Aparecido
Raimundo de Souza
PENSEM
NUM SUJEITO trabalhador e honesto, cumpridor
de seus deveres até debaixo d'água. O Alpheu! Este mesmo, escrito assim, desta
forma arcaica, Alpheu, com ‘PH’. E ele, por seu turno, fazia questão de deixar
pontificado, o ‘PH’. Sem dúvida alguma, este era o cara, apesar de não gostar
da melodia do Roberto Carlos, onde o cantor de Cachoeiro de Itapemirim, filho
de dona Laura e seu Robertino, dava conta de um indivíduo que exaltava a figura
auspiciosa de um craque, o dono do pedaço e da cocada preta, sobretudo, que
fazia as honras em todos os sentidos, inclusive e, principalmente, se abrindo
feito paraquedas às princesas de todas as idades, o que tornou o bendito fruto
amável e benquisto entre as beldades do sexo oposto, Brasil e desvãos além
fronteiras.
Mas o
nosso Alpheu, com ‘PH’, sem tirar nem por, fora o escolhido. Homem sério, até
seu relógio interno seguia as regras do excelente. Sem nenhuma mancha que
tornasse seu passado obscuro, servia de chacota e de gozação para os amigos. Na
verdade, um espectador inocente, figura ridícula pela maneira por que se
deixava, sobretudo, escravizar com as barbáries e investidas dos idiotas que se
diziam e se proclamavam ‘seus chegados’: ‘Você é o cara, mano —, afirmava um’.
Este ‘cara é você’ —, ajuntava outro. Por conta deste ‘cara sou eu’, o
homenzarrão queria morrer. Tirando esta particularidade, Alpheu, com ‘PH’, um
santo. Do pau oco, mas santo. Bom pai, ótimo marido e seleto companheiro,
principalmente com os colegas de trabalho. O patrão o adorava. Seu trajeto, nos
trezentos e sessenta e cinco dias do ano... Apenas um. Com uma variante.
De casa
para o trabalho e do trabalho para casa. Nada mudava a sua rota. A vida, para
ele, se fazia mais obsessiva que as liquidações das Lojas Renner, anunciando
seus auspiciosos e chamativos Brack Fridays. Alpheu, com ‘PH’, como todo ser
humano perfeitamente imperfeito, claro, exatamente por ser humano, tinha
(apesar dos pesares e da vidinha reta e sem nódoas), cinco defeitos
inquestionáveis. Primeiro deles. Gostava de fazer filhos. Por conta desta vida
desregrada, no escuro de quatro paredes, enrodilhado com a sua metade gostosa
do casamento, a Belinha, e gozando, com ela, os prazeres das fogosidades
calientes, trouxera, à luz, em consequência das viradas de olhinhos, nove
boquinhas para dar de beber e comer. Nove. Imaginem só! O segundo defeito. Ao
sair do trabalho (pegava às cinco da manhã, na padaria do português Manuel
Joaquim, parava uma hora para almoçar e, quinze minutos, para engolir o café
servido como lanche).
Largava, o
batente, às dezessete horas. Todo santo dia, esta rotina enervante. O terceiro
defeito. O pior deles. Antes de chegar em casa, vinha a variante acima citada.
Alpheu, com ‘PH’, passava, impreterivelmente, pelo boteco do Aristeu da
Conceição (duas quadras de onde morava) e, uma vez ali, alagava os bofes,
tomando todas as purinhas com seus amigos de copos. Ficava enraivecido, porque,
nesta hora, os falsos amigos das garrafadas zoavam da sua vida certinha,
cantando ‘Este cara sou eu’, do Roberto Carlos. Alpheu, com ‘PH’, ficava pra
morrer. Odiava, com todas as forças, esta canção e, se tivesse poder, pegava
seus parceiros e os mandava para verem Papai do céu antes da hora marcada. Um
suplício mal parido de que não cogitou, em nenhum momento, a sua postura de
cidadão de bem.