceituado especialista
búlgaro Ivan Krastev concorda:
"os Estados Unidos e a
Europa não estão divididos quanto às ambições de Putin. Em que pese todas as
especulações sobre motivações, uma coisa é certa: o Kremlin quer a ruptura
simbólica com os anos de 1990 e enterrar a ordem pós-Guerra Fria. O resultado
tomaria a forma de uma nova arquitetura sobre a segurança europeia que
reconheceria a esfera de influência da Rússia no espaço pós-soviético e que
rejeitasse a universalidade dos valores ocidentais. Mais do que a retomada da
União Soviética, o objetivo é a recuperação do que Putin considera a Rússia
histórica."
Andrew Michta, analista sobre
segurança transatlântica ressaltou que a invasão da Ucrânia foi:
"o crepúsculo de quase
duas décadas da política de Putin destinada a reconstruir o império russo e
trazer a Rússia de volta à política europeia como um dos principais atores em
condições de moldar o futuro do continente."
Ao escrever para o blog de segurança
nacional 1945, Michta adiantou:
"do ponto de vista de
Moscou, a guerra ucraniana é, na verdade, a batalha final da Guerra Fria, para
a Rússia, hora de recuperar seu lugar no tabuleiro de xadrez europeu como um
grande império, com poderes de avançar e moldar o destino do continente. O
Ocidente precisa entender e aceitar que somente quando a Rússia for
inequivocamente derrotada na Ucrânia, haverá ao fim e ao cabo, a possibilidade
de se chegar a um genuíno acordo pós-Guerra Fria."
2. Zona Tampão
Inúmeros analistas atribuem a
invasão russa da Ucrânia à geopolítica, que tenta explicar o comportamento dos
países através das lentes da geografia.
A maior fatia da parte
ocidental da Rússia fica na planície russa, vasta região livre de montanhas que
se estende por mais de 4 milhões de quilômetros quadrados. Também chamada de
Planície Europeia Oriental, a planície apresenta à Rússia um grave problema de
segurança: a invasão de um exército inimigo da Europa Central ou Oriental
encontraria poucos obstáculos naturais para alcançar o centro nevrálgico russo.
Em outras palavras, a Rússia, devido à sua posição geográfica, fica com a
defesa para lá de complicada.
Robert Kaplan, veterano
analista geopolítico escreveu que a questão geográfica é o ponto de partida
para entender tudo sobre a Rússia:
"a Rússia continua
despótica e autocrática porque, diferentemente da Grã-Bretanha e dos Estados
Unidos, não é uma nação insular, mas um vasto continente com poucas características
geográficas para protegê-la de invasões. A agressão de Putin decorre, em última
análise, dessa fundamental insegurança geográfica."
Historicamente, os líderes
russos têm procurado obter profundidade estratégica se expandindo para criar
zonas tampão, barreiras territoriais que aumentam a distância e o tempo que os
invasores teriam para chegar até Moscou.
Faziam parte do Império Russo
os Bálticos, Finlândia e Polônia, todos servindo de zona tampão. A União
Soviética criou o Pacto de Varsóvia que incluía Albânia, Bulgária,
Tchecoslováquia, Alemanha Oriental, Hungria, Polônia e Romênia, enorme zona
tampão para protegê-la de potenciais invasores.
A maioria dos países do Pacto
de Varsóvia de outrora são agora membros da OTAN. Isso deixa Bielorrússia,
Moldávia e Ucrânia, estrategicamente localizadas entre a Rússia e o Ocidente,
como os únicos países do leste europeu servindo de estados-tampão para os
russos. Alguns analistas argumentam que a impressão que a Rússia tem da
necessidade de uma zona tampão é o principal fator na decisão de Putin de
invadir a Ucrânia.
Mark Galeotti, consagrado
estudioso britânico da política de poder russa, observou que
a posse de uma zona tampão é intrínseca à compreensão da Rússia sobre o status
de grande potência:
"do ponto de vista de
Putin, ele construiu muito de sua identidade política em torno da noção de
tornar a Rússia uma grande potência e fazer com que seja reconhecida como tal.
