José Manuel Fernandes
Não se iludam: Trump está a explorar a cegueira
de quem o critica sem compreender as inseguranças que levaram tantos americanos
a elegê-lo. O nativismo não se combate com um cosmopolitismo histriónico
Não vale a pena disfarçar: a
rapidez com que Donald Trump começou a assinar “ordens executivas” apanhou-nos
de surpresa. Como já nos tinha apanhado de surpresa a sua vitória. Escrevi no dia seguinte que acordáramos num mundo que deixáramos de conhecer,
e falei de espanto e choque. Pouco mais de uma semana depois de ter tomado
posse é necessário ter a humildade de reconhecer que Trump continua a
surpreender-nos – quem preveria que ele ia cumprir à letra as promessas de
campanha, mesmo as mais excessivas? – e que o mundo se tornou assim não apenas
mais imprevisível como mais perigoso.
Antes de tudo o mais,
procuremos, com a serenidade possível, compreender o que se está a passar, até
porque o corte de Trump com o passado é, em muitas frentes, mais retórico do
que substancial – e por isso mesmo pode ser mais perigoso, pois mexe com
emoções a irracionalidades.
Deu ordens para que a
construção do “muro” na fronteira com o México avance? É verdade. Mas também é
verdade que um terço desse muro já está construído, obra de sucessivos
presidentes, uns republicanos, outros democratas. O que é diferente em Trump é
que o que era motivo de vergonha passou a ser motivo de orgulho. O que é
significativo é que tenha passado a chamar “muro” ao muro, em vez de lhe chamar
“vedação” ou “gradeamento”. As palavras têm imenso significado, mas já
voltaremos a elas.