sexta-feira, 4 de março de 2022

[Aparecido rasga o verbo] Radicalmente eficaz

Aparecido Raimundo de Souza

CHAMBRÓSIO BOITORADO
, foi visitar seu amigo Parreira, que morava no Leme. Praticamente dia sim, dia não, ia à casa dele jogar. Chamou, como sempre, um Uber, se aboletou no banco traseiro e, nele, se deslocou da Rua Sá Ferreira, até o prédio onde o rapaz residia, na Gustavo Sampaio. Assim que chegou no apartamento, percebeu que a dorzinha de cabeça que viera, de contrapeso, seguia dando sinais de que não pretendia lhe dar um segundo de paz.

A certa altura, enquanto jogavam xadrez e se empanturravam de refrigerante, incomodado com a chateação que não o largava, indagou do companheiro, se ele não tinha algum remédio do qual pudesse fazer uso para se livrar do desconforto irritante que não o permitia se concentrasse nas peças do tabuleiro da forma como gostaria:
— Qualquer coisa serve, Parreira. Até o mijo da sua coelha.
— Credo, mano. Relaxa.

Parreira, todavia, antes de se levantar para ir buscar o analgésico solicitado, discorreu sobre uma receita diferente, segundo ele, mais rápida e objetiva. Quando se via acossado por alguma indisposição que teimava em deixá-lo em maus lençóis, saia à cata dela:
— Se me permite, amigo Chambrósio, vou lhe falar de um santo remédio que considero por demais porreta. embora não seja médico, tenho certeza, se você pudesse fazer uso dele, certamente sairia depressa, como um rato assustado desse seu sufoco impertinente.
— E qual é esse antídoto milagroso, amigo Parreira?

— Seguinte: toda vez que me atormenta uma indisposição momentânea, uma dor de cabeça igual essa sua, enxaqueca, dor de barriga, até mesmo uma azia, ou sei lá mais o quê, isso não vem ao caso, vou até a casa de Luciana, minha ex-mulher. Fico por lá uma hora, uma hora e meia e, quando percebo que estou sarado, levanto acampamento...
— Interessante...
— Muito! Escuta só. Ainda não acabei, mano. Essa semana, me vi por três vezes em palpos de aranha. Tudo começou na terça. Uma dor forte veio me bolinar às medidas, assim do nada, chegando a me embaralhar as ideias. Falei com Bebel, minha secretária, observando à ela que não voltaria e, de lá mesmo, do escritório, corri direto para a casa da Luciana...

— Uau...!
— Na quinta e na sexta, de novo. Precisei repetir a façanha. Não pensei duas vezes. Nem contei até dez. Bati, desesperado nos calcanhares da Luciana, e, como num passe de mágica, meu chapa, nem te conto. Uma hora depois, eu estava novinho em folha.
— A Luciana, sua ex, deveria ser uma boa enfermeira, ou médica, se não tivesse escolhido ser juíza de direito.
— Verdade, meu brother. Tem toda razão. Se ela optasse, na época, pela medicina... apesar disso, sem tirar os méritos de meritíssima, a danadinha sabe como fazer um sujeito estressado e cheio de problemas voltar à sua tranquilidade. Bastou uma hora, Chambrósio, uma hora e eu me vi renovado e pronto para outra.

— Folgo em saber. Cá entre nós, em off. Acho que você ainda gosta dela. Vejo isso em seus olhos. Eles brilham, quando você toca no nome dela e seu tom de voz muda literalmente... por que não tenta reatar?
— Sem chances, Chambrósio. De mais a mais, estou em outra. Ela também arranjou um cobertor de orelhas. Está agora com o doutor Frutislócio, um juiz, se não me engano —, de vara —, perdão, da vara da fazenda pública. Ei, antes que me esqueça e mudando de pau pra cavaco: você precisa conhecer a Ariranha.
— Quem?!
— Ariranha, minha nova namorada. Daqui a pouco ela pinta aqui no pedaço. Ariranha é um mulherão, trinta anos, tudo em cima, uma cavala para homem nenhum botar ou ver defeito. É a tal da "Perfeitinha", tipo a garota daquela música cantada pelo Enzo Rabelo, filho do Bruno, da dupla sertaneja Bruno & Marrone.

— Sei à qual se refere. Só o nome da graciosa —, me perdoe a observação —, é meio estranho. Você não concorda? Logo Ariranha?!
Risos:
— Eu gosto, Chambrósio. Não acho nada fora da normalidade. Eu rotularia o patronímico dela, de diferente, de excêntrico, ou exótico, como você preferir... Ariranha, nossa, só de pensar nela... veja como fico...
— De qualquer forma, apesar desses predicados todos que você enumerou da Ariranha, sei que ainda ama a Luciana.
— Sai, fora, mano. Luciana já deu o que tinha de dar. Águas passadas.
— Se você está dizendo... quem sou eu para duvidar...

Em resposta, Parreira se abriu, de novo, num sorriso franco. Em sequência se levantou, caminhou até a cozinha, pegou um copo de água, passou no banheiro, onde mantinha uma farmacinha particular, e, de lá, voltou com um comprimido:
— Tome.
— Que isso?
— Torsilax. Um relaxante muscular que logo deixará você se sentindo como se estivesse dentro do paraíso... com uma Eva e uma deliciosa maçã todinha à sua disposição...
— Ok. Parreira, obrigado... estava aqui pensando...
—... Em que, meu amigo? Sua vez vez de jogar...
— Desculpe. Por momentos, viajei na maionese.
— Joga logo e deixa de onda.

— Raciocina comigo, Parreira: se funciona com você, quero crer, daria certo para mim... o que me diz se eu, ao menos, tentasse...?
— Não entendi. Seja mais objetivo. Do que você está falando?
— Da Luciana, sua ex. Com todo respeito à nossa velha amizade. Se quando você está mal, se entrega aos cuidados dela, me responda, sem mais delongas... nesse momento, ou mais tarde, caso a minha dor de cabeça não passe... onde eu poderia encontrar Luciana, a sua ex?!
O anfitrião se quedou embasbacado. Ficou tão sem ação e perplexo, que se descuidou da partida. Chambrósio Boitorado, por seu turno, se olvidou da dor birrenta. Saltou da cadeira, aos gritos:
— Ganhei de você, amigo Parreiraaaaaaaaaa... Xeque-mate!

Título e Texto: Aparecido Raimundo de Souza, de Vila Velha no Espírito Santo. 4-3-2022

Anteriores: 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-