Quando ele pensa em grande potência, ele vira no fundo um geopolítico do século
XIX. Não se trata do poder da conectividade econômica, nem da inovação
tecnológica, muito menos do poder de influência. Não. O grande poder, no melhor
e velho estilo, conta com uma esfera de influência, países cuja soberania
encontra-se subordinada à sua."
Outros acreditam que o
conceito de estados-tampão é obsoleto. Benjamin Denison, especialista em
segurança internacional por exemplo, argumenta que a Rússia não pode legitimamente
justificar a necessidade de uma zona tampão:
"após a invenção das
armas nucleares... os estados-tampão não eram mais vistos como necessários,
independentemente da geografia, pois a dissuasão nuclear funcionou para
garantir a integridade territorial das grandes potências que possuíam poder
nuclear... A utilidade dos estados-tampão e os temores da questão geográfica
invariavelmente mudaram após a revolução nuclear. Sem a preocupação de invasões
rápidas de uma grande potência rival, os estados-tampão perdem sua função,
independentemente da geografia do território...
"Designar cuidadosamente
interesses nacionais à geografia e exigir que a geografia impulsione os estados
a replicarem ações passadas, empregadas ao longo da história, só fomenta o
pensamento equivocado e de forma leniente tolera a apropriação de terras pela
Rússia como se fosse legítimo."
3. Independência Ucraniana
A obsessão de Putin em acabar
com a soberania ucraniana está estreitamente entrelaçada com teorias sobre
construção de impérios e geopolítica. Putin afirma que a Ucrânia faz parte da
Rússia há séculos e que a sua independência em agosto de 1991 foi um erro
histórico. A Ucrânia, afirma ele, não tem o direito de existir.
Putin tem repetidamente
subestimado ou negado o direito da Ucrânia à condição de estado e de soberania:
§ Em
2008, Putin disse a William Burns, então embaixador dos EUA na
Rússia (hoje diretor da CIA): "você não sabia que a Ucrânia não é nem um
país de verdade? Parte dela é na realidade do Leste Europeu e outra parte é na
realidade russa."
§ Em
julho de 2021, Putin escreveu um ensaio de 7 mil palavras intitulado "Com
Respeito à Unidade Histórica de Russos e Ucranianos", no qual mostrou
desprezo pelo estado ucraniano, questionou a legitimidade das fronteiras da
Ucrânia e argumentou que a Ucrânia moderna ocupa "as terras da Rússia
histórica". E concluiu: tenho plena convicção de que verdadeira soberania
da Ucrânia é possível somente com a parceria da Rússia."
§ Em
fevereiro de 2022, apenas três dias antes de iniciar a invasão, Putin afirmou que
a Ucrânia era um estado fake criado por Vladimir Lenin, fundador da União
Soviética:
"a Ucrânia moderna foi
inteiramente criada pela Rússia, mais especificamente pelos bolcheviques, a
Rússia comunista. Este processo começou praticamente logo na sequência da
revolução de 1917, Lenin e seus parceiros a criaram de maneira extremamente
complicada para a Rússia, separando, cortando o que era historicamente
território russo... A Ucrânia soviética é o resultado da política dos
bolcheviques e poderia ser justificadamente chamada de 'Ucrânia de Vladimir
Lenin'. Ele foi seu criador e arquiteto."
No ensaio "A culpa é de Lenin: o que Putin não entende sobre a Ucrânia",
o conceituado especialista russo Mark Katz argumenta que Putin deveria se
beneficiar da percepção de Lenin de que uma abordagem mais reconciliatória em
relação ao nacionalismo ucraniano serviria melhor aos interesses de longo prazo
da Rússia:
"não dá para Putin fugir
do problema que o próprio Lênin teve que enfrentar de achar um meio de
reconciliar os que não são russos serem comandados pela Rússia. A imposição
forçada do domínio russo em parte, sem falar em toda a Ucrânia, não trará tal
reconciliação. Portanto ainda que os ucranianos não possam resistir à imposição
forçada do domínio russo sobre parte ou toda a Ucrânia agora, o sucesso de
Putin em impô-lo provavelmente só intensificará os sentimentos de nacionalismo
ucraniano provocando novas invasões sempre que a oportunidade surgir."
