Rafael Marques de Morais
Há dias recebi mais uma
denúncia, das muitas que tenho recebido regularmente, sobre o alegado risco de
desabamento do um edifício novo que alberga a Repartição Fiscal dos Grandes
Contribuintes, do Ministério das Finanças, situado no Bairro Maculusso, Luanda.
A denúncia chegou-me por via
de um intermediário, porque os denunciantes temem ser descobertos. É normal,
nesta linha de trabalho, ser contactado por fontes que preferem manter o
anonimato. A Lei de Imprensa permite a salvaguarda da identidade das fontes de
informação, precisamente para garantir que as mesmas não se sintam limitadas
pelo receio de retaliações que, nos casos mais graves, podem pôr em perigo a sua
integridade física.
Achei por isso anormal que um
grupo de pessoas quisesse denunciar o suposto risco de vida que corre por
trabalhar num prédio que acreditam poder desabar, sem que demonstrasse o bom
senso de informar directamente o investigador em cuja ajuda todos parecem
confiar.
Para se justificar, o grupo
alega, num texto deixado ao intermediário, que “o serviço [Ministério das
Finanças] trabalha com a bófia e poderão um dia descobrir de onde veio a
denúncia”.
Mais adiante, o grupo informa que a cave do Edifício Goya tem infiltrações, que há uma moto-bomba a retirar constantemente a água e que o prédio se está a “mover”.
O edifício, construído pela
Soares da Costa, foi adquirido em 2012, pelo Ministério das Finanças, através
do Despacho Presidencial n. 6/12. Após a sua conclusão, em 2010, a promotora
imobiliária Scala descreveu-o como “o mais moderno edifício de escritórios no
centro de Luanda”.
A 18 de Maio passado, um
incêndio deflagrou neste mesmo prédio. O ministro da Hotelaria e Turismo,
Paulino Baptista, assim como muitos dos mais de cem funcionários desse
ministério, tiveram de ser retirados através de uma grua dos bombeiros, dada a inexistência de saídas de
emergência.
“O que se passa é que o
Ministério da Hotelaria e Turismo, bem como a Comissão do Golfo da Guiné,
abandonaram o edifício. Mas nós, da Repartição [Fiscal dos Grandes
Contribuintes], não nos tiram de lá perante a evidência de que o prédio pode
desabar”, lê-se na nota escrita pelo grupo.
Chegados a este ponto,
impõe-se chamar a atenção para a irresponsabilidade que muitos cidadãos
angolanos assumem, mesmo quando se trata de defender a própria vida.
A tal “bófia” [Serviço de
Inteligência e Segurança de Estado – SINSE] não impediu que o Ministério da
Hotelaria e Turismo, assim como a Comissão do Golfo da Guiné, patrocinada por
Angola, se retirassem do edifício. Porque o faria aos funcionários do
Ministério das Finanças?
Que interesses — patrióticos
ou outros — estaria a “bófia” a defender caso obrigasse os funcionários
públicos a acabarem soterrados num edifício mal construído?
É caso para perguntar: os
trabalhadores já reclamaram por escrito junto do ministro das Finanças? Já
alertaram o Corpo de Protecção Civil para o perigo que o prédio representa e
pediram que se fizesse um levantamento sobre o mesmo? E como poderei eu obter
respostas, se os próprios interessados se furtam a prestar mais informações?
Imaginemos o pior cenário,
como no desabamento do edifício da então Direcção Nacional de Investigação
Criminal – DNIC (ora Serviço de Investigação Criminal) em horário de
expediente. Em tais circunstâncias, de que adiantaria aos funcionários da
Repartição Fiscal o silêncio e o medo da “bófia”?
Acredito que a “bófia” — que
já foi DISA, MINSE, SINFO e agora SINSE —tem ultimamente servido para todo o
tipo de desculpas por parte dos angolanos que se recusam a assumir as suas
responsabilidades de cidadania. Da mesma forma que as pessoas esperam que seja
o governo a resolver todos os problemas colectivos, mantendo-se de braços
cruzados, também esperam, quando este não cumpre com as suas responsabilidades,
que apareça alguém a resolver-lhes os problemas.
Não acredito que o SINSE
tomasse medidas de retaliação ou aconselhasse o ministro das Finanças a
despedir os funcionários que denunciassem publicamente o risco de vida que
correm com o alegado abalo da estrutura do prédio onde trabalham.
Este é o principal defeito da
sociedade angolana: a irresponsabilidade.
O já citado grupo denunciante
sugere, através do intermediário, que eu vá falar com os guardas. Empurram a
arraia-miúda para a “frente de batalha”.
Achei por bem anotar a minha
discordância e partilhá-la com os leitores. Não irei interpelar os guardas ou o
Ministério das Finanças por causa da irresponsabilidade destes funcionários da
Repartição Fiscal dos Grandes Contribuintes. Querem que alguém lhes salve a pele,
mas não têm a hombridade de explicar directamente ao autor a sua preocupação.
Como bom cidadão e respeitador
da vida humana, espero que o edifício não desabe e não sofra problemas de
maior. Reprovo, no entanto, a cobardia e a irresponsabilidade daqueles que
preferem esconder-se das autoridades, mesmo quando acham que correm perigo de
vida.
A bófia e a bufaria não devem
servir de desculpa para o estado de irresponsabilidade dos angolanos. A bófia e
os bufos são uma parte relevante da sociedade e só agem mal quando o
permitimos, ora porque se trata dos nossos filhos, irmãos, amigos parentes, ora
porque simplesmente não queremos chatices.
O Edifício Goya, que alberga a Repartição Fiscal dos Grandes Contribuintes |
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