sexta-feira, 25 de março de 2022

[Aparecido rasga o verbo] Sweet Child

Aparecido Raimundo de Souza

ORDINÁRIA
vagabunda, 
safada!
Veja só como são as coisas. A galera que vem aqui, que me visita, ao olhar para seu rosto, ao lhe desejar às escondidas, me diz que você é tudo isso e muito mais, ou seja: baixa, à toa, chibateira, desprezível, escrota, reles e sórdida. Diante desse dilema pouco incomum e profundamente desolador, o que devo fazer? Retroceder? Voltar atrás? Ir em frente? Acreditar, desacreditar?
Nada! Não devo fazer absolutamente nada.

Apenas dizer para que todos ouçam, leiam ou o que eu escrever e saibam que, apesar de tudo, continuo amando perdidamente a mulher maravilhosa que existe em você, ou melhor posto, a fêmea que está incubada dentro de seu corpo. E por amar dessa maneira tão significativa e eloquente, tão sem volta e sem remédio para a cura, a ponto de não ver o que todos sabem de cor, perceberam e me apontam é que mais cego eu fique e deixe que tudo de ruim e de mal desapareça e suma em pleno ar. O que será isso? Loucura? Paixão? Negativo! A isso se dá o nome de AMOR.

AMOR, minha querida. Isso mesmo. AMOR, essa doença sem volta, sem receita certa, sem dia da semana, sem eira nem beira, sem medicina ou especialista catedrático que dê jeito. O amor nos faz prisioneiro de suas garras, nos deixa à mercê, a reboque do destino. O amor é absurdo, destrambelhado, confuso, insensato, descomedido e contraditório. O amor é cego, e, ao mesmo tempo, eternamente incurável e de visão profunda. Talvez eu lhe queira assim: obscena, ilógica, inepta, inconcludente, desconexa, exatamente ou obviamente para realizar meus devaneios mais secretos.

Talvez eu lhe almeje às avessas: vagabunda, bandida, pistoleira, malandra, marota, treteira, velhaca, vivaldina, a diaba, para poder me soltar de todas as amarras, me libertar de pudores bestas, composturas antigas, conveniências decadentes, recatos ultrapassados, laços bobos, rubores sem nexos impostos pela sociedade fingida e dissimulada, falsa e hipócrita, que nos rodeia e esmaga. Talvez eu lhe cobice adversante, safada e bem travessa, para tirar a máscara e, sem a sua que nunca esteve no rosto, encarar a realidade que nos cerca à ambos e incomoda os demais.

Vadia, 
mulher da zona, 
amoral! 
O povo que vem aqui me visitar, não para, não dá trégua. Continua a gritar, a esbravejar, a falar pelos cotovelos. A massa mete a língua sem dó nem piedade. Todos se julgam no direito de inventar, mazelar, obscurecer, desabonar, caluniar, difamar e denegrir. Para completar o rosário das lamúrias, concluí que somente eu não percebi que você é uma quenga, a ponta-de-rua, a cortesã, a biscaia, a mariposa, a decaída, a marafaia dadeira... e cá entre nós, uma Chérri (como a descrita por Colette) ou a simplória vadia e refinada Gabriela, de Jorge Amado. Tenho que rir... 

Que me importa a opinião dessa plebe? Anelo você assim: pomposa, sofisticada, rebuscada, apurada, artificiosa, liberada aos extremos. Não abro mão disso. E folgo em ter a meu lado, em minha casa simples, a mais linda messalina do pedaço. A vaqueta mais querida, a tronga mais desejada, a muruxaba rameira literalmente adúltera e perdida. A perua do-pala-aberto com todas as letras. A mulher da parte podre que roda em todas as zorras e periferias existentes em mim. A meretriz "putérrima", a dama da noite –, a infiel, a promíscua, a insaciável em todos os sentidos que as palavras possam vir à exprimir. 

Você é a galinha que sujou o meu pau de galinheiro com seu arroubo, com seu suor, com seus cheiros e odores próprios, com seu líquido vaginal apurado, com a sua água-da-guerra e botou, em paralelo, as outras frangas para correrem distâncias. Foi você, a que não contente, se achegou e se empoleirou como uma penosa novinha, uma incrível perua, dando brilho e razão de existir ao galo troncho e choco que estava adormecido devido à quarentena de uma gripe aviária que quase me nocauteou. Sem falar na Covid 19 e as suas variantes.

Piranha, 
desqualificada, 
bagaxa! 
A multidão insiste. Vem aqui em casa me perturbar as ideias. Não desiste. Sabe o que penso? Muitas mulheres que agora jogam pedras, gostariam de ser a pistoleira que você é, ou melhor, a que os olhos revestidos da sombra do mal existente em cada uma delas lhe apontam ser. Tenho em conta que essas dondocas e filhas de papai adorariam se espelhar em seus anseios e aspirações. Muita gente que agora grita seu nome e joga lama em seu rosto, daria tudo o que tivesse para venerar seus anelos com apetite descomedido. Seguir seus passos com resguardo e atenção, para, amanhã, lá adiante, bem lá no distante se espelhar em seu exemplo. 

Você pode ser uma biraia. Todavia, ainda que procurasse pelos quatro cantos do mundo, com certeza, nenhuma pechenga chegaria à seus pés. Nenhuma belezência, por mais bem nascida que fosse, seria uma liga tão pura de ordinária e vagabunda, safada e puta amalgamada à mulher da zona e ociosa, combinando em todas as bocas e línguas, o gosto saboroso de tudo o que é bom. Nenhuma daria, pode ter plena certeza, como você deu, numa fusão homogênea perfeita, a ponto de ser considerada a melhor entre todas. A senhora capaz de arrebatar todos os Oscars de um concurso, se houvesse, algum dia, uma premiação para as fantásticas que se destacam nos caminhos do amor carnal. 

O que a raia miúda não sabe, o que eles não vêm, e desconhecem, é que você será sempre, eternamente, a mulher da zona, na medida e no tamanho ideal. A tatueta-gatinha dos ovos e penas de ouro, com molho pardo ou sem, frita ou assada, cozida, com farofa, mal ou bem passada, mas a melhor. Consequentemente, o prato mais caro e saboroso, excelente que um ser do sexo masculino possa vir a provar e ficar se derretendo, com água na boca, querendo mais. Nessa mesma linha, você é a mistura platônica, a caipira-garota, a menina de programa fantástica, a My Fair Lady que dá e faz tudo, sem descer, sem desqualificar a classe. 

Concluindo, minha doce Mary Poppins, você é a única, a The Best, que sabe honrar a profissão e ser a prostituta com a alma aberta. A alegria que contagia, o sorriso que acalma as aflições, o colo onde qualquer um que precise, se anunhe (e se aninhe) em seu regaço e sonhe emoções nunca sentidas. Você é a flor em botão que explodiu em mim com um sorriso ingênuo mas contagiante de jardim bem cuidado, tal como a Iracema e os seus eternos lábios de mel. Por assim, esses predicados todos...

puta, 
safada, 
mulher da vida, não importa. Eu fiz de você a minha Maria Ísis roubada (não sei como, da novela “Império”). Eu sou o seu Comendador. Pena que você, minha princesa, seja apenas um quadro de R$ 1.99 pregado na parede suja da minha sala. 

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha no Espírito Santo. 25-3-2022

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