A independência política da
Ucrânia tem sido acompanhada por uma longa contenda com a Rússia sobre
fidelidade religiosa. Em janeiro de 2019, ocorreu o que foi retratado como "o maior racha no cristianismo em
séculos", a Igreja Ortodoxa da Ucrânia conquistou a independência
(autocefalia) da Igreja Russa. A igreja ucraniana se encontrava sob jurisdição
do patriarcado de Moscou desde 1686. A autonomia foi um golpe para a igreja
russa, que perdeu cerca de um quinto dos 150 milhões de cristãos ortodoxos.
O governo ucraniano alegou que
as igrejas apoiadas por Moscou na Ucrânia estavam sendo usadas pelo Kremlin
para disseminar propaganda e dar sustentação aos separatistas russos na região
leste de Donbas. Putin quer que a igreja ucraniana volte à órbita de Moscou e
alertou que haverá "altercações pesadas, até derramamento de sangue"
a qualquer tentativa de transferir a posse da propriedade da igreja.
O primaz da Igreja Ortodoxa
Russa, Patriarca Kirill de Moscou, declarou que
Kiev, berço da religião ortodoxa, é comparável em termos de importância
histórica a Jerusalém:
"a Ucrânia não se
encontra na periferia da nossa igreja. Nós chamamos Kiev de 'mãe de todas as
cidades russas'. Para nós, Kiev é o que Jerusalém é para muitos. A Ortodoxia
Russa começou lá, de modo que, em hipótese alguma, podemos abandonar esse
relacionamento histórico e espiritual. Toda a unidade da nossa Igreja Local
baseia-se nestes laços espirituais".
Em 6 de março, Kirill,
ex-agente da KGB, mais conhecido como "coroinha de Putin", por
conta da sua subserviência ao líder russo, publicamente endossou a
invasão da Ucrânia. Num sermão ele repetiu as
alegações de Putin de que o governo ucraniano estava perpetrando um
"genocídio" contra os russos na Ucrânia: "Ao longo de oito anos,
a repressão e o extermínio estão em andamento em Donbas. Oito anos de
sofrimento e o mundo inteiro em silêncio".
Ulrich Speck, analista
geopolítico alemão escreveu:
"para Putin, destruir a
independência da Ucrânia virou obsessão... Putin disse inúmeras vezes e até
escreveu, que a Ucrânia não é uma nação independente e não deveria existir como
estado soberano. É esta fundamental negação que levou Putin a travar esta
guerra totalmente sem sentido que ele não tem condições de vencer. E isso nos
leva ao problema de como fazer a paz: ou a Ucrânia tem o direito de existir
como uma nação e estado soberano ou não. A soberania é indivisível. Putin nega
tal preceito, a Ucrânia defende. Como chegar a um denominador comum sobre a
existência da Ucrânia como estado soberano? Impossível. É por isso que ambos os
lados só podem mesmo é lutar até que um vença.
"Normalmente as guerras
entre estados têm como pano de fundo conflitos que estes têm entre si. No
entanto, esta é uma guerra que trata da existência de um país, negada pelo
agressor. É por isso que os velhos conceitos de fazer a paz, achar um
meio-termo, não se aplicam aqui. Se a Ucrânia continuar existindo como estado
soberano, Putin terá perdido. Ele não está interessado em ganhos territoriais propriamente
ditos, o que seria um fardo. Ele está interessado apenas e tão somente em
controlar o país por inteiro. O resto é resto, é derrota para ele."
Taras Kuzio, especialista
ucraniano salientou:
"A verdadeira causa da
crise atual é a busca de Putin de fazer com que a Ucrânia volte à órbita russa.
Nos últimos oito anos, ele usou uma mistura de intervenção militar direta,
ataques cibernéticos, campanhas de desinformação, pressão econômica e
diplomacia coercitiva para tentar e forçar a Ucrânia a abandonar suas ambições
euro-atlânticas...
"O objetivo final de
Putin é a capitulação da Ucrânia e a absorção do país na esfera da influência
russa. Sua busca obsessiva por esse objetivo já mergulhou o mundo em uma nova
Guerra Fria...
