Carlos Lira
“Ninguém quer morrer. Mesmo as pessoas que querem chegar
ao paraíso. Mas a morte é o destino de todos nós.” (Steve Jobs)
Não sei quem foi que disse que a Vida é feita pela Morte. Será? Ou a morte é feita pela vida? Vida corrida, vida vivida, vida sofrida, vida perdida pelo mundo afora que se esforça por mais viver e vem a morte que tudo destrói. É a destruição continuada e constante que faz a vida. A respeito de vida e morte, porém, faz-me crer que a morte merece maiores encômios haja vista ser ela perene companheira desde o nascer até o pôr do sol de nossa vida terrena. É ela que nos traz consolo em momento de desgraça; é através dela que todos nós esperamos a nossa redenção; é ela a quem todos os infelizes e sofredores pedem socorro e esquecimento. Buscamos explicações sobre a morte mas todas as teorias são reduzidas a uma vala comum: a morte é o fim de tudo nesta vida terrena.
Hermann von Kaulbach’s (1846 –
1909) painting “Mozarts letzte Tage” (Mozart’s last days) from 1873
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Eis-me mais uma vez perdido em divagações e profundo recolhimento de muita
tristeza: mais um amigo de infância partiu para o “reino esplendoroso da
alegria” enlutando todos nós – a família e os amigos. Há pouco mais de um mês
partiu Nivaldo Ribeiro, agora parte o irmão Chico Ribeiro, ambos amigos, muito
amigos, beirando a irmandade, beirando a identidade mística de um amor
verdadeiro. Dois irmãos, dois amigos irmãos, dois companheiros de uma infância
feliz e de uma juventude plena. Estes últimos dias deste milênio principiante
seguidos golpes e perdas nos jogam ao canto da vida, são muitas as lágrimas,
seguidas recordações e muitos questionamentos sobre viver, sofrer, amar e
morrer. Depois da vida de claustro no Seminário Menor São José, em Garanhuns, continuamos
os estudos no Colégio Diocesano em Caruaru. Em Bezerros, um sábio francês
esteve entre nós – Gilles de Gramont – que nos iniciava sobre a filosofia neorrealista
francesa, Chico Ribeiro era versado em Francês, e muitas informações
conseguimos através deste brilhante mestre.
Veio-me à memória uma citação
de Gui de Maupassant – “viver, sofrer, amar e morrer é a mesma coisa; faça como
eu que vivo, sofro, amo e morro sem falar”.
Amigo Chico Ribeiro, debatemos
muito sobre este pensamento masoquista, agora me pergunto: será que Gui de
Maupassant tinha razão? Eis-me chorando novamente, amigo irmão! São lembranças
alentadoras, laços que nem o tempo desfez! Chico Ribeiro, o belo, a capela do
seminário enchia de meninas “devotas” somente para ver a figura deste meu
amigo! À noite, caminhando pelo campo de futebol, um muro nos separava daquela
casa estilo londrino onde uma bela garota ficava na janela namorando o
encantado Chico Ribeiro e tinha o luar por testemunha.
No colégio Diocesano em
Caruaru, uma linda jovem, a desejada pela garotada, só tinha os olhos voltados
à figura deste meu ilustre amigo...
Compreendo que a Morte é o aniquilamento de todos nós, ela nos sangra e nos sagra. Em vida, todos nós só somos conhecidos pela calúnia e maledicência, mas, depois que Ela nos leva, nós somos conhecidos (a repetição é a melhor figura de retórica), pelas nossas boas qualidades. Vida inútil é aquela que nos torna dependente dos outros; vivendo para sofrer os vexames que não merecemos, um viver por viver somente. A vida não pode ser uma dor, uma humilhação de contínuos e burocratas idiotas; a vida deve ser uma vitória. Quando, porém, não se pode conseguir isso, a Morte é que deve vir em nosso socorro. É a nossa independência, a nossa liberdade plena e inconteste! Livramo-nos da covardia mental daqueles que somente são acompanhadores de procissão, que só visam lucros nesta vida terrena onde existem contendas e dissabores. Não há, entre nós, campo para as grandes batalhas de espírito e inteligência. Tudo aqui é feito com o dinheiro e os títulos. A agitação de uma ideia que envolva a alma e o espírito não repercute na massa e quando esta sabe que se trata de contrariar uma pessoa poderosa, dizem que o agitador é louco.
O que José Ribeiro, Nivaldo Ribeiro, Paulo Ribeiro e Chico Ribeiro deixaram para nós? A morte leva o ser vivente, mas o bom exemplo, a palavra e a retidão de caráter o imortaliza. O corpo se vai, mas nossas pegadas ficam. E nós, os que ainda militamos por este vale de lágrimas, até onde irão as nossas pegadas?
Existem muitas maneiras de morrer, a morte repentina, por exemplo. Para quem vai é muito bom, pois o jaguar negro fica à espreita na próxima esquina. Morte súbita sem tempo para imprimir o poema sobre a vida de quem parte é muito sem graça. Mallarmé tinha o sonho de escrever um livro com uma palavra só. Achei-o louco. Depois compreendi. Para escrever um livro assim, de uma palavra só, seria preciso ter-se tornado sábio, infinitamente sábio. Tão sábio que soubesse qual é a última palavra, aquela que permanece solitária depois que todas as outras se calaram. Mas isso é coisa que só a Morte ensina. Mallarmé certamente era seu discípulo.
Chico Ribeiro encontrou a
palavra SÓ do seu viver, tornou-se sábio, infinitamente sábio porque encontrou
a sua última palavra, a solitária, a única que traduziu toda a verdade do seu
viver. De poucas palavras foi o seu convívio entre nós mas simplificava o seu
esforço supremo para dizer a beleza simples da sua vida que agora se vai.
Curioso que a Morte nada tenha a dizer sobre si mesma. Quem sabe sobre a Morte
são os vivos. A Morte, ao contrário, só fala sobre a Vida, e depois do seu
olhar tudo fica com aquele ar de “ausência que se demora, uma despedida pronta
a cumprir-se” (Cecília Meireles). E ela nos faz sempre a mesma pergunta:
“Afinal, que é que você está esperando?” Como dizia o bruxo D. Juan ao seu
aprendiz: “A morte é a única conselheira sábia que temos. Sempre que você
sentir que tudo vai de mal a pior e que você está a ponto de ser aniquilado,
volte-se para a sua Morte e pergunte-lhe se isso é verdade. Sua Morte lhe dirá
que você está errado. Nada realmente importa fora do seu toque… Sua Morte o
encarará e lhe dirá: ‘Ainda não o toquei…'”
Chico Ribeiro foi tocado pela morte; nós estamos chocados pelo toque final deste ser que nos deixa, estamos tocados pela dor. De uma coisa é certa: Chico Ribeiro teve coragem para olhar a morte de frente e este gesto seguro de quem “combateu o bom combate” o tornou sábio e a sua vida ganhou a simplicidade e a beleza de uma grande história.
Meu amigo, descansa em paz e até sempre.
Título e Texto: Carlos Lira, 30-1-2017
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