"Nada menos do que o
retorno da Ucrânia à órbita do Kremlin irá satisfazer Putin ou aplacar seus
temores sobre o rompimento da herança imperial da Rússia. Ele não irá parar até
que seja contido. Para tanto, o Ocidente deverá se tornar muito mais robusto na
resposta à agressão imperial russa e concomitantemente apressar a integração
euro-atlântica da Ucrânia".
4. OTAN
Esta teoria sustenta que Putin
invadiu a Ucrânia com o objetivo de impedi-la de ingressar na OTAN. O
presidente russo exigiu inúmeras vezes que o Ocidente garantisse
"imediatamente" que a Ucrânia não será autorizada a ingressar na Otan
nem na União Europeia.
John Mearsheimer, teórico
americano de relações internacionais e eloquente defensor desse ponto de vista,
que, no polêmico ensaio: "Why the Ukraine Crisis Is the West's Fault", argumenta
que a expansão da OTAN para o leste provocou Putin a agir militarmente contra a
Ucrânia:
"Os Estados Unidos e seus
aliados europeus dividem o grosso da responsabilidade pela crise. A ponto
nevrálgico do problema é o avanço da OTAN, elemento central da abrangente
estratégia de tirar a Ucrânia da órbita da Rússia e integrá-la no Ocidente...
"Desde meados dos anos de
1990, os líderes russos se opuseram terminantemente ao crescimento da Otan e
nos últimos anos deixaram claro que não ficariam de braços cruzados enquanto
seu vizinho estrategicamente importante virasse um bastião ocidental."
Em recente entrevista ao The
New Yorker, Mearsheimer culpou os Estados Unidos e seus aliados europeus pelo
o conflito atual:
"acho que todos os
problemas neste caso começaram, a bem da verdade, em abril de 2008, na Cúpula
da Otan em Bucareste, onde na sequência a Otan emitiu um comunicado dizendo que
a Ucrânia e a Geórgia se tornariam membros da Otan."
Na realidade, nem sempre Putin
se opôs à expansão da OTAN. Em várias ocasiões ele chegou a ponto de dizer que
a expansão da OTAN para o leste não era problema da Rússia.
Em março de 2000, por exemplo,
em uma entrevista com o já falecido apresentador da BBC David Frost, Putin foi
questionado se ele via a OTAN como potencial parceiro, rival ou inimigo.
Putin respondeu:
"a Rússia faz parte da
cultura europeia. E não consigo imaginar meu próprio país isolado da Europa e
do que costumamos chamar de mundo civilizado. De modo que, é difícil para mim
visualizar a Otan como inimiga."
Em novembro de 2001, durante
uma entrevista à National Public Radio, Putin foi questionado se ele se opunha
à admissão dos três estados bálticos, Lituânia, Letônia e Estônia, na OTAN.
Ele respondeu:
"é claro que não cabe a
nós dizer aos outros o que eles devem ou não fazer. Não temos condições de
proibir que pessoas façam certas escolhas se quiserem aumentar a segurança de
suas nações de determinada maneira."
Ao ser questionado sobre o
futuro das relações da OTAN e a Ucrânia em maio de 2002, Putin, respondeu na
lata que ele não estava nem aí para isso:
"tenho plena convicção de
que a Ucrânia não irá se intimidar em levar adiante os processos de expansão da
interação com a OTAN e com os aliados ocidentais como um todo. A Ucrânia tem
suas próprias relações com a OTAN, há o Conselho Ucrânia-OTAN. Em última
análise, a decisão deverá ser tomada pela OTAN e pela Ucrânia. É prerrogativa
deles."
O posicionamento de Putin
sobre a expansão da OTAN deu uma guinada de 180º após a Revolução Laranja de
2004, que foi desencadeada pela tentativa de Moscou de roubar a eleição
presidencial da Ucrânia. Uma grande revolta pró-democracia acabou levando à
derrota do candidato preferido de Putin, Viktor Yanukovych, que acabou se
tornando presidente da Ucrânia em 2010, mas foi deposto na Revolução Euromaidan
de 2014.
O ex-secretário-geral da OTAN
Anders Fogh Rasmussen, salientou em uma recente entrevista à Radio Free
Europe, como as opiniões de Putin sobre a OTAN mudaram:
"Putin mudou ao longo dos
anos. Nosso primeiro encontro ocorreu em 2002... ele se mostrou muito positivo
quanto à cooperação entre a Rússia e o Ocidente. Posteriormente, ele foi aos
poucos mudando de ideia. E por volta de 2005 e 2006, ele foi ficando cada vez
mais avesso em relação ao Ocidente. Em 2008 ele atacou a Geórgia... Em 2014 ele
tomou a Crimeia e agora vimos uma invasão em grande escala na Ucrânia. De modo
que, ele realmente mudou ao longo dos anos.
"Acredito que as
revoluções ocorridas na Geórgia e na Ucrânia em 2004 e 2005 contribuíram para a
guinada. Não podemos esquecer que Vladimir Putin cresceu na KGB. Assim sendo,
sua maneira de pensar foi muito impactada por este passado. Acho que ele sofre
de paranoia. Ele imaginou que depois da Revolução Rosa na Geórgia e da
Revolução Laranja na Ucrânia, o objetivo (do Ocidente) era iniciar a mudança de
regime no Kremlin, em Moscou, também. E é por isso que ele se voltou contra o
Ocidente.
"Eu jogo a culpa
integralmente em Putin e na Rússia. A Rússia não é a vítima. Estendemos a mão à
Rússia inúmeras vezes ao longo da história... Primeiro, aprovamos o Ato Fundador
OTAN-Rússia de 1997... Depois em 2002, estendemos a mão mais uma vez,
estabelecemos algo muito especial, a saber, o Conselho OTAN-Rússia. E em 2010,
decidimos em uma cúpula OTAN-Rússia que desenvolveríamos uma parceria
estratégica entre a Rússia e a OTAN. Então, vira e mexe, estendemos a mão para
a Rússia."
"Acho que deveríamos ter
nos empenhado mais para deter Putin. Em 2008, ele atacou a Geórgia, tomou de
fato a Abkhazia e a Ossétia do Sul. Poderíamos ter reagido com muito mais
determinação já naquela época."
De uns anos para cá, Putin tem
afirmado reiteradamente que o crescimento da OTAN pós-Guerra Fria representa
uma ameaça para a Rússia, que não teve outra escolha a não ser se defender.
Além disso ele acusou o Ocidente de tentar cercar a Rússia. Na realidade, dos
14 países que fazem fronteira com a Rússia, apenas cinco são membros da OTAN.
As fronteiras desses cinco países, Estônia, Letônia, Lituânia, Noruega e
Polônia, são contíguas e perfazem somente 5% das fronteiras da Rússia.
Putin afirmou que a Otan
quebrou promessas solenes realizadas nos anos de 1990 segundo as quais a
aliança não se expandiria para o Oriente. "Vocês nos prometeram na década
de 1990 que a OTAN não avançaria um centímetro para o Oriente. Vocês nos
mentiram descaradamente", salientou ele em uma entrevista coletiva à imprensa em
dezembro de 2021. Mikhail Gorbachev, presidente da União Soviética nos anos
1990, ressaltou que tais promessas jamais foram feitas.
Recentemente Putin fez três exigências totalmente impraticáveis: retirada
das forças da OTAN para as fronteiras de 1997, a OTAN não poderá oferecer
adesão a outros países, incluindo Finlândia, Suécia, Moldávia nem Geórgia, a
OTAN deverá apresentar garantias por escrito de que a Ucrânia jamais se juntará
à aliança.
Dmitri Trenin, historiador
russo escreveu no ensaio "What Putin Really Wants in Ukraine" para a
revista Foreign Affairs, argumentando que Putin quer é que pare a
expansão da OTAN, não anexar mais território:
"as ações de Putin
sugerem que seu verdadeiro objetivo não é o de conquistar a Ucrânia e
absorvê-la na Rússia, mas mudar a configuração pós-Guerra Fria no leste da
Europa. Tal configuração deixou a Rússia na condição submissa, em segundo
plano, em questões de segurança europeia, que ficou centrada na OTAN. Se ele
conseguir manter a OTAN fora da Ucrânia, Geórgia e Moldávia, além dos mísseis
de médio alcance dos EUA fora da Europa, ele acha que poderá reparar parte dos
danos que a segurança da Rússia sofreu após o fim da Guerra Fria. Não por
coincidência, isso poderia servir como um histórico útil a ser usado em 2024,
quando Putin se candidatará e possivelmente reeleito."
5. Democracia
Esta teoria sustenta que a
Ucrânia, democracia florescente, representa uma ameaça existencial ao modelo
autocrático de governança de Putin. A existência continuada de uma Ucrânia
soberana, livre e democrática alinhada ao Ocidente poderia inspirar o povo
russo a exigir o mesmo.
O ex-embaixador dos EUA na
Rússia Michael McFaul e o professor da Academia Militar dos Estados
Unidos,Robert Person escreveram que
Putin tem pavor da democracia na Ucrânia:
"nos últimos trinta anos,
a relevância da questão (expansão da OTAN) subiu e despencou acima de tudo não
por conta das ondas expansionistas da OTAN e sim devido as ondas expansionistas
democráticas na Eurásia. Num claríssimo padrão, as queixas de Moscou em relação
à OTAN dispararam após avanços democráticos...."
"Dado que a principal
ameaça a Putin e seu regime autocrático é a democracia, não a OTAN, a sensação
de ameaça não desaparecerá como um passe de mágica com uma moratória na
expansão da OTAN. Putin não pararia de tentar minar a democracia e a soberania
da Ucrânia, Geórgia ou na região como um todo se a OTAN parasse de se expandir.
Enquanto os cidadãos dos países livres exercerem seus direitos democráticos de
eleger seus próprios líderes e definir seu próprio curso na política interna e
externa, Putin ficará de olho neles...
"A causa mais séria das
tensões tem sido uma série de avanços democráticos e protestos populares a
favor da liberdade ao longo dos anos 2000, o que muitos chamam de 'Revoluções
Coloridas'. Putin acredita que os interesses nacionais russos estão ameaçados
por conta do que ele pinta como golpes apoiados pelos Estados Unidos. Depois de
cada golpe: Sérvia em 2000, Geórgia em 2003, Ucrânia em 2004, Primavera Árabe
em 2011, Rússia em 2011/2012 e Ucrânia em 2013/2014, Putin se voltou para
políticas mais hostis em relação aos Estados Unidos, invocando a ameaça da OTAN
como justificativa..."
"Os ucranianos que se
levantaram em defesa da liberdade eram, na avaliação do próprio Putin, irmãos
eslavos com estreitos laços históricos, religiosos e culturais com a Rússia. Se
isso pode acontecer em Kiev, por que não em Moscou?"
Taras Kuzio, especialista
ucraniano concorda:
"Putin continua
assombrado pela onda de revoltas pró-democracia que varreu a Europa Oriental no
final dos anos de 1980, abrindo caminho para o subsequente colapso soviético.
Ele vê a incipiente democracia da Ucrânia como desafio direto ao seu próprio
regime autoritário e reconhece que a proximidade histórica da Ucrânia em
relação à Rússia torna a ameaça particularmente aguda."
6. Recursos Energéticos
A Ucrânia é detentora da
segunda maior reserva, que se tem notícia, mais de um trilhão de metros
cúbicos, de gás natural na Europa, atrás somente da Rússia. Essas reservas, no
Mar Negro, estão concentradas ao redor da Península da Crimeia. Além disso,
enormes depósitos de gás de xisto foram descobertos no leste da Ucrânia, nos
arredores de Kharkiv e Donetsk.
Em janeiro de 2013 a
Ucrânia assinou um acordo de 50 anos no valor de US$10 bilhões
com a Royal Dutch Shell para explorar e perfurar gás natural no leste da
Ucrânia. Mais tarde no mesmo ano, Kiev assinou um acordo de produção conjunta de gás de xisto
por 50 anos no valor de US$10 bilhões com a Chevron, empresa de produção de
energia dos Estados Unidos. Tanto a Shell como a Chevron caíram fora dos
acordos depois que a Rússia anexou a Península da Crimeia.
Alguns analistas acreditam
que Putin anexou a Crimeia para impedir que a Ucrânia se tornasse um grande
fornecedor de petróleo e gás para a Europa, desafiando assim a supremacia energética da Rússia. A
Rússia, segundo eles, também estava temerosa de que, na qualidade de segundo
maior país produtor de petróleo e gás da Europa, a Ucrânia seria rapidamente
aceita na UE e na OTAN.
Segundo esta teoria, a invasão
da Ucrânia pela Rússia visa forçar Kiev a reconhecer oficialmente a Crimeia como
russa bem como reconhecer as repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk como
estados independentes, para que Moscou possa garantir legalmente o controle
sobre os recursos naturais naquelas regiões.
7. Recursos Hídricos
Em 24 de fevereiro, no
primeiro dia da invasão russa na Ucrânia, tropas russas restauraram o fluxo de água para um canal
estrategicamente importante que liga o rio Dnieper à Crimeia ora controlada
pelos russos. A Ucrânia bloqueou o Canal da Crimeia do Norte, da era soviética,
que fornece 85% das necessidades hídricas da Crimeia, depois que a Rússia
anexou a península em 2014. A escassez de água resultou numa massiva redução na
produção agrícola na península, forçando a Rússia a gastar bilhões de rublos a
cada ano para fornecer água do continente para sustentar a população da
Crimeia.
A crise hídrica foi uma
importante fonte de tensão entre a Ucrânia e a Rússia. O presidente ucraniano
Volodymyr Zelensky bateu o pé, insistindo que o abastecimento de água seria
restabelecido somente depois que a Rússia devolvesse a Península da Crimeia.
Polina Vynogradova, analista de segurança observou que qualquer retomada do abastecimento de
água equivaleria a um reconhecimento de fato da autoridade russa na Crimeia e
minaria a reivindicação da Ucrânia sobre a península. Também reduziria a margem
de manobra ucraniana nas negociações sobre Donbas.
Mesmo que, ao fim e ao cabo,
as tropas russas se retirem da Ucrânia, a Rússia provavelmente manterá
permanentemente o controle sobre o Canal da Crimeia do Norte, de 400
quilômetros, para garantir que não haja mais interrupções no abastecimento de
água da Crimeia.
8. Sobrevivência do Regime
Esta teoria sustenta que
Putin, de 69 anos, no poder desde 2000, quer um eterno conflito militar como
forma de manter o prestígio na população russa. Alguns analistas acreditam que,
após revoltas populares na Bielorrússia e no Cazaquistão, Putin decidiu invadir
a Ucrânia por medo de perder o poder.
Em entrevista concedida
ao Politico, Bill Browder, o empresário americano que dirige a
Global Magnitsky Justice Campaign, salientou que Putin sente a necessidade de parecer
forte o tempo todo:
"não acho que esta guerra
seja por causa da OTAN, não acho que esta guerra seja por causa do povo
ucraniano nem da UE nem mesmo da Ucrânia, o âmago desta guerra é para se
perpetuar no poder. Putin é um ditador e ele é um ditador cuja intenção é ficar
no poder até o fim da vida. Ele disse a si mesmo, que está escrito, a menos que
ele faça algo dramático. Putin só está pensando no curto prazo... 'como eu
continuo no poder desta para a próxima semana? E da próxima para a
próxima?'"
Anders Åslund, um dos mais
consagrados especialistas em política econômica sobre a Rússia e a
Ucrânia, concorda:
"como entender a guerra
de Putin contra a Ucrânia. Não se trata da OTAN, UE, URSS nem mesmo a própria
Ucrânia. Putin precisa de uma guerra para justificar seu governo, sua açodada
repressão interna... Na realidade, no frigir dos ovos, tudo gira em torno de
Putin, não o neoimperialismo, nacionalismo russo nem mesmo a KGB."
A especialista russa Anna
Borshchevskaya escreveu que a invasão da Ucrânia pode ser o começo do
fim de Putin:
"embora não tenha sido
eleito democraticamente, ele se preocupa com a opinião pública e as
manifestações em casa, vendo-as como ameaças ao seu poder... Ao passo que Putin
pode ter tido a esperança de que invadindo a Ucrânia ele expandiria rapidamente
o território russo e ajudaria a restaurar a grandeza do antigo império russo, a
invasão poderá sair pela culatra."
Título e Texto: Soeren Kern
Original em inglês: Why Did Vladimir Putin Invade Ukraine?
Tradução: Joseph Skilnik
Gatestone Institute
21 de março de 2